Ao levantar o troféu de duplas mistas no Aberto da Austrália, no mês passado, Rafael Matos não obteve apenas o maior feito de sua carreira até agora. O tenista brasileiro também superou o nervosismo antes da importante final e a timidez, encarada de frente diante do maior assédio dos fãs e da imprensa, algo novo em sua trajetória profissional.
Matos fez história para o tênis brasileiro ao conquistar o primeiro título do Brasil num Grand Slam na chave de duplas mistas. O Brasil já tinha troféus deste tipo, mas nunca com uma parceria totalmente nacional. Em Melbourne, o tenista de 27 anos se sagrou campeão ao lado de Luisa Stefani, medalhista olímpica nos Jogos de Tóquio, em 2021.
Em entrevista ao Estadão, o atleta gaúcho admitiu que não esperava chegar ao seu primeiro título de Grand Slam tão cedo. “Ser campeão de Grand Slam estava nas minhas metas, mas não esperava que fosse tão rápido”, reconheceu o tenista. Para se ter noção do salto dado pelo brasileiro, vale lembrar que ele nunca havia disputado uma final de Masters 1000, nível de torneio só abaixo dos Grand Slams.
E o título de Major veio logo em sua primeira final. Não por acaso, Matos sofreu com o nervosismo nas horas que antecederam a final. “A noite anterior foi normal, apesar de ser a partida mais importante da minha vida. Mas logo que acordei, peguei o celular e li as notícias sobre o jogo. Fui ficando bem nervoso. Com a rotina de aquecimento, ajudou a dar uma acalmada. Mas, quando faltava meia hora para o jogo, bateu o nervosismo de novo.”
Matos precisou do reforço moral dos treinadores para que o nervosismo não prejudicasse todo o preparo físico para o grande confronto com os experientes indianos Rohan Bopanna e Sania Mirza. Primeiro foi a vez de Luiz Peniza, que estava por perto. “Batemos um papo e botei tudo para fora. Não gosto de guardar só para mim. Prefiro pedir ajuda para quem está comigo. Ele lembrou de tudo o que passei para chegar até aquele jogo e falou umas ‘bobagens’ para eu dar uma relaxada”, lembra o duplista, entre risos.
O nervosismo, contudo, não foi embora. A solução foi ligar para Franco Ferreiro, ex-tenista brasileiro, que é o seu técnico mais próximo. “Com o jeitão dele, ele perguntou se eu estava ‘cagado’ mesmo. Brincou comigo. Mas também falou algumas coisas mais sérias. Eu estava tão nervoso que hoje não consigo lembrar o que ele disse exatamente”, diz Matos.
Superado o nervosismo, Matos brilhou em quadra ao lado de Stefani. Com o troféu em mãos, novos desafios surgiram. Logo estava o brasileiro enfrentando a timidez, com o microfone nas mãos para agradecer familiares, treinadores e torcida pelo apoio. “Me considero uma pessoa mais tímida. Não sou muito de falar, sou mais de escutar, de observar e prestar atenção.”
A personalidade do tenista, de longos cabelos loiros e olhos azuis, seria testada nos dias seguintes, diante do assédio dos fãs nas redes sociais. “Os primeiros dias foram bem agitados. As redes estavam cheias de coisas. Não conseguia acompanhar”, lembra Matos. A fama, causada pelo sucesso no Aberto da Austrália, já pôde ser testada uma semana depois. No duelo entre Brasil e China, pela Copa Davis, o duplista foi um dos mais exaltados pela torcida presente no Costão do Santinho, em Florianópolis.
ESPECIALISTA PRECOCE
Matos segue os passes de grandes duplistas do Brasil, como André Sá, Bruno Soares e Marcelo Melo, este ainda na ativa. Mas o gaúcho, nascido em Porto Alegre, destoa do grupo por optar por se tornar especialista em duplas sem se arriscar nas chaves de simples dos torneios.
“Faz três anos que estou jogando só dupla. Foi uma decisão pensada para poder jogar os torneios maiores”, diz ao Estadão. “Comecei a ter ranking para jogar duplas nos Challengers e precisei decidir entre estes torneios e os Future, para jogar em simples. Como queria sempre jogar os torneios grandes, foi uma decisão definitiva. Acredito que nestas competições eu sou mais exigido e aí posso evoluir mais.”
Matos garante não se arrepender da decisão. “Vem dando certo. Obtive alguns resultados até relativamente rápido”, afirma o brasileiro, dono de seis títulos em torneios da ATP, além de três vice-campeonatos. Nas duplas masculinas, ele costuma jogar com o espanhol David Vega Hernández.
Para os especialistas, Matos tem os recursos necessários para seguir brilhando nas duplas. “O jogo de dupla exige bastante na questão da habilidade, do raciocínio rápido. Ajuda muito se a pessoa tem uma inteligência e boa leitura para o jogo. Isso ajuda bastante. É jogo de reflexo, não tem muito tempo para pensar. O duplista precisa decidir rápido porque o espaço é menor para jogar. E isso combina muito com o Rafael”, avalia Fernando Roese, ex-capitão do Brasil na Fed Cup, atual Billie Jean King Cup, e comentarista dos canais ESPN. “Ele tem talento, tem muita ‘mão’ e um poder de decisão rápido.”
O tenista gaúcho reconhece que sua “visão de jogo” tem ajudado em seu desenvolvimento nas duplas. “Tecnicamente, simples ou duplas é o mesmo esporte. Mas, taticamente, acaba sendo bem diferente. O que me ajuda nas duplas é a visão de jogo. Consigo pensar o que vou fazer duas ou três bolas para a frente.”
OLIMPÍADA DE PARIS
O sucesso com Luisa Stefani na Austrália motiva os dois tenistas a manterem a dupla mista para os demais Grand Slams da temporada. O próximo desafio é Roland Garros, torneio favorito de Matos, em maio. Mas a perspectiva é de longo prazo. E o grande objetivo da dupla agora é a Olimpíada de Paris, que também conta com chave de duplas mistas.
“Com certeza, faz parte dos nossos planos. A Olimpíada é o ponto máximo de qualquer esporte. Seria bem legal se conseguíssemos essa classificação para podermos jogar juntos lá”, diz Matos.
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