O futebol brasileiro corre perigo com a jogatina em sites de apostas. O assunto é mais sério do que parece e deve ser dado a ele a devida atenção imediatamente, de todos os setores envolvidos com o esporte, dos clubes e associações, passando pelas federações até chegar aos órgãos competentes do governo Federal. Não é mais somente pensar na arrecadação dos impostos. Isso continua importante, mas é pequeno perto do vespeiro com as armações dentro das quatro linhas.
As falcatruas já estão sendo descobertas, como se viu nas ações do Ministério Público, com mandados de busca e apreensão em Estados brasileiros diferentes. Esses grupos criminosos estão mexendo com a paixão popular. O futebol no Brasil é levado como religião. Se ficar comprovado que ele está contaminado por armações de resultados de todos os tipos que existem nas casas de apostas, tudo vai para a lata do lixo em questão de tempo, afinal, como o torcedor vai torcer se ele sabe que tudo está armado, desde o número de escanteios até os cartões amarelos e vermelhos, os pênaltis, os laterais, enfim, tudo durante aqueles 90 minutos.
A Fifa, entidade máxima do futebol, ainda não abriu o olho sobre isso. Come bola em relação ao seu único produto. A “Máfia das Apostas”, batizada assim por mim e não pelo Ministério Público, tem de parar.
O MP de Goiás está à frente desse processo porque a primeira denúncia aconteceu em Goiânia, após o Vila Nova denunciar a suspeita de que um jogador estava sendo ‘comprado’ pela máfia para ajustar situações dentro do jogo e assim fazer com que os apostadores ganhassem dinheiro. O atleta seduzido ganharia sua parte na bolada também. Isso se espalhou em questão de meses. Outros foram cooptados.
Esse caso do Vila Nova ocorreu no fim do ano passado. Somente em fevereiro, depois das investigações do Ministério Público, é que a primeira diligência foi anunciada. O foco era a Série B do Brasileiro. A segunda fase das investigações, no entanto, abrange jogos da Série A do Campeonato Brasileiro e também dos Estaduais de ao menos seis Estados diferentes, como São Paulo e Rio. Ou seja, o esquema de fraudes nas apostas se espalhou pelos quatro cantos do Brasil antes mesmo da regulamentação do governo brasileiro.
Na semana passada, o Estadão informou que “o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu taxar as empresas e os apostadores que operam no mercado de apostas esportivas no Brasil – sendo a maioria online. A taxação fará parte de uma medida provisória elaborada pela equipe do Ministério da Fazenda.” O repórter Daniel Weterman informa que “os apostadores serão taxados e precisarão pagar 30% de imposto sobre os prêmios recebidos durante um evento esportivo. Haverá isenção para premiações que fiquem dentro do valor da primeira faixa livre de imposto de renda, de R$ 1.903,98″.
A apuração diz ainda que “as empresas terão de pagar R$ 30 milhões para o governo federal por uma licença de cinco anos e 15% de imposto sobre o lucro – receita obtida após a distribuição de prêmios. Ter registro no Brasil, funcionários brasileiros e possuir capital social de no mínimo R$ 100 mil são outras exigências previstas. As companhias que vendem as apostas e aquelas que oferecem os meios de pagamentos terão de ser credenciadas pelo governo.”
Desde 2018 que as apostas em sites que operam fora do Brasil estão legalizadas. Falta agora a regulamentação do governo. O presidente Jair Bolsonaro ficou de fazer isso, mas não conseguiu. A medida está na mesa do presidente Lula.
Clubes e federações
Algumas coisas precisam ficar claras sobre as apostas em sites. Em primeiro lugar, não se tem comprovação nenhuma da participação dos clubes, mesmo daqueles cujos jogos foram apontados com fraude. Tampouco das associações esportivas, entidades, federações. De modo geral, todas elas estão de acordo com as investigações e se colocam à disposição para ajudar. Também, de acordo com o MP, nenhuma das casas de apostas estão envolvidas com a manipulação dos apostadores, de modo a pagar e ganhar ao mesmo tempo com armações das partidas.
Elas, as casas de apostas, também se colocam à disposição dos promotores para ajudar no que for preciso. Algumas já ajudam quando apuram tendências de apostas que possam gerar desconfiança de manipulação.
O esquema fraudulento, por ora, é feito por uma gangue de criminosos que seduz jogadores com salários baixos e com a promessa de ganho exorbitante, como R$ 50 mil ou até R$ 100 mil, para participar de armações dentro do campo. O que esses atletas cooptados ainda não entenderam é o tamanho do crime que estão cometendo, mesmo se for para dar um simples escanteio durante a partida ou cavar sua própria expulsão, sem, no entanto, mexer diretamente com o resultado do jogo. Eles acham que não estão mexendo no placar, mas, na verdade, estão sendo personagem de uma grande farsa, brincando com a paixão e esperança de milhares de torcedores e cometendo, além de um crime, uma total falta de respeito com os colegas e com sua própria profissão. São verdadeiras ‘mulas’ do futebol.
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