Mais nova estrela do esporte nacional, João Fonseca se destaca pela precocidade no tênis desde a infância. Desde as primeiras rebatidas na bolinha, o carioca chamava a atenção de professores e gestores do Rio de Janeiro Country Club, onde foi descoberto. O talento, contudo, precisava ser lapidado, com “muito profissionalismo”. Não é exagero dizer que Fonseca foi moldado para o sucesso desde seu início nas quadras de saibro do tradicional clube carioca, que já revelou lendas do tênis nacional.
“Sempre vimos um enorme potencial nele. Já víamos a coragem dele, a mesma que o fez ganhar de quatro argentinos na Argentina, no título em Buenos Aires. Ele não tem medo, vai para a bola. É algo dele, ninguém precisou ensinar”, diz Bruno Bonjean, responsável pelo projeto que revelou Fonseca.

O jovem carioca pegou numa raquete pela primeira vez aos quatro anos. O palco das suas primeiras rebatidas foi o Country Club, localizado de frente para o mar e para a famosa Avenida Vieira Souto, em Ipanema. Fonseca mora ao lado do clube. Não por acaso seus pais se tornaram sócios do local.
Christiano Fonseca Filho e Roberta Fonseca, os pais de João, sempre praticaram esportes e incentivaram o filho a conhecer muitas modalidades. O jovem carioca jogou futebol, praticou escalada, surfou entre outros esportes. Seus dois irmãos, ambos mais velhos, também jogavam tênis, o que serviu de maior estímulo.
No Country Club, Fonseca recebeu as primeiras orientações do técnico chileno Juan Pablo Etchecoin. Como o universo do clube era limitado em termos de rivais, uma vez que só jogavam os sócios, o treinador passou a comandar treinos também no Clube Monte Líbano, onde a então promessa podia enfrentar diferentes adversários.
A evolução de Fonseca se acelerou a partir de 2016, quando tinha apenas nove anos e Bruno Bonjean, um dos sócios do Country Club, decidiu montar um projeto de tênis. Ex-tenista, ele fez carreira no mercado financeiro em São Paulo e, de volta ao Rio, começou a patrocinar jovens tenistas.

“Quando eu patrocinava, eu não tinha nenhuma ingerência na formação do atleta. Então decidi fazer de um jeito diferente. Decidi formar um tenista desde pequeno, começar do zero e investir o meu tempo nisso. E aí fui convidado para ser o diretor de esportes do clube”, conta Bonjean, em entrevista ao Estadão. “Assim, por mais lento que fosse o processo, eu poderia fazer do meu jeito.”
Ele, então, começou a montar uma equipe de treinamento no clube. “E o João foi o primeiro garoto, foi o pioneiro do projeto”, destaca. Na época, o pai de Fonseca era diretor financeiro do Country Club. E Bonjean não teve dificuldades para contar com a confiança do colega, também do mercado financeiro.
A primeira decisão sobre a equipe foi a contratação de um novo “head coach”, Guilherme Teixeira. A partir daí, Fonseca e Teixeira se aproximaram cada vez mais e iniciaram uma parceria de sucesso. Foi nas quadras do próprio clube que o jovem tenista conquistou seus primeiros pontos tanto no ranking da Federação Internacional de Tênis (ITF), em 2019, quanto no da Associação dos Tenistas Profissionais (ATP), em 2022.
“Sempre tratamos o João com muito profissionalismo. Quando ele tinha 11 anos, tentávamos fazer com que as rotinas dele já replicassem aquilo que já se espera dele hoje. Claro que não fazíamos isso com perfeição. Em termos de calendário, por exemplo, colocávamos ele para jogar nos EUA e na Europa. Não queríamos que jogasse apenas no Brasil. E também queríamos que jogasse em quadra dura para enfrentar esses desafios”, diz Bonjean.

