‘Santo skatista’? Conheça o espanhol que morreu enfrentando terroristas e pode ser canonizado

Pai de Ignacio Echeverría, morto em atentado de 2017 em Londres tentando salvar vítima, iniciou processo para ser entregue ao Vaticano

PUBLICIDADE

Foto do author Bruno Accorsi
Atualização:

Danny León, skatista espanhol top-10 do ranking olímpico, foi até a pequena cidade de Rincón de la Victoria, em janeiro deste ano, para participar de uma competição nacional. Saiu de lá com uma medalha de ouro e outra de prata, após belas manobras executadas nas instalações do Skate Park Ignacio Echeverría. Tal nome batiza mais de 30 pistas de skate na Espanha e até o troféu de uma competição de ondas gigantes. Não se trata, contudo, de uma homenagem a um multicampeão ou fenômeno do esporte, e sim a um potencial santo.

Há um processo em curso neste momento de canonização de Ignacio Echeverría Miralles de Imperial, com apoio da Arquidiocese de Madri. Bancário formado em Direito, era também skatista e usava o pseudônimo Abo - de abogado, advogado em espanhol - nos vídeos que produzia para mostrar suas manobras. Praticar o esporte que amava desde os 11 anos, imerso na cultura de rua, foi um dos últimos atos de Abo em vida.

Ignacio Echeverria é objeto de processo de canonização apoiado pela Arquidiocese de Madri. Foto: Arquivo pessoal

PUBLICIDADE

O espanhol morreu em 3 de junho de 2017, aos 39 anos. Estava em Londres, onde morava, andando de skate com amigos perto do Borough Market, ponto histórico da capital inglesa, quando notou uma movimentação estranha e rostos assustados pela rua.

Entendeu melhor o que acontecia ao ver um policial no chão, esfaqueado por um homem, que em seguida se dirigiu a uma mulher. Ignacio notou o movimento e usou o skate para bater no agressor e defender a vítima, mas acabou atingido por facadas. Abo estava acompanhado de amigos e, embora um deles, Guillermo Sánchez, tenha testemunhado o ato, acabaram se desencontrando no meio da confusão.

Publicidade

Aquilo que acabavam de presenciar era um atentado terrorista responsável pela morte de mais sete pessoas e outros 48 feridos. No dia seguinte, o Estado Islâmico reivindicou a autoria. Os ataques começaram com atropelamentos na London Bridge. Em seguida, três homens que estavam no veículo desceram nas redondezas do Borough Market e iniciaram os esfaqueamentos. Por fim, foram mortos pela polícia.

Ignacio chegou a ser atendido no local do ataque por um médico que viu a cena de dentro de um restaurante. “Eu disse ‘vocês têm de me deixar sair, sou médico’, afirmou o Dr. Jonathan Moses durante depoimento após o ataque, ao relembrar do momento em que tentou, em vão, salvar o skatista, que teve a morte registrada às 22h58, horário local, naquele dia.

Comoção e homenagens ao herói skatista

A notícia de que ele estava morto demorou a ser confirmada. Ainda em luto, os companheiros de skate andaram pelos locais favoritos de Abo em Londres, como forma de homenageá-lo e de recuperar a positividade e alegria que ele trazia ao grupo. Foi a esses sentimentos que Joaquín Echeverria, pai de Ignacio, se apegou para seguir em frente.

“Que Ignacio seja patrimônio de todos aqueles que sentem os seus princípios. A bondade, a generosidade, a vontade de fazer bem as coisas, que se traduz na sua alegria de viver, na sua tenacidade e no esforço que fez durante toda a vida para melhorar, sob todos os pontos de vista”, disse Joaquín, em entrevista ao Estadão.

Publicidade

Joaquín Echeverría em homenagem a Ignacio em 2019, ao lado de Ángel Garrido, então presidente da Comunidade de Madri, e José de la Uz, prefeito de Las Rozas. Foto: Divulgação/Comunidad de Madrid

As palavras carregadas de religiosidade estão relacionadas à empreitada à qual o pai do skatista se dedica neste momento. Ele tem lutado pela campanha de canonização do filho, que já recebeu honrarias como a Grã-Cruz da Ordem do Mérito Civil da Espanha e a Medalha George do Reino Unido.

“Acho que sei que a canonização de uma pessoa não altera o seu status no Céu e que todos conhecemos pessoas que morreram e que são santos e nunca serão canonizados, mas Ignacio tem características pessoais que podem torná-lo muito útil, de ser uma pessoa absolutamente normal, sem nenhuma habilidade excepcional, mas com grande tenacidade e vontade de ser bom”, defende o pai.

Decisão de papa Francisco abriu caminho para tentativa de canonização

O caminho para tornar Abo santo abriu-se em 2017, cerca de um mês depois de sua morte, quando o papa Francisco publicou em carta apostólica uma “quarta via” para a canonização: oferecer a vida pelo próximo. No ano seguinte, o bispo Don Juan Antonio Martínez Camino, encarregado das causas de santificação do arcebispado de Madri, manifestou a ideia de que Ignacio poderia ser santificado.

Joaquín e sua mulher, Ana Miralles de Imperial, mãe de Ignacio, se encontraram com Martínez Camino e ouviram o religioso propor que tentassem a canonização. “A arquidiocese, na pessoa de Dom Juan Antonio, sugeriu que começássemos a causa porque Ignacio poderia ser muito útil no fortalecimento da fé e da conduta de muitos fiéis, se a causa fosse adiante”, conta o pai.

A família teve de aguardar o período de cinco anos após a morte do postulante, como determina a Igreja, para iniciar os trâmites e conseguiu oficializar o processo no início de 2023. Assim, foi registrada na arquidiocese a Associação para a Canonização de Ignacio Echeverria, que contratou um postulador, como é chamado o responsável por organizar a causa da canonização por meio dos processos judiciais exigidos pela Igreja Católica.

Estátua de Ignacio acertando um "ollie" com o skate, criada por Marta Salinas. Foto: Arquivo pessoal

“O postulador escreveu ao arcebispado comunicando que pretende apresentar o processo para iniciar a causa, e o arcebispado consultou Roma e o arcebispado de Londres, onde morreu Ignacio. Foi decidido que Madri seria o local competente para receber e iniciar a causa”, explica Joaquín.

Agora, estão sendo reunidos testemunhos de “fama de santidade” e Joaquín afirma que muitos já foram recolhidos. São relatos de pessoas que, de fato, rezam para o “Santo Skatista” e pedem favores. Não há data para o processo ser entregue pelo postulador, mas o pai espera que seja em breve.

Joaquín também criou uma instituição não religiosa com o nome do filho, para “disseminar seus valores”. Além disso, está sempre atento a diferentes homenagens a Ignácio, como uma biografia autorizada lançada neste ano ano, sob o título Héroe del Monopatín, e o espetáculo musical Skate Hero, em cartaz desde 2021, em Las Rozas, onde mora a família do skatista.

Publicidade

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.