30 anos da morte de Senna: Justiça apontou culpado por acidente, mas ninguém foi preso

‘Estadão’ recorda o trágico acidente que vitimou o piloto no GP de San Marino, em 1994, e relembra como terminou a investigação e o caso judicial, finalizado há 17 anos

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Foto do author Felipe Rosa Mendes
Atualização:

Trinta anos depois, a morte de Ayrton Senna no trágico GP de San Marino de Fórmula 1 foi resolvida nos tribunais em 2007, mas no mundo do automobilismo ainda gera discussões, controvérsias e falta de consenso. O rumoroso acidente, que custou a vida do tricampeão mundial e ídolo nacional, acumulou uma série de decisões judiciais nas décadas de 90 e de 2000, que geraram um saldo de seis denunciados, um culpado e nenhum preso.

Senna faleceu no dia 1º de maio de 1994 após grave acidente na famigerada e traiçoeira Curva Tamburello, no Circuito de Ímola, na Itália. Passados 30 anos do marcante episódio, que abalou o País na época, o Estadão recorda a tragédia e relembra como terminou a investigação e o caso judicial, finalizado há 17 anos.

Ayrton Senna sofreu um acidente fata em Ímola, durante o GP de San Marino, de 1994. Foto: Maurilo Cleto/AE

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A Justiça italiana se manifestou pela última vez sobre o caso em 13 de abril daquele ano. Em 2007, a Suprema Corte do país europeu apenas confirmou decisão anterior, mantendo apenas um culpado pela tragédia. O nome dele é Patrick Head, ex-sócio e cofundador da Williams, equipe pela qual Senna pilotava em sua última temporada na F-1.

O engenheiro britânico, de 77 anos, foi condenado por homicídio culposo, mas não cumpriu pena porque o caso havia prescrito. Pelas leis italianas, o prazo para a prescrição deste tipo de crime é de sete anos e seis meses. Mas já haviam se passado 13 anos do acidente fatal. Head foi responsabilizado por ser o diretor-técnico da Williams na época.

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“Foi determinado que o acidente foi causado por uma falha na coluna de direção. Esta falha foi causada por modificações mal projetadas e mal executadas. A responsabilidade por isso recai sobre Patrick Head, culpado de omissão de controle”, afirmara a Suprema Corte, em 2007. Além de diretor-técnico da Williams, Head também foi o projetista do modelo FW16, carro pilotado por Senna naquela temporada.

Apesar da participação sem intenção na tragédia, o britânico é considerado um dos maiores projetistas da história da F-1. Cofundador da equipe ao lado da lenda Frank Williams, Head esteve envolvido com o time durante quase 40 anos, nos quais participou da conquista de nove títulos do Mundial de Construtores e sete do Mundial de Pilotos. O brasileiro Nelson Piquet, o francês Alain Prost e o britânico Nigel Mansell, entre outros, celebraram títulos com carros projetados por Head.

Sua carreira no automobilismo lhe rendeu até o título de Sir, um reconhecimento da monarquia britânica, em 2015. Sua imagem, contudo, já estava abalada pela participação, sem intenção, no acidente de Senna. Em 2012, ele vendeu a maior parte de suas ações na Williams e se afastou da F-1. Acabou voltando em 2019 como consultor técnico e esteve próximo da cúpula da Williams até 2021.

Curiosamente, Head chegou a ser casado com a jornalista brasileira Betise Assumpção, que atuava como assessora de imprensa de Senna na época do acidente.

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Quem foi denunciado pela morte de Senna?

O caso começou a ser julgado em dezembro de 1997, três anos após o acidente. Seis pessoas foram denunciadas por homicídio culposo, sem a intenção de matar. Além de Head, a lista tinha o próprio Frank Williams, fundador da equipe; o engenheiro Adrian Newey; Roland Bruynseraede, inspetor de segurança da Federação Internacional de Automobilismo (FIA); e Federico Bendinelli, sócio da empresa que administrava o Circuito de Ímola.

Todos foram inocentados na primeira e na segunda instâncias da Justiça italiana. Insatisfeita com as decisões, a Procuradoria do Ministério Público do país europeu recorreu à Suprema Corte e, em maio de 2005, o tribunal culpou Head por negligência na mudança na coluna de direção da Williams de Senna (leia mais abaixo). A equipe britânica recorreu, mas dois anos depois a corte manteve a decisão, sem absolver Head.

Adrian Newey é um dos principais nomes da Fórmula 1, atualmente é projetista da Red Bull e pode se transferir para Ferrari ou Aston Martin em 2025. Foto: Hamad I Mohammed/Reuters

Da lista de denunciados, apenas Newey segue na F-1 e com o prestígio em alta. Ele é o projetista dos carros da Red Bull que vem fazendo Max Verstappen brilhar nas pistas desde 2021. Em 2017, em sua autobiografia, o engenheiro aeronáutico disse que sempre se sentiria culpado pela morte de Senna.

“Eu era um dos engenheiros responsáveis em uma equipe que desenhou um carro em que um grande homem foi morto. Independentemente de a coluna de direção ter causado o acidente ou não, não há como escapar do fato de que algo ruim nunca deveria ter entrado no carro”, disse Newey no livro “How to Build a Car” (Como construir um carro, em tradução livre). “O que me faz sentir a maior culpa, porém, não é a possibilidade de que a falha da coluna de direção possa ter causado o acidente, porque eu não acho isso, mas sim o fato de eu ter complicado a aerodinâmica do carro.”

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Como foi o acidente de Senna?

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A tragédia que vitimou Senna aconteceu num dos finais de semana mais violentos da história da F-1. Na véspera, durante um dos treinos do GP, o jovem austríaco Roland Ratzenberger morrera num forte acidente na mesma pista. Na sexta-feira, Rubens Barrichello correu risco de morte numa pancada espetacular e assustadora, que o tirou da corrida de domingo. Não havia um óbito na categoria desde 1982.

No domingo, a corrida já tinha começado com batida perigosa envolvendo os pilotos Pedro Lamy e JJ Lehto. A prova foi retomada somente na sexta volta, com Senna em primeiro lugar. Na volta seguinte, o brasileiro perdeu o controle de sua Williams no início da veloz Curva Tamburello, uma das mais rápidas da F-1. Dados da telemetria mostram que ele iniciou a curva a 309 km/h. Atingiu o muro a 216 km/h após forte freada e desaceleração de 4G.

Diversos peritos, envolvidos na investigação liderada pela Justiça italiana, apontaram que a quebra da barra ou coluna da direção se partiu ainda na pista, fazendