No jargão do futebol, utiliza-se o termo "várzea" para definir algo precário, mal feito. Então, pode-se dizer que a organização da Taça Libertadores é, sim, uma várzea. Os estádios são precários, os gramados ruins, há falta de segurança para torcedores, delegações e atletas. Chega-se ao ponto de a cena na qual policiais precisam proteger com seus escudos o jogador da equipe visitante a cada cobrança de lateral ou escanteio não despertar indignação. Fica tudo por isso mesmo. É como se fosse parte do espetáculo.E o que dizer da parte disciplinar do jogo? Transformar a punição por cada cartão amarelo em uma simples multa de US$ 100,00 (R$ 200,00), como faz a Confederação Sul-Americana (Conmebol), é um atentado à inteligência. Seu efeito é exatamente o oposto do desejado. Ao invés de advertir, educar e reprimir o antijogo, esse tipo de penalidade faz com que os jogadores, técnicos e dirigentes tratem a punição com chacota. Tal valor, nesse contexto, é dinheiro de pinga.Diante de tantos problemas, nos deparamos com reflexão interessante. Por que uma competição com tamanhas dificuldades estruturais e disputada por equipes, em sua maioria, medianas desperta tanto fascínio, especialmente entre nós, brasileiros, como identificamos no clássico Santos x Corinthians, pelas semifinais deste ano?A busca pela resposta nos remete a uma questão curiosa. Ao mesmo tempo em que o futebol brasileiro é historicamente reconhecido no cenário internacional pelos feitos da seleção brasileira, os clubes daqui são solenemente ignorados pelo "Primeiro Mundo" da bola - entenda-se os principais centros europeus: Inglaterra, Espanha, Itália, Alemanha e França.Acreditem, só gente ligada diretamente ao futebol, casos de empresários, jornalistas e dirigentes, têm informações mais detalhadas sobre os clubes e jogadores daqui. O torcedor comum e a mídia de modo geral simplesmente ignoram o que se passa abaixo da linha do Equador. Sabem que existe Neymar, mas muitos seriam incapazes de dizer em qual clube o craque joga ou reconhecê-lo na rua. Libertadores? Talvez na página do placar geral você consiga alguma infomação sobre o resultado de ontem. Vencer a Libertadores e, consequentemente, estar no Mundial de Clubes representa mais do que uma peça na sala de troféus, a premiação em dinheiro ou a oportunidade de enfrentar o representante da - ainda - parte rica do mundo da bola.Vencer a Libertadores e estar no Mundial representa a oportunidade de mostrar para o resto do planeta que o futebol brasileiro é muito maior em tradição, vibração e personagens do que aquilo que está resumido na história da seleção. O futebol brasileiro não é apenas verde e amarelo. É também alvinegro, alviverde, alvirubro, rubro-negro, tricolor, azul...Ah, não nos esqueçamos que tirar um sarro dos adversários também não tem preço.
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