Não é sempre que o Brasil tem tenistas se destacando no circuito profissional. No mundo dos juvenis, o sucesso deles pode até ser menor. Menos provável ainda é ver um brasileiro ou brasileira brilhando na fase anterior, entre a infância e adolescência. E é justamente por isso que Victoria Barros vem chamando a atenção nos últimos meses. A tenista potiguar, de apenas 13 anos, já desponta como grande promessa do tênis nacional. E vem contando com apoio de peso, do ex-técnico de Serena Williams ao bilionário e ex-tenista brasileiro Jorge Paulo Lemann.
A atual temporada da jovem brasileira tem tudo para marcar um divisor de águas em sua ainda curta carreira. Em janeiro, ela aceitou convite para treinar na academia de Patrick Mouratoglou, ex-treinador de Serena. Na academia localizada na cidade francesa de Nice, nova casa de Victoria, treinam atualmente dois Top 10 do circuito, o grego Stefanos Tsitsipas (6º do mundo) e o dinamarquês Holger Rune (5º).
A mudança para a Europa e os novos aprendizados na reconhecida academia já trazem frutos para a brasileira. Victoria começou a disputar neste ano os torneios de nível ITF (Federação Internacional de Tênis), que já conta com profissionais. Não raro ela precisa enfrentar rivais de 17 e 18 anos. E, com frequência, sai de quadra com o resultado positivo.
“No tênis, não importa a altura e a idade. Importa, sim, o jogo da pessoa. É por isso que eu não me intimido diante de tenistas mais velhas ou maiores que eu”, disse a tenista ao Estadão.
Até agora, Victoria disputou seis competições da ITF. Foi campeã em três, vice em um e semifinalista nos outros dois. De quebra, levantou um troféu em duplas. Também se destacou com conquistas no Tennis Europe Junior Tour, porta de entrada para adolescentes no Velho Continente. Na temporada passada, foi eleita a melhor estrangeira deste circuito. Atualmente é considerada uma das melhores do mundo em sua idade.
Para 2024, os torneios ITF serão a sua rotina. E uma das metas é entrar nas chaves juvenis dos Grand Slams, a começar por Roland Garros, agora perto de casa. De olho nestes objetivos, a jovem atleta já tem discurso de tenista profissional. “Eu sempre acredito no processo. Então, tudo no que eu trabalho, eu vou colher. Eu sempre acredito que posso fazer a diferença em todo torneio se eu tiver treinando bem e com confiança. Aí poderei fazer o meu melhor. Mesmo quando tenho um bom resultado, acredito que posso fazer melhor”, comentou.
COMEÇO DIFÍCIL
Victoria começou a jogar aos cinco anos, inspirada indiretamente pela mãe, Maria Luiza Barros. “Conheci o tênis com ajuda do beach tennis. Minha mãe jogava sempre e me levava junto. Ela sempre me orientou a praticar esportes. E, quando eu tinha cinco anos, levei a raquete dela para jogar na quadra de tênis”, lembra Victoria.
O primeiro torneio veio aos nove anos, no Clube Pinheiros, em São Paulo. Nesta época, a atleta já havia feito sua primeira mudança na vida, trocando Natal pela capital paulista. Foi neste período que Victoria, de família humilde, passou a contar com ajudas decisivas para o seu crescimento no esporte.
Em Barueri, na Grande São Paulo, a potiguar treinava no Instituto Tênis, idealizado por Jorge Paulo Lemann, ex-tenista que defendeu tanto o Brasil quanto a Suíça na Copa Davis. O bilionário vem sendo decisivo para a carreira de Victoria até hoje. “A ajuda do Jorge é pessoal, conversamos toda semana. É uma pessoa que nos ajuda há bastante tempo, não quer retorno nenhum, apenas a felicidade e a amizade. Está sempre com sorriso no rosto, nos colocando para cima, nos dando força”, diz a mãe de Victoria.
Ela conta que amigos de longa data e empresários entusiastas do tênis costumam ajudar a bancar os custos de viagem e até as aulas de inglês que ela faz para poder acompanhar a filha nos torneios. Há ainda poucos patrocínios e uma ajuda direta da fundação do próprio Patrick Mouratoglou.
“Estamos construindo (a carreira da Victoria), tudo é muito difícil, tudo se paga, nada é de graça. É mérito de trabalho e resultado”, afirma Maria Luiza. “E tem várias pessoas que também podem entrar no time, estamos de portas abertas para quem quiser nos ajudar.”
ROTINA DE PROFISSIONAL
No sul da França, Victoria já tem rotina de profissional. Treina na quadra em dois períodos, quatro horas no total. Faz treino físico de até duas horas por dia. E, se não estiver em competição, faz atividades também aos sábados. Os estudos são online, com atenção especial às aulas de inglês. “Tem dias que não tem como fazer tudo. Mas, nos dias mais tranquilos, consigo dar conta (dos treinos e aulas)”, conta a tenista.
A rotina pesada, contudo, não incomoda Victoria, conhecida pelo amor ao esporte. “Eu me apaixonei pelo tênis. Sempre gostei e me diverti jogando. E agora está sendo o meu trabalho”, diz a adolescente, que completará 14 anos em dezembro.
O desafio para sua mãe e para sua equipe é fazer a jovem tenista reduzir o ritmo. “Pela Vitória, ela não pararia de fazer esporte, até mesmo no tempo livre. O pessoal da equipe até me chama a atenção: ‘Poxa, Maria Luiza, a Victoria vai se machucar. E o que o Patrick vai dizer?’ Preciso explicar que ela gosta de jogar futebol e ping pong. A equipe da academia diz que ela só deveria dormir nos finais de semana”, diz Maria Luiza, entre risos.
A disposição de treinar e jogar e o largo sorriso já se tornaram as marcas da adolescente. “Para mim, um diferencial enorme dela é que ela realmente ama tênis. Com a maioria das jogadoras, você precisa discutir para ir para a quadra. Com ela, tem que discutir para sair da quadra. Isso é muito bom”, disse ao Estadão Leo Azevedo, um dos treinadores mais experientes do Brasil e que já trabalhou com Victoria no Brasil.
POTENCIAL
Quando questionadas sobre metas e ambições para o futuro, tanto Victoria quanto sua mãe são cautelosas. E dizem não ter pressa. A postura é compartilhada por Azevedo, que treinou a adolescente entre 2021 e 2022.
“Vencer adversárias mais velhas é comum no circuito, nesta idade. Quando se tem 13 anos, faz parte jogar os torneios com tenistas de 18. O mais importante é que ela está entre as melhores do mundo na idade dela. E ela segue melhorando. A questão para qualquer tenista desta idade é sempre continuar melhorando”, disse Léo Azevedo, atual técnico da medalhista olímpica Luisa Stefani.
Na sua avaliação, o potencial de Victoria é inquestionável. E destaca o aspecto físico e a disposição da tenista em treinar sempre. “Fisicamente, ela é diferente. É rápida, flexível, coordenada. E já mostrou evolução desde a primeira vez que a vi, tanto no aspecto mais tenístico quanto no lado tático. E ficou mais forte”, enumerou.
Para o treinador, manter o crescimento será fundamental para acompanhar as rivais da mesma idade até o circuito profissional. “Ela tem muito potencial. O que ela vive agora é uma maratona. Tem 13 anos, tem que estar nos pelotões da frente para, quando chegar no momento do profissional, chegar bem. Acho que está muito bem posicionada nesta maratona no momento. Ela tem tudo para ser uma grandíssima jogadora.”
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