O brasileiro Gabriel Medina pode conquistar o título mundial de surfe nos próximos dias em Portugal e, se fizer isso, terá dado uma grande ajuda para o esporte se globalizar ainda mais. A conquista seria a primeira de um latino-americano na modalidade dominada principalmente por australianos e americanos.
Para Renato Hickel, diretor da Associação dos Surfistas Profissionais (ASP), o melhor seria ele superar Kelly Slater no Moche Rip Curl Pro Portugal, que ontem foi adiado mais uma vez, mas deve voltar a ter baterias a partir de hoje para terminar até quinta-feira. "Eu diria hoje que, para a ASP e para o surfe como um todo, é mais interessante o Gabriel ser campeão do que o Kelly ganhar o 12.º título. Eu acho que vai ter mais repercussão mundialmente, e digo isso sem vestir a camisa", explica.
A intenção do dirigente é tornar o esporte mais popular em todas as regiões do planeta. "Queremos ter surfistas japoneses, mais europeus, costa-riquenhos, na América do Sul e Ásia, para que um garoto veja que o Gabriel conseguiu e pense que pode conseguir também. O título dele vai ser muito benéfico."
A modalidade já teve altos e baixos, como qualquer outro esporte, mas nas últimas décadas passou a ter premiações maiores para os atletas. "Só para se ter um parâmetro, há 25 anos a premiação total de um evento da elite era de US$ 20 a 30 mil. Hoje é de US$ 500 mil. A gente ainda tem muito que galgar para alcançar o nível do tênis e do golfe, mas nesse período aumentou incrivelmente."
Ele explica que esse aumento é decorrência também da explosão da moda do surfe e da modalidade transbordando as barreiras esportivas e se colocando também como estilo de vida. "Muita gente que não surfa quer copiar. Isso é a força do esporte, que tem apelo e plasticidade únicos."
Um dos exemplos que Hickel comenta é o último lançamento da grife Chanel, que colocou Gisele Bündchen com uma prancha de surfe em sua campanha. "É uma empresa top de moda, que não tem nada a ver com surfe, mas usou a imagem do esporte. Se for na Santa Monica Boulevard, um dos lugares mais chiques da Califórnia e mais caros de se ter um ponto, tem uma loja da Louis Vuitton com três pranchas de surfe na vitrine. A gente pode ser até ingênuo de não conseguir quantificar a potência desse esporte."
APOSTA
Algumas empresas logo perceberam o potencial do surfe. A IMX Talent, por exemplo, viu isso em Gabriel Medina e acertou com o atleta para fazer planejamento de carreira e gestão de imagem. Ele foi o primeiro atleta do grupo, antes mesmo de Neymar, Zico, Thiago Silva e o piloto Felipe Nasr.
Segundo César Villares, vice-presidente de talentos da IMX, ideia é buscar grandes marcas, líderes do segmento e com contratos de longo prazo. Medina já conseguiu patrocínio da Gillette, Mitsubishi, Oakley, Oi e Guaraná Antártica, entre outras. "Procurávamos alguém com perfil de fenômeno global. Acho que no momento ele só está atrás do Neymar em termos de valorização", comenta.
Ao contratar Medina, a intenção foi também mostrar que o surfista é um atleta, que acorda cedo e tem vida regrada para ser um expoente mundial. Claro que com a fama do garoto e a chance de ser campeão do mundo estão atraindo outras empresas, mas a ideia é selecionar bem quem pode colocar sua marca ao lado dele.
A Oi, por exemplo, acabou de fechar contrato com o surfista. "É inegável a performance dele como atleta. Acho que no próximo ano será o grande esportista do Brasil, não só do surfe. Nós estamos lançando um produto que é para o público jovem e ele será o embaixador desse plano", diz Bruno Cremona, gerente de patrocínio e evento da Oi.
DINHEIRO
Os valores no surfe são geralmente mantidos em sigilo, mas estima-se que um surfista de ponta possa ganhar entre US$ 500 mil a US$ 1 milhão de um patrocinador master, aquele que coloca sua marca no bico da prancha. O havaiano John John Florence, por exemplo, recebe US$ 4 milhões por ano da Hurley, mas há quem duvide dessas cifras.
Há nove anos na elite, Adriano de Souza, o Mineirinho, foi pioneiro em buscar uma boa estrutura, nos moldes do que já era feito com surfistas de outros países. "Eu era muito novo e já tinha resultados expressivos. Levei isso para as empresas, fiz muitas reuniões e deu certo", afirma o atleta, que possui nove patrocínios.
De qualquer forma, os valores estão cada vez maiores no surfe, mesmo com a crise que afeta as grandes marcas. Com isso, empresas de outras áreas estão entrando com força nesse segmento. A Samsung, por exemplo, comprou os "naming rights" do Circuito Mundial por valores não revelados. Outras empresas, como Sony e Panasonic, investem em atletas.
"Junto com essa explosão do esporte e atração vem as empresas que não são do meio do surfe, como agora no caso a Samsung, que é uma empresa que se identifica com o meio jovem e vê no surfe como alavanca ideal para vender seus produtos. Obviamente que os governos veem um apelo incrível no meio jovem, pois o esporte atrai a massa, o turismo, e com isso gera empregos", lembra Hickel.
Cada etapa, como a de Peniche, custa em média US$ 2 milhões e esse custo é bancado pela ASP, prefeitura e governo locais, além de patrocinadores. Isso inclui a estrutura para realização do evento e transmissão ao vivo, que é feita também em português e tem grande audiência.
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