Por que o tênis brasileiro cresceu tanto na última década?

Surgimento de atletas como Bia Haddad e João Fonseca aumentam popularidade, mas principal ponto de virada é aumento nos investimentos; presidente da CBT afirma que esporte passou por ‘revolução institucional’

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Foto do author Geovanna  Hora
Atualização:

O ano de 2023 foi um dos melhores da história do tênis brasileiro, com Bia Haddad no top 10 mundial e na semifinal de Roland Garros, João Fonseca, de apenas 17 anos, como número um do mundo entre os mais jovens, e Luisa Stefani se estabelecendo como referência na disputa em duplas. A expectativa é que esse trabalho seja coroado com uma campanha histórica na Olimpíada de Paris 2024, mas o que explica o crescimento da modalidade no País?

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O presidente da Confederação Brasileira de Tênis (CBT), Rafael Westrupp, aponta que um dos principais motivos para a evolução positiva é o aumento nos investimentos. Ele explica que após os Jogos Olímpicos do Rio 2016, o esporte passou por dificuldades devido a saída repentina dos investidores, mas a situação começou a mudar em 2020 com a chegada de novos patrocinadores.

Atualmente, a entidade conta com sete patrocínios fixos, com valor de quase R$13 milhões, além de investimentos do Comitê Olímpico do Brasil (COB) e do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB) e verbas próprias, que somam ao todo cerca de R$35 milhões. Westrupp afirma que essa quantia representa um crescimento de quase 400% em comparação com os recursos disponíveis em 2017.

O ex-tenista Fernando Meligeni, que chegou a disputar as semifinais da Olimpíada de Atlanta 1996, comenta que o apoio financeiro é essencial para garantir que bons atletas tenham a oportunidade de competir profissionalmente. Ele lembra que chegou a liderar o ranking mundial juvenil em 1989, mas não recebeu nenhum incentivo, enquanto Fonseca, ao atingir essa posição, conseguiu convites para competições internacionais, como o ATP 500 de Halle, na Alemanha, um dos campeonatos preparatórios para Wimbledon.

João Fonseca levantou a torcida das arquibancadas durante o Rio Open. Foto: Divulgação/ATP

“Se não tiver suporte das entidades ou dos patrocinadores, os jogadores vão depender totalmente da família. E assim você afasta quem não tem dinheiro. Eu dependi da minha família, então falo com muita tranquilidade”, declara Meligeni.

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“Não só o Gustavo Kuerten [Guga], mas toda a geração contemporânea dele, bem como os antecessores imediatos, são frutos meramente dos seus esforços pessoais e familiares. A estruturação do tênis brasileiro foi um processo longo, que só começou há duas décadas”, completa Westrupp.

Bia Haddad é um exemplo de sucesso

Um exemplo do avanço nos investimentos é Bia Haddad, atual número 20 no ranking simples da WTA (Associação de Tênis Feminino). Filha de uma instrutora de tênis, a paulistana passou por complicações financeiras em 2020, quando enfrentou uma suspensão de 10 meses por doping. Ela provou que era inocente e que o seu caso se tratava de uma contaminação cruzada na manipulação de vitaminas na farmácia, mas ainda ficou mais três meses longe das quadras em razão da pandemia de coronavírus. Nesse período, a tenista perdeu não só o dinheiro das premiações, mas também as verbas de patrocinadores.

Quatro anos depois, a situação é bem diferente. Nos últimos seis meses, ela já fechou pelo menos cinco novos patrocínios, além de ter renovado com outras duas marcas. Entre as empresas que investem em Bia, estão o Itaú Personnalité, Engie, Prudential, Asics, Bauducco, Chevrolet e Tiffany. Ela também é treinada por Rafael Paciaroni graças a uma parceria com o Instituto Rede Tênis Brasil (IRTB).

O principal reflexo desse suporte são os resultados. A paulistana foi a primeira brasileira na Era Aberta - que começou em 1968 - a figurar entre as dez melhores no ranking da WTA em simples, em 2023. Ela também foi a segunda tenista do Brasil a alcançar o top-10 de duplas, seguindo os passos de Luisa Stefani, que conquistou o feito em 2021.

Bia foi a primeira brasileira a chegar nas semifinais de Roland Garros desde Maria Esther Bueno, maior tenista da história do Brasil, que ganhou 19 títulos de Grand Slam entre os anos 1950 e 1970. Ainda em 2023, ela foi campeã do WTA Elite Trophy, na China, o maior título da sua carreira. As conquistas se transformaram em dinheiro e a jovem já soma mais de R$25 milhões em premiações.

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Crescimento do tênis feminino trouxe feitos inéditos

Para Meligeni, a história de Bia exemplifica não só o retorno do aumento nos investimentos, mas também outra mudança importante: a valorização do tênis feminino brasileiro, que vive sua melhor fase desde Maria Esther. Além de patrocinadores, ele aponta que as entidades passaram a enxergar a modalidade com mais respeito e entenderam a necessidade de um planejamento.

“Não é uma conta exata, mas se as instituições fazem um bom trabalho, as chances de vencer são maiores. Se fizerem um trabalho ruim, os atletas não conseguem nem disputar. Nos últimos anos, não surgiram novas tenistas, o que mudou foram as oportunidades que deram para as meninas, o que já trouxe resultado”, analisa o ex-jogador.

