Roger Federer, recém-aposentado, estava de volta à Suíça na noite de segunda-feira depois de retornar de Londres, onde se despediu de sua carreira competitiva com uma última partida na Laver Cup. Ele fez dupla com seu amigo e rival Rafael Nadal pelo Time Europa, perdendo uma partida apertada para Frances Tiafoe e Jack Sock, do Time Mundo, que ganhou a Laver Cup pela primeira vez em cinco tentativas.
Mas a derrota foi bem menos importante que o adeus intenso e emocionante para Federer e aqueles que o cercam, inclusive sua mulher, Mirka, e seus quatro filhos, além de Nadal e outro rival, Novak Djokovic.
Federer, 41 anos, estabeleceu-se há muito tempo como um dos maiores jogadores da história do tênis. Depois de quebrar em 2009 o recorde masculino de 14 títulos de Grand Slam de Pete Sampras, ele escolheu jogar por mais 13 anos. Ganhou mais cinco Majors e aos 36 anos se tornou o mais velho número 1 masculino desde o advento do ranking ATP em 1973.
Sua saída marca o início do fim de uma era de ouro no tênis masculino, em que Nadal, Djokovic e Federer desenvolveram rivalidades grandiosas e duradouras, elevando um ao outro e seu esporte. Apesar de toda a sua longevidade e genialidade no tênis, Federer agora ocupa o terceiro lugar nos títulos de Grand Slam, atrás de Nadal com 22 e Djokovic com 21.
Entrevistei Federer pela primeira vez em fevereiro de 2001, em sua cidade natal, Basileia, na Suíça, quando ele ainda era jovem e não tinha vencido seu primeiro grande torneio. Na noite de segunda-feira, conversamos por telefone sobre esses 21 anos e seu adeus às competições. Esta entrevista foi editada e condensada para maior clareza.
Como você está se sentindo agora que acabou de verdade?
Acho que me sinto completo. Perdi minha última partida de simples. Perdi minha última partida de duplas. Perdi a voz de tanto gritar e apoiar a equipe. Perdi a última vez em equipe. Perdi o emprego, mas estou muito feliz. Estou bem. Estou bem mesmo. Essa é a parte irônica, todo mundo pensa em finais felizes de contos de fadas, sabe? E, para mim, na verdade acabou sendo isso, de uma forma que eu nunca pensei que fosse acontecer.
Rafa Nadal claramente fez um grande esforço para participar do evento na sexta-feira, devido à gravidez da mulher dele. O que significou para você, sabendo tudo o que você sabia, ele estar lá para o torneio de duplas com você?
Liguei para ele depois do U.S. Open - esperei que ele terminasse o torneio - só para informá-lo sobre minha aposentadoria. Eu só queria que ele soubesse antes que começasse a fazer planos sem a Laver Cup. Disse a ele no telefone que eu provavelmente estava 50-50 ou 60-40 para jogar duplas. E disse a ele: “Olha, vou mantê-lo informado. Você me conta como estão as coisas aí na sua casa. E vamos conversando”. Mas logo ficou claro quando ele me disse: “Vou fazer de tudo para estar lá com você”. E foi incrível para mim, obviamente. Mostrou mais uma vez quanto significamos um para o outro e quanto respeito temos um pelo outro. Acho que foi uma história linda e incrível para nós, para os esportes, para o tênis e talvez para além de tudo isso: podemos coexistir com uma rivalidade difícil e passar por cima - e ainda mostrar, ei, é só tênis. Sim, é difícil, e às vezes é brutal, mas é sempre justo. E você pode sair do outro lado e ainda ter essa grande rivalidade amigável. Acho que acabou ainda melhor do que jamais imaginei. Então foi um esforço incrível do Rafa, e obviamente nunca vou esquecer o que ele fez por mim em Londres.
Essas emoções cruas após a partida foram poderosas para muitas pessoas do mundo todo, principalmente as cenas com você e Rafa. Você acha que mudou a forma como as pessoas veem os atletas do sexo masculino?
Acho que sempre tive dificuldade de manter minhas emoções sob controle, ganhando ou perdendo. No começo ficava com raiva, triste e chorando. E logo depois já estava feliz chorando nas vitórias. Acho que na sexta-feira foi uma coisa diferente, para ser franco, porque acho que todos os caras - Andy (Murray), Novak e Rafa - viram suas carreiras passando na frente dos olhos, sabendo que todos nós já estamos fazendo hora extra há um tempo, de certa forma. À medida que você envelhece e passa dos trinta anos, começa a entender o que realmente importa na vida e também no esporte.
Você já viu a foto sua com o Rafa, sentados no banco e chorando de mãos dadas?
Vi, sim.
O que você sente ao ver essa imagem?
Bom, foi um momento rápido. Acho que, a certa altura, eu estava chorando tanto que nem sei, estava passando tudo pela cabeça, a felicidade de viver aquele momento ali com todo mundo. E acho que isso foi o mais bonito de estar lá, absorvendo tudo, com a música tocando, e o foco talvez estivesse mais nela (a cantora Ellie Goulding). Então, você meio que esquece que estão tirando foto. Acho que, naquele momento, só porque obviamente eu não conseguia falar nada e a música estava lá tocando, acho que só dei as mãos para ele, acho que talvez tenha sido uma forma de agradecimento em segredo. Não sei o que foi, mas acho que algumas fotos captaram isso. Espero conseguir essas fotos todas, porque significam muito para mim. Aquele momento em que você está falando com seus filhos, dizendo a eles que não estava chorando de tristeza. “Estou chorando porque estou feliz”. Acho que todo pai já passou por coisa parecida. Não sabia que as pessoas estavam conseguindo ouvir. Eles ficaram muito tristes quando eu disse que estava me aposentando, três deles choraram muito, porque acham que estou triste com tudo isso, mas realmente não estou. E, claro, um momento como este é muito poderoso na arena. Foi difícil não chorar, e não apenas para eles.
