O torcedor brasileiro já consegue apontar nomes capazes de estabelecerem uma nova idolatria no esporte nacional. Enquanto Neymar vive o ocaso de sua carreira, o ex-palmeirense Endrick busca ser ídolo de uma nação. Se a estrela da ginástica Rebeca Andrade já ensaia uma aposentadoria, Rayssa Leal é a promessa de manutenção do legado olímpico. João Fonseca, de 18 anos, faz o Brasil sonhar novamente no tênis, e Gabriel Bortoleto, de 20, surge como prodígio na Fórmula 1 após sete temporadas sem um piloto brasileiro na categoria mais importante do automobilismo.
Não existe uma receita para a criação de um ídolo. Evidentemente os resultados ajudam na construção da imagem de determinados atletas, mas a questão vai além, dizem as pessoas que trabalham com atletas de diferentes modalidades. A onipresença proporcionada pelas redes sociais, por exemplo, faz as plataformas serem determinantes para o desenvolvimento da afeição perante o público.
“O que une essa geração é a combinação de talento esportivo, identificação com o público, uso estratégico das mídias sociais e a capacidade de construir uma narrativa pessoal que inspira. Eles são mais do que atletas, são símbolos de um Brasil diverso, resiliente e conectado”, explica Ivan Martinho, professor de marketing esportivo pela ESPM.
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No geral, a idolatria é construída por meio do desempenho técnico e dos resultados, é claro, mas também graças à conexão com os fãs, seja de forma genuína ou resultado de um plano estratégico, como aponta Renê Salviano, CEO da Heatmap e especialista em marketing esportivo.
“Acredito que pode ser uma mescla de tudo, mas nos dias de hoje, é imprescindível ter um estafe de especialistas para colaborar na gestão de todas as áreas, um exemplo é a parte de patrocínios”, diz Salviano. “Aparecem dezenas de oportunidades quando estão em alta, mas se tem profissionais experientes à frente deste tema, com certeza terão ainda mais chances, e as que chegarem, mesmo que de forma passiva, terão valores maiores, pois serão melhor valorados em relação a todo mercado, com indicadores dentro da realidade do marketing esportivo”.
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A imagem de um ídolo
Endrick é um dos atletas cuja imagem é minuciosamente trabalhada. O jovem astro do Real Madrid extrapola o campo e é acompanhado desde os 11 anos, quando começou a impressionar quem o via na base do Palmeiras. Por isso, sua imagem também é construída desde cedo. Há duas empresas que cuidam dos passos do jogador fora de campo: a Roc Nation, agência de entretenimento norte-americana comandada pelo cantor Jay-Z, e a Wolff Sports, responsável pelos acordos publicitários.
Existem cuidados, nessa construção da imagem de Endrick, desde sua formação, pensando na idolatria que pode alcançar com o torcedor brasileiro. Daí o motivo de o atleta se recusar a provocar rivais. Ele procura não se envolver em discussões em campo e evita as controvérsias. Também diz não gostar de festas e balada.
O ídolo hoje é construído com uma combinação de vitórias e prêmios na sua atividade, demonstrações de resiliência e sacrifício, e com simpatia, no trato do público, e adquirida através de suas preferências pessoais
Thiago Freitas, responsável pela carreira de Endrick
“Acho que é já notório como Endrick é aplicado no sua preparação e como se comunica bem não somente com os jovens. Vitórias e prêmios, ele ganhou como quase ninguém da sua idade, e está no clube mais vencedor do mundo. Não existe razão para apostar que ele vá deixar de ser ídolo”, acredita o executivo, chefe de operações da Roc Nation Sports no Brasil.
Não existe o temor de que Endrick faça bobagens porque quem trabalha com o jogador diz que ele é bem orientado e próximo de sua família. O pai, Douglas Ramos, afirmou se surpreender com a postura do filho diante da vida de estrela que leva. Mas nem tudo são flores. Ele teve de ser forte mentalmente e maturo para lidar com as críticas na Espanha e paciente para esperar sua vez no Real Madrid, uma vez que tem jogado pouco sob Carlo Ancelotti. “Ele vem se mostrando inabalável desde quando o conhecemos”, garante Freitas.
Na temporada, são 315 minutos jogados com a camisa do Real Madrid e quatro gols marcados, dois deles recentes e importantes, na prorrogação contra o Celta de Vigo, que garantiram a classificação da equipe na Copa do Rei. “Ele sempre trabalhou para que surgindo chance, entregasse um resultado extraordinário, como aconteceu no Palmeiras, e dias atrás, na Espanha”.
O camisa 16 diz não ligar para as críticas. “Nada que vem de fora me importa”, disse ele recentemente à TNT Sports. “Futebol é isso: pode fazer um gol hoje, e todo mundo exaltar, mas quando você perde, te jogam lá para baixo”.
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Neófito na Fórmula 1
A temporada 2025 da Fórmula 1 será a primeira em sete anos com um brasileiro no grid. Aos 20 anos, Gabriel Bortoleto terá a missão de honrar as tradições do País de campeões, como Emerson Fittipaldi, Nelson Piquet e, seu maior ídolo, Ayrton Senna, mas que não conquista um título na principal categoria do automobilismo há mais de 30 anos. O jovem piloto da Sauber-Audi diz ao Estadão que a construção de uma idolatria, na sua visão, vai muito além do número de troféus erguidos ou pódios conquistados.