Em Paris, o Brasil deve ter o maior número de representantes no tênis feminino da sua história. Bia e Laura Pigossi já estão confirmadas na atual edição, mas ainda devem contar com o reforço de Luisa Stefani, a mais cotada para disputar a categoria em duplas ao lado de Bia. A lista oficial sai no dia 2 de julho.

Luisa Stefani e Laura Pigossi conquistaram a medalha de bronze na Olimpíada de Tóquio 2020.  Foto: Tiago Queiroz / Estadão

A primeira a defender o verde, amarelo e azul nas Olimpíadas foi Gisele Miró, em Seul 1988. Depois, o País teve duas atletas em cada edição - exceto em Atenas 2004 e Pequim 2008, quando nenhuma brasileira se classificou para o tênis simples ou em duplas. A primeira medalha olímpica da história da modalidade no Brasil, entre homens e mulheres, veio nos Jogos Olímpicos de Tóquio 2020, com o bronze de Laura e Luisa.

A dupla também ganhou a medalha de ouro nos Jogos Pan-Americanos de Santiago 2023. No simples, Laura garantiu o primeiro lugar para o Brasil, algo que não acontecia há 36 anos, quando Gisele foi a melhor da categoria na edição de Indianápolis 1987. Já Luisa conquistou a medalha de prata em duplas mistas ao lado de Marcelo Demoliner. Atualmente na 13ª posição no ranking de duplas, ela já chegou a ser a número 9 do mundo em novembro de 2021.

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Outros dois nomes que se destacam no cenário nacional são o de Ingrid Martins e Carol Meligeni - que é sobrinha do semifinalista de Atlanta 1996 e irmã de Felipe Meligeni, tenista que disputou o seu primeiro Roland Garros em 2024. Ingrid é a atual número 60 no ranking em duplas, já chegou ao top 50 mundial ao figurar na 47ª posição e foi campeã em dupla do WTA 500 de Bad Homburg, na Alemanha, em 2023, com a bielorrussa Lidziya Marozava. Já Carol é a número 390 em duplas, tem como melhor colocação a 110ª posição e foi campeã do ITA W25 de Platja D´Aro, na Espanha.

Westrupp afirma que tênis passou por “revolução institucional”

Com mais dinheiro no caixa, a CBT passou a investir na formação de alto rendimento dos atletas da base, com idade entre 9 e 18 anos. A instituição afirma que os repasses para a categoria superam os R$15 milhões por ano, divididos entre gastos com calendário, patrocínio, apoio logístico, capacitação de profissionais e treinamentos. Nos últimos 20 anos, a entidade formou mais de 10 mil professores.

“A partir do início de 2005, houve de fato uma revolução institucional no tênis, com a reorganização da CBT, uma mudança cultural e investimentos diretos em todas as áreas, principalmente nos atletas”, aponta Westrupp.

O calendário do tênis brasileiro também passou por transformações e apresenta em 2024 a sua versão mais robusta, com a possibilidade de receber até 50 eventos. A premiação será a maior da história, com valor total estimado entre R$6,25 milhões e R$8,15 milhões. Entre as competições, está o ATP do Rio de Janeiro, apelidado de Rio Open, o maior torneio de tênis da América do Sul.

A edição de 2024 foi realizada em fevereiro, no Jockey Club Brasileiro. O destaque ficou com o gaúcho Rafael Matos, primeiro brasileiro a ganhar a competição em seus dez anos de história, ao lado do colombiano Nicolás Barrientos. João Fonseca marcou presença no simples e se tornou o brasileiro mais jovem desde Guga a ir às quartas de final de uma competição de nível ATP. Ele caiu para o argentino Mariano Navone e não chegou as semis, assim como Thiago Monteiro e Thiago Wild - que já estão confirmados na Olimpíada de Paris 2024.

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Além da conquista nas quadras, o torneio também foi marcado por um recorde de público, com 65 mil pessoas ao longo dos nove dias. A organização estima que 40% dos espectadores eram de fora do Estado do Rio de Janeiro, o que impulsionou o impacto econômico do evento, que ficou na casa dos R$150 milhões.

“Os torneios da ATP sempre atraem muito interesse dos apaixonados por tênis. O Rio Open, por ser o maior torneio da América do Sul, tem um apelo ainda maior. Para mim, o crescimento da participação do público brasileiro nas últimas edições é a maior prova do crescimento do esporte nos últimos anos”, analisa Westrupp.

Meligeni aponta que o aumento da popularidade é acompanhado de mais espaço na grade dos canais esportivos. “Há 15 anos, poucos jogos eram transmitidos, mas atualmente todos os torneios estão no ar, tanto em televisão por assinatura quanto em streaming. Hoje em dia, se você gostar de tênis, tem tênis quase todo dia na sua tela”, comenta.

Westrupp é otimista ao falar dos próximos passos. “Nossos planos passam por tudo o que fizemos no passado e no presente. Acredito que as órbitas se alinharam, com uma CBT fortalecida e qualidade do material humano técnico. O futuro é ainda mais promissor”, conclui.

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