Fernando Diniz não deve ser encarado como um técnico interino no comando da seleção brasileira. Ele assinou contrato por um ano com a CBF. Não é um tampão como Ramon, embora a entidade já o avisou de que o treinador que ela quer chega em junho de 2024, Carlo Ancelotti, quando encerra seu ciclo no Real Madrid. Foi uma negociação transparente entre Diniz, CBF e Fluminense, que aceitou dividir o treinador com o Brasil. Desse ponto de vista, nada foi feito debaixo do pano ou na calada da noite.
Há dinheiro envolvido (Diniz terá dois salários) e duas comissões a serem montadas e coordenadas. Diniz não abandonará o Fluminense por causa da seleção e não deixará a seleção por causa do Fluminense. A CBF vai mexer no calendário do futebol nacional quando for preciso. A Data Fifa é soberana, assim como as datas da Conmebol. Essas não mudam. Diniz se disse satisfeito e que será uma “honra” para ele comandar o Brasil, mesmo que por apenas um ano. Os treinadores têm deixado a seleção pela porta dos fundos. Tomara não seja o seu caso.
A partir daí, vem os problemas, as desconfianças e também a esperança. Vou começar pelo fim. Diniz tem esperança de que possa ficar na comissão técnica de Carlo Ancelotti para a Copa do Mundo de 2026. Não tem nada certo sobre isso. Mas para ele seria um passo importante em sua carreira disputar um Mundial. Sua continuidade não foi discutida.
Embora o presidente da CBF, Ednaldo Rodrigues, tenha confirmado o técnico italiano, nem o próprio Ancelotti nem o Real Madrid se manifestaram sobre o assunto. Não houve uma única nota nem declaração.
Diniz terá problemas para manter as duas comissões técnicas. O futebol atual está muito mais veloz, com mais jogos e mais trabalho no dia a dia, com calendário pesado e quase nenhuma condição de descanso ou tempo para treinar. Imagine com uma seleção no meio disso, cheia de cobrança e pressão para ganhar todos os jogos. Porque se Diniz não sabe, é assim que é no Brasil.
Há ainda a missão de aproximar o time nacional do torcedor brasileiro. Portanto, há um trabalho de bastidor nesse sentido. Muita coisa deve mudar sob o comando de Ednaldo. E Diniz terá pedidos para atender.
O pior de tudo que Diniz terá de enfrentar, no entanto, é a desconfiança. Ele será acusado de tirar jogadores dos rivais do Fluminense. Atualmente, teses de complôs são comentadas em alguns clubes, como Palmeiras e Atlético-MG, mas outros também já se viram nessa condição, como Flamengo. Imagine quando Diniz ‘enfraquecer’ esses times e “ajudar” o seu Fluminense. A teoria da conspiração vai correr solta. Diniz vai ser acusado disso e daquilo. Essa discussão já existe antes mesmo de Diniz começar a trabalhar.
Além de ser honesto, ele terá de parecer honesto. Não tenho nenhuma dúvida de que Fernando Diniz é um profissional trabalhador e honesto e jamais colocaria seu nome em situações dessa natureza. Jamais. Mas tenho dúvidas se dirigentes de clubes e técnicos entenderão da mesma forma. O torcedor já sei que não entenderá.
O treinador vai apostar nos jogadores que atuam na Europa, mas é um pedido da CBF que ele olhe também para os atletas no Brasil. Flamengo e Palmeiras tiveram atletas convocados por Ramon nos últimos amistosos, só para citar dois clubes do futebol nacional.
Há uma outra situação em relação ao trabalho de Ramon. Diniz é mais experiente e tem uma carreira construída a mais tempo. Ele não terá postura de interino. Terá de comandar com suas ideias e traquejos. A CBF sabe disso. Os jogadores devem saber também. Estou me referindo a Neymar e companhia, aos medalhões da seleção, aqueles de cadeira cativa no elenco. Diniz grita, reclama, se descabela à beira do gramado quando o time não corresponde. Vai mudar isso? Acho que não. Será aceito desse jeito? Não sei.
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