30 anos sem Senna: piloto publicou texto exclusivo no Estadão 38 dias antes de sua morte

‘Sem o controle de tração, o comportamento do carro mudou, está mais arisco nas entradas e saídas de curvas. O piloto terá de se adaptar a essa condição, que inclusive envolve maiores riscos’, escreveu o tricampeão mundial de Fórmula 1

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Por Ayrton Senna
Atualização:

As mudanças na Fórmula 1 foram profundas e, por isso mesmo, não acredito que este ano nós iremos assistir a tanta diferença de performance entre uma equipe e as demais, como aconteceu nos dois últimos campeonatos mundiais. Os testes que realizamos durante o inverno na Europa comprovam o que estou dizendo. A Benetton, por exemplo, mostrou que pode lutar comigo e Damon Hill em igualdade de condições. Até mesmo a Ferrari, com o novo projeto do John Barnard, poderá surpreender em pouco tempo de disputa.

Os novos regulamentos técnico e esportivo aprovados pela FIA são os responsáveis pelo maior equilíbrio que deveremos ter na Fórmula 1. Muitos dos recursos eletrônicos, como a suspensão ativa, foram proibidos. Isso fará com que mesmo as equipes intermediárias, como a Jordan, Sauber, Lotus e outras possam se classificar nos primeiros lugares. A McLaren vem de motor novo, o Peugeot, mas não pensem que eles ficarão distante do pelotão da frente. Quem conhece a McLaren como eu sabe do que eles são capazes de realizar e em que espaço de tempo.

Ayrton Senna trocou a McLaren pela Williams na temporada de 1994 da Fórmula 1. Foto: Vidal Cavalcante/AE

Sem dúvida nenhuma fomos valorizados com o novo regulamento. Está mais do que provado na Fórmula 1 moderna que piloto sem carro não anda, mas na minha opinião, a partir de agora, o piloto voltará a fazer diferença, como nos velhos tempos. Sem o controle de tração, o comportamento do carro mudou, está mais arisco nas entradas e saídas de curvas. O piloto terá de se adaptar a essa condição, que inclusive envolve maiores riscos.

Não mais teremos também o acelerador eletrônico, conhecido como fly by wire. Ele permitia sempre a aceleração adequada do motor e, consequentemente, a tração ideal das rodas, em qualquer situação. Sem ele, volta a valer a sensibilidade do piloto no controle do pé direito. Ele deve saber quando está acelerando mais ou menos nas saídas de curva, por exemplo. Na Fórmula 1, esse detalhe é fundamental para um piloto ser rápido e constante.

Ayrton Senna foi três vezes campeão mundial de Fórmula 1, em 1988, 1990 e 1991 - 11/10/1993. Foto: Maurilo Clareto/AE

A Fórmula 1 não mudou só tecnicamente. Teremos o pit stop com reabastecimento de combustível. Não estranhe se, de repente, uma equipe média vencer uma corrida porque adotou uma estratégia ousada e que acabou dando certo. Vamos estar o tempo todo acelerando forte, o carro ficará bem mais leve devido ao menor volume de gasolina nos tanques. Sabe o que vai acontecer? Quem não estiver preparado não termina a corrida, por puro esgotamento físico. Preparo físico pode definir um Grande Prêmio este ano.

Além do ritmo da prova ser mais veloz, teremos de segurar o carro no braço, em muitas ocasiões, porque, como disse, eles perderam estabilidade em relação à temporada passada. E para quem acha que a Fórmula 1 será mais lenta, recomendo acompanhar os treinos de Interlagos. Existe uma chance real de nossos carros serem mais velozes já na primeira corrida do campeonato. Isso torna ainda mais importante o bom estado atlético do piloto.

Acredite, as novas regras do jogo têm tudo para tornar a Fórmula 1 muito emocionante. Não só para vocês que vão ao autódromo ou assistem às corridas pela televisão, mas para nós também. Precisaremos vencer o gostoso desafio de raciocinar e executar movimentos de braços e pernas com precisão, mesmo sob as enormes tensões e desgaste de uma prova de Fórmula 1.

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