O publicitário Cássio Brandão, 41, se tornou o mais novo brasileiro a figurar no Guinness Book, o livro dos recordes, no mês de abril. Brandão foi registrado com a maior coleção de camisas de futebol do mundo: 6.101. O Estadão foi até o “santuário” dele, torcedor fanático do Corinthians, conferir a coleção e ver as raridades, que vão além de peças de vestimenta.
Tudo começou em 2018. Nessa época, Cássio Brandão já era um fanático pelos mantos do mundo da bola e era colecionador por quase duas décadas. Foi então que criou o seu projeto chamado “Alambrado Futebol e Cultura”.
“Em 2018 caiu uma ficha pra mim de que o mercado não era organizado, não tinha alguém que organizava isso. Aparecia um cara no Mercado Livre e vendia ‘camisa usada pelo Zico’. Será que foi mesmo? Quem garante? Aí eu vi a oportunidade e monto o Alambrado com esse olhar de ser um ambiente de respeito ao futebol e de certificação da camisa. É comum alguém aparecer com a camisa do Corinthians da Embratel e falar que foi usada em jogo. E eu consigo te mostrar se foi ou não foi”, disse Brandão, ao Estadão.
Como começou a coleção?
“A primeira camisa foi uma do Corinthians, da Kalunga, de 93. Aí em 99 pra 2000, na adolescência, eu consegui um contato de um cara da Suderj (Superintendência de Desportos do Estado do Rio de Janeiro) e ele me vendia as camisas. Aí comecei a montar minha coleção de camisas de jogo ali. Na época do Orkut foi fundamental pra ampliar e fazer esse conceito de comunidade, comecei a comprar camisas de fora, da Itália, de outros países”, conta.
“Começou no armário da minha casa, aí foi pro armário da minha mãe, quartinho de bagunça, aí todos os armários da casa. Aí chegou uma hora que minha mulher falou ‘chega, não dá mais, não cabe aqui’. Foi quando eu vim pra cá”, completou Brandão, sobre o escritório onde guarda sua coleção.
O processo para entrar no Guinness
Foi por sugestão de um amigo que Cássio Brandão decidiu entrar no livro dos recordes. De início, ele não achava que seria possível, que sua coleção não seria grande suficiente. Mas isso foi até saber da informação que o agora antigo detentor do recorde possuía 1.600 camisas de futebol “apenas”.
“Aí entrei no site do Guinness, me cadastrei e depois de umas 3 semanas me procuraram. O processo foi longo, demorou cerca de 6 meses. Na primeira fase, pediram matérias na imprensa. Depois, testemunhas que precisam escrever um documento reconhecendo a coleção. Na fase seguinte, foi necessária uma planilha com todos os itens. E a última etapa foram 9 horas seguidas de vídeo mostrando uma a uma das camisas”.
A coleção
Das 6.101 camisas, 1.700 são do Corinthians, sendo 1.400 utilizadas em jogos oficiais pelos craques do Timão. São 1.800 times e seleções nos cabides de Cássio. E ele se destaca justamente pela quantidade de camisas que tocaram a pele dos craques mundo afora como Lionel Messi, Ronaldo Fenômeno, Sócrates, Diego Maradona e tantos outros.
“Não é uma coleção de camisas, é uma coleção de histórias”, diz o publicitário.
Brandão possui em sua coleção, literalmente todas as camisas utilizadas por seu xará, maior ídolo da história do Timão, Cássio, que recentemente deixou o clube. Entre elas está o manto da fatídica defesa no chute de Diego Souza no duelo de quartas de final da Libertadores contra o Vasco, em 2012.
O preço pago por ela? R$ 27,5 mil. Mas Brandão garante que valeu cada centavo.
“Eu comprei de um funcionário do Diego Souza, que o Diego Souza deu. Estava sábado em casa e um colecionador me liga e fala ‘Cassião, estou falando com o jardineiro do Diego Souza e ele quer vender a camisa’. No Natal o Diego Souza teria falado para os funcionários ‘peguem as camisas que vocês quiserem no meu armário’”. Um funcionário de Diego ganhou e vendeu pra o colecionador, que tem todos os detalhes e documentos da transferência bancária e envio.