Fonseca, então, começou a jogar competições fora do Brasil quando tinha entre 12 a 13 anos. A experiência mais próxima dos grandes torneios era uma forma de moldar o atleta para o futuro, já vislumbrando o sucesso que Fonseca faria no juvenil (foi campeão do US Open e número 1 do mundo) e no início da trajetória no circuito da ATP.
O profissionalismo precoce de Fonseca foi percebido desde o início pelas equipes que representam o Brasil em torneios sul-americanos e divisões de base da Copa Davis. “Desde o primeiro momento em que o vi, já percebi que ele era diferente em comparação aos outros meninos da mesma idade. Muito mais maduro, muito educado e mais profissional nas rotinas que precisava fazer antes dos jogos”, diz Rodrigo Ferreiro, capitão do Brasil na Copa Davis Júnior, ao Estadão.
Ferreiro comandou Fonseca e equipe na inédita conquista do Brasil na Davis Jr. de 2022. “Ele assimilava rápido tudo o que eu passava de orientação. E, dentro de quadra, era o que vimos nestes dias. Apenas um pouquinho mais cru, ainda não lapidado. Mas as características dele - essa agressividade, essa coragem, sem duvidar dele - já estavam todas ali.”
ESTILO LAPIDADO
Aos poucos, o tênis de Fonseca crescia a partir das iniciativas do Country Clube. Bonjean trouxe torneios importantes para o local, como competições de nível ITF 25 mil, a então Maria Esther Bueno Cup (hoje batizada de Procopio Cup), e o Roland Garros Series, que dá vaga para a chave juvenil do Grand Slam francês - Fonseca acumulou conquistas em quase todos.
Ao mesmo tempo, trazia tenistas mais experientes para bater bola, como Thiago Monteiro e Fabiano de Paula. Em 2019, o projeto contratou o ex-duplista André Sá para orientar a equipe como consultor dos treinadores. “Era para a equipe ganhar experiência rapidamente e cortar caminho”, explica Bonjean. Além disso, o jovem carioca fez intercâmbios em academias de peso, como a do espanhol Rafael Nadal, na Europa.
O projeto logo cresceu e precisou sair do clube. Foi acolhido pelo Itanhangá Golf Club e ganhou o nome de Yes Tennis, academia onde Fonseca treina até hoje. Um dos cabeças da equipe quase desde o início, o ex-tenista Victor Sakamoto viu de perto a evolução do carioca.

“Eu viajava para vários torneios com ele. Foi muito legal ver esse processo de crescimento dele, na adolescência. O João sempre foi o que ele é agora: simpático, muito educado e brincalhão. Era o tipo de adolescente que exigia energia”, lembra Sakamoto, entre risadas.
Na época, Fonseca tinha quase 13 anos e, entre um torneio e outro, ficou marcado pelo estilo ofensivo dentro de quadra. “Ele nunca reclamava do torneio, da bolinha, da quadra. Mas precisava ser lapidado. Ele fazia um jogo que eu chamava de “inconsequente”: ele dava na bola com toda a força a qualquer custo. E amava ganhar. Tinha jogo que podia ganhar fazendo menos, mas sempre tentava algo a mais. Nesta época, era um dos melhores do Brasil, mas perdia muitas partidas, a maioria, porque arriscava demais nas bolas”, conta Sakamoto.
A situação não chegou a virar um problema. “Nossa sacada na época foi deixar ele jogar solto, como queria, para fazermos os ajustes lá na frente, aos poucos. Era a orientação do Guilherme Teixeira”, explica Sakamoto. “Hoje a gente vê que a estratégia deu certo.”
A DURA ROTINA DE TENISTA
Considerado maduro para sua idade, Fonseca cresceu dentro e fora de quadra com ajuda de sua equipe, liderada por Teixeira. “O João vem de família que tem boas condições. Então queríamos mostrar a ele também o lado duro da vida. Colocar essa casca nele”, diz Bonjean.
“Falo de coisas pequenas. Por exemplo: estão viajando só o técnico e o João? Então o João precisa arrumar a sua cama. Tem que acordar cedo e fazer o café da manhã. Precisa lavar a roupa porque ela não se lava sozinha, não. São coisas que surpreendia o João no começo. Mas o Guilherme era sempre o primeiro a fazer tudo isso e liderava pelo exemplo. E o João seguia, naturalmente. Hoje na Yes Tennis, acabou o treino, o João ajuda a arrumar a quadra.”

PESO HISTÓRICO DO CLUBE
A descoberta de Fonseca pelo Country Club também tem um lado simbólico. O local, acostumado a receber parte da elite carioca, décadas antes revelou outros talentos do tênis, como Ronald Barnes e Jorge Paulo Lemann.
Barnes, que faleceu em 2002 aos 61 anos, foi um dos desbravadores do tênis brasileiro na década de 60, contemporâneo da lenda Maria Esther Bueno. Antes de Gustavo Kuerten, ele havia sido o primeiro a alcançar uma semifinal de Grand Slam no tênis masculino, no US Open, em 1963. O filho de ingleses foi ainda bicampeão pan-americano e liderou o Brasil na Copa Davis, vencendo lendas como Rod Laver e Roy Emerson.
Lemann, por sua vez, se destacou entre os anos 60 e 70. Chegou a defender tanto o time da Suíça quanto o Brasil na Copa Davis. No entanto, ficou mais famoso como empresário e investidor, se tornando um dos homens mais ricos do País.
Tanto Barnes quanto Lemann batizam quadras do complexo do Country Club. “Já estou batalhando para fazer o mesmo com o João Fonseca aqui”, revelou Bonjean.