Na minha opinião um ídolo é formado por um conjunto de ações que não se limitam à sua atuação num determinado esporte. Naturalmente o seu sucesso nas competições atrai os holofotes para você, porém, a sua postura enquanto pessoa pública, o seu comprometimento com a sua profissão, o orgulho de representar o seu País no exterior, a forma com que você lida com os fãs que somam muito para te elevar do nível de um grande esportista para ídolo
Gabriel Bortoleto, piloto de Fórmula 1
Bortoleto é considerado um jovem talento desde o início da adolescência. Seu bom rendimento desde o kart vem chamando a atenção no mundo do automobilismo. O bicampeão mundial Fernando Alonso gostou tanto do que viu na pista que se tornou o empresário do brasileiro, através de sua empresa, a A14 Management. Ele encara com naturalidade todo o burburinho envolvendo seu nome, e acredita que a identificação do público tem a ver também com a sua espontaneidade e cultivo da boa relação com os fãs nas plataformas digitais.
“Eu sou uma pessoa de hábitos bem simples, sou muito direto em minhas colocações e sempre me orgulhei muito em representar o meu País no exterior. Nas minhas redes sociais procuro sempre me comunicar prioritariamente em português, o que acho que ajuda muito também. E, não menos importante, a garra e comprometimento que levo comigo toda a vez que entro na pista imagino ser de grande relevância nesse processo”, afirma.
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Em relação às expectativas dos torcedores em ver um brasileiro novamente campeão da Fórmula 1, Bortoleto diz ser natural, ainda mais pela tradição do País no automobilismo. Ele afirma estar empolgado com a oportunidade na elite da modalidade e crê que os fãs entendem se tratar de um processo longo até uma eventual consagração nas pistas.
“Historicamente o Brasil se tornou uma potência no automobilismo mundial em várias categorias. Tanto nas competições baseadas nos Estados Unidos, como a Indy, ou nas provas da Europa como a F-1, F-2, WEC, e sempre tivemos representantes muito bons e que conquistaram sucesso. Na F-1 temos 8 títulos mundiais, alguns vice-campeonatos e depois do tricampeonato do Senna temos um hiato de títulos muito grande. Por maior que seja a ansiedade da torcida por vibrar novamente com um brasileiro, imagino que naturalmente todos entendem que fui contratado por uma equipe que foi a pior classificada no Campeonato de 2024. Por outro lado, existe todo um projeto de expansão e a associação com a Audi me deixa muito animado com o que poderemos desenvolver ao longo dos próximos anos.”
Vida de adolescente
Brasileira mais jovem a conquistar duas medalhas em Jogos Olímpicos, Rayssa Leal leva a vida de uma adolescente “comum”, embora não seja uma. A estrela do skate disse em entrevista recente ao Estadão fazer, ainda que com mais proteção, as mesmas coisas que fazia quando ainda não tinha a fama e a exposição que vieram graças ao seu sucesso no esporte, principalmente depois da prata em Tóquio, conquistada quando tinha 13 anos.
“Continuo a mesma adolescente, tenho diferenças para um ‘adolescente normal’, mas a minha família e amigos que são próximos a mim não me deixam mudar”, afirma a skatista. “Eu continuo indo aos aniversários, à escola, fazendo todas as coisas normais que todo adolescente faz”.
Inspirada por Letícia Bufoni quando começou, Rayssa inspira milhares de meninas que querem ser como é a skatista e alcançar o que ela alcançou. Por anda passa, dá autógrafos e tira fotos em profusão, principalmente em Imperatriz, sua cidade natal. “Eu tento entender tudo o que eu faço pelo meu esporte, pelas mulheres e meninas, mas não cai a ficha de, tão nova, fazer tudo isso”, admite.
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Sacrifícios
É quase regra: o esportista que busca uma carreira profissional tem de fazer sacrifícios comuns aos que são bem-sucedidos no esporte. É a conhecida rotina cheia de regras que envolve alimentação e sono monitorados, treinos diários, musculação, fisioterapia, e uma série de privações. Isso sem mencionar a dificuldade financeira que encaram os atletas e seus familiares.
“Todos eles, para se destacarem, serem premiados como melhores, conquistarem os principais títulos, abdicam de muito que é hoje acessível a quase todos os jovens. Nos esportes individuais, o resultado tem uma correlação com o esforço individual muito maior do que no esporte coletivo, que por vezes, também acoberta e protege o atleta diante de um insucesso, que pode ser compartilhado com outros”, sublinha Freitas.
“Mas os extraclasses nos esportes coletivos têm um traço comum. Todos eles têm referências nos esportes individuais. Eles não terceirizam insucessos e nem esperam pela melhora e desenvolvimento dos outros. Eles buscam se destacar entre todos, mesmo quando são parte de um grupo”.
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O caso de João Fonseca, nova estrela do tênis brasileiro, é incomum: ele teve a sorte de nascer em uma família abastada, com pais loucos por esportes. Sua mãe flertou com o vôlei profissional. Ela e o marido, que competiu no tênis júnior no Brasil quando adolescente, correram meias-maratonas e competiram em ciclismo de estrada e de montanha e corridas de aventura.
João praticou quase todos os esportes que lhe apresentaram, incluindo futebol, vôlei, natação, judô, skate, surfe e esqui, além do tênis. Sua mãe disse que ele se destacava em todos até escolher o tênis aos 11 anos.
Ele ganhou as manchetes nas últimas semanas em razão das 14 vitórias consecutivas, dos dois títulos seguidos e de ter vencido o russo Andrey Rublev, número 9 do mundo.
O sucesso do jovem tenista, de apenas 18 anos, vem sendo moldado nos últimos anos a partir do trabalho da sua família, fanática por esportes, de uma equipe estruturada e até com ajuda indireta da lenda suíça Roger Federer, sócio da ON, empresa de artigos esportivos que patrocina o tenista brasileiro.