Network é tudo
Mas afinal, como ele faz para conseguir tantas dessas raridades?
“Família, roupeiro, massagista ou até o próprio jogador”, explica.
Ao longo desses quase 25 anos como colecionador, Cássio Brandão formou uma rede de amigos e outros que possuem a mesma paixão que ele para formar esse seu network.
Um de seus parceiros neste projeto, liga para os outros quase cerca de 65 colecionadores semanalmente para saber quais são as novidades em seus “estoques”. “O Alambrado é uma comunidade de colecionadores. Eu compro, vendo, troco...é o modelo”.
Algumas camisas de Sócrates, do Botafogo-SP, da Fiorentina ou até do “Doutor” nos tempos de faculdade de Medicina foram adquiridas diretamente com a família do ídolo corintiano, bem como chuteiras e até uma Bola de Prata ganhada pelo eterno camisa 8.
“Eu fiz uma compra uma vez de um cara que foi motorista do Corinthians por 20 anos. Então ele tinha uma coleção absurda de camisas porque os jogadores iam dando pra ele”.
Apesar do Alambrado ser um negócio e ele dizer que qualquer camisa lá pode ser comprada, existe uma exceção: a camisa utilizada por Neto no jogo de ida da semifinal do Brasileirão de 1990, contra o Bahia, em 6 de dezembro daquele ano. “Essa não, nem por R$ 1 milhão. Porque essa é a camisa do meu primeiro jogo como torcedor”, conta.
Se o cara chegar com R$ 1 milhão ele leva tudo, mas essa (camisa do Neto) não
Cássio Brandão, colecionador e fanático pelo Corinthians
A forma como ele adquiriu a camisa mais valiosa sentimentalmente de sua coleção é curiosa. Cássio comprou um lote de cerca de 400 camisas do Matsubara, clube paranaense, do acervo de um ex-presidente, que estava mal de saúde e cujas filhas estavam vendendo. No meio das camisas do time de Londrina, lá estava a de Neto, com um caderno anotado ‘camisa do Neto no jogo contra o Bahia’. “E assistindo o jogo, foi um dia de chuva, 6 de dezembro de 1990, você tem imagens do Neto no começo da partida de manga curta e no segundo tempo de manga longa. Provavelmente ele chegou encharcado no intervalo e trocou pra manga longa” descreve.
E apesar de ser corintiano doente, Cássio possui diversas camisas de rivais, como Palmeiras, São Paulo, Santos, Flamengo e todos os clubes brasileiros que você possa imaginar. Ele ressalta que apenas não as usa, sendo o manto do Timão o único de um time nacional que veste sua pele.
Checagem e cuidados são partes cruciais do processo
E como verificar se de fato uma camisa foi utilizada por determinado jogador? É aí que entra a parte de estudos de Cássio Brandão. Além das camisas, o escritório onde elas ficam possuem quantidades abundantes de livros, enciclopédias e jornais de futebol, além do acervo completo da revista Placar desde a sua fundação.
“Eu vou escaneando. Eu nunca vou saber se era pintado ou bordado, mas consigo entender um pouco da distância, se a gola é redonda ou não...tem muita discussão dentro da nossa rede de colecionadores. A “ombro branca” o Corinthians jogou uma vez, perdeu para o São Paulo em 1993. Um cara publicou ‘consegui uma ombro branca’. E ele falou que foi usada pelo Neto, número 10. Mas o Neto não jogou essa partida, não existe essa possibilidade. Eu mostrei pro cara, não sou dono da verdade, mas estudei”, relembra Cássio.
Com uma coleção tão vasta, é preciso ter cuidados também. Ao adentrar o “santuário”, você sente calor. Isso porque o ar condicionado é ligado a 28ºC. Segundo Cássio, especialistas em tecido classificam essa como a temperatura perfeita de armazenagem de roupas para não descolar um patch ou patrocínio da camisa.
Além disso, as janelas são protegidas para que a luz solar não pegue nas camisas para evitar que as mesmas queimem e Brandão afirma dar um “banho de ozônio” no recinto também como forma de preservação.
Existe um processo para cada camisa nova adquirida: pegar um pouco de sol, espirrar uma solução que contém detergente, álcool e outros ingredientes para tirar o odor e garantir a qualidade do material e aí sim ela vai para o “varal”. É o caso da mais recente aquisição: uma camisa de Matheuzinho, do Corinthians, usada no jogo contra o Botafogo no dia 1º de junho, que conta até com manchas do gramado da Neo Química Arena.
“Montei um sistema de inteligência artificial agora e a gente está testando com alguns engenheiros da UNICAMP pra garantir que essa camisa por essa sujeira foi utilizada em jogo. Então eu vou fazer o photomatch da camisa. Nos Estados Unidos os caras já estão fazendo DNA”, contou Brandão.
Negócios
A paixão de Cássio se transformou em um negócio próprio. Ele compra, troca e vende camisas de futebol. E possui quatro funcionários e até uma loja física, em Pinheiros, e uma virtual do Alambrado para vender suas raridades.
No site do Alambrado, as camisas mais caras listadas custam até R$ 3 mil, geralmente uniformes utilizados por atletas como Lukaku, Diego Costa, à serviço de suas seleções.
“É uma paixão que virou um business. Sempre vai ser paixão, mas virou um negócio. Está super saudável, rentável, a gente paga todas as contas. Sobra grana eu reinvisto, compro mais camisas”. Foi fundado em 2018, atingimos o break even em 2020 e resistimos super bem à pandemia”.
Os valores das camisas de seu acervo podem variar, mas Brandão afirmou que a mais cara que já vendeu superou os R$ 40 mil. Era um modelo utilizado por Diego Maradona no Barcelona na década de 80. “Você não tem uma tabela FIPE de camisa, nem certificado de procedência. Ela vai aumentar de valor, é que nem imóvel, não vai perder valor. Se a camisa na loja aumenta, imagina a usada em jogo...”, explica.
Os perrengues
Ser um colecionador com milhares de camisas também colocou Cássio em alguns perrengues. Na viagem de Londrina para São Paulo com as camisas do Matsubara, ele chegou a ser parado pela Polícia Rodoviária Federal
“‘Mostra a nota’, disse um agente da PRF, segundo Cássio. “Não tem nota. Camisa dá volume, a polícia vê o carro cheio de caia atrás e para”.
“Uma vez rolou um assalto na casa do Leão. E rolou um encontro de colecionadores no Museu do Futebol e um cara da Polícia Civil ficou um tempão me investigando porque eu poderia ter sido um receptor ou estar envolvido isso. A resposta que eu sempre dou é ‘Sou trabalhador, sou executivo do Google, faço isso há 20 anos, sou colecionador’”.
Vestimenta emprestada Lewis Hamilton
No GP do Brasil do ano passado, Lewis Hamilton apareceu no paddock de Interlagos com uma jaqueta e calça da delegação da seleção brasileira campeã da Copa do Mundo de 1994. E a vestimenta foi emprestado por Cássio Brandão.
O publicitário disse ter adquirido as peças de Moraci Sant’Anna, antigo preparador da seleção. Brandão procurou o time do inglês, que mandou um representante para o acervo das camisetas selecionar algo para Hamilton usar.
A ideia original de Cássio era ter Hamilton usando a camisa de Pelé, mas não rolou. Após tentativas das camisas de Richarlison, Dener, Corinthians e Palmeiras, enfim o piloto concordou em usar a jaqueta, que ele queria comprar, mas Cássio negou ouvir qualquer proposta. Ele queria apenas que a lenda das pistas usasse emprestado.
Hamilton o fez e devolveu com um boné autografado para o publicitário.
Ainda falta alguma camisa na coleção?
“Tem um monte ainda...eu quero ter todas as camisas do Ronaldo Giovanelli. Eu adoraria ter mais camisas do Napoli da NR (antiga marca de roupas esportivas), do Barcelona da NR, umas Umbro dos anos 90...eu quero ter camisas que continuem contando histórias”.
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