Você desidratou o mundo inteiro.
É, temos que recarregar as lágrimas.
Você disse: “Está na hora de parar. É o que estou sentindo”. Isso se baseou sobretudo no sentimento de que você simplesmente não consegue mais se mover do jeito que precisa para competir?
Em parte, sim. E a idade também, sejamos honestos. Tentei muito nos últimos anos, então tudo bem. Você sabe, está tudo bem. E você chega a um ponto em que, sabe como é?, quando fiz a cirurgia no ano passado, sabia que seria um longo caminho de volta. E provavelmente levaria um ano. Então, claro, no meu sonho, eu me vi jogando de novo, mas fui muito realista quanto ao retorno. Em primeiro lugar, fiz isso pela minha vida pessoal. Sabia que era a coisa certa a fazer: vamos consertar essa perna e tal. Para isso, tinha que fazer uma reabilitação adequada. Sabia que, se me aposentasse, não faria a reabilitação corretamente. E, se continuasse ativo e ainda fosse tenista profissional, sabia que faria tudo 100% certo. E ainda manteria as portas abertas para quem sabe voltar ao tênis de exibição pelo menos, Masters 250, Master 500 e 1000 se as coisas corressem super bem. E Grand Slams, você sabe, se ocorresse um milagre. Com o passar do tempo, eu comecei a sentir cada vez menos possibilidade, pois o joelho estava criando problemas para mim. E foi aí que eu finalmente disse: olha, tudo bem, eu aceito. Porque deixei tudo nas quadras. Não tenho mais nada a provar.
Você raramente deixou isso transparecer, mas que porcentagem de suas partidas você jogou ao longo dos anos com algum tipo de dor?
Acho que todos nós jogamos doentes e machucados. Sempre tive a impressão de que posso jogar com alguma dor, muita dor, como todos nós temos que fazer. Mas acho que sempre senti meu corpo muito bem. Sabia quando dava para encarar, quando tinha que ser cuidadoso. E sempre fui da opinião de que preferia descansar: me dar uma semana a mais, um dia a mais, uma hora a mais, um mês a mais. E ter calma, voltar a treinar e depois voltar forte. É por isso que tentei evitar qualquer tipo de injeção e cirurgia por muito tempo, até ser obrigado a fazer uma operação em 2016.
Sei que você estava brincando com seus companheiros de equipe em Londres sobre sua falta de mobilidade, mas você está confiante agora, depois de jogar duplas, que seu corpo permitirá que você jogue tênis de exibição?
Tenho que voltar para o zero agora e, depois desse fim de semana incrível, vou ver o que fazer daqui para frente. Acho que seria lindo fazer um jogo de exibição de despedida, sabe, agradecer aos torcedores, porque obviamente a Laver Cup já estava esgotada antes de eu decidir me aposentar. Muitas pessoas adorariam mais ingressos e não conseguiram, então acho que talvez fosse bom fazer mais uma ou várias apresentações de despedida, mas não sei se posso ou devo fazer isso agora. Mas, obviamente, adoraria jogar partidas de exibição na estrada, levar o tênis para novos lugares ou levá-lo de volta a lugares divertidos onde eu me diverti muito.
Agora que está saindo de cena, você vê alguém por aí que joga como você?
Por enquanto, não. Obviamente, teria que ser um cara com um backhand de uma mão só. Mas ninguém precisa jogar como eu, claro. As pessoas também achavam que eu ia jogar como Pete Sampras, e não joguei. Acho que todo mundo precisa encontrar sua própria versão de si mesmo. E não ser um imitador. Mas desejo que todos se encontrem, vai ser ótimo para o tênis. Tenho certeza de que sempre serei o fã número 1 do esporte. E vou acompanhar, às vezes nas arquibancadas, às vezes na TV, mas é claro, espero que apareça muita gente que jogue no ataque, que tenha talento. Mas vou sentar e relaxar e assistir ao jogo de um ângulo diferente.
Enquanto isso, seus rivais continuam jogando. Você disse que era importante se aposentar primeiro, pois você é o mais velho. Você estava preocupado que Rafa passasse na sua frente nesta primavera, quando ele estava pensando em se aposentar por causa de problemas nos pés?
Eu também levei um susto com Murray. Eu me lembro vividamente de quando o vi no vestiário na Austrália em 2019 após sua partida contra o Bautista (referindo-se a Roberto Bautista Agut). Lembro que ele disse: “Acho que acabou para mim”. Nos pediram para fazer vídeos de despedida. Cheguei para ele e perguntei: “Está falando sério?” E me lembro da resposta dele: “Bom, com esse quadril, não dá mais para jogar”. Então, ele sabia que estava numa enorme encruzilhada da vida. Mas, sim, estou feliz de sair primeiro. É por isso que foi bom. E espero que todos possam jogar o maior tempo possível e espremer o limão até o fim. Desejo o melhor para eles, de verdade.
Este artigo foi originalmente publicado no New York Times. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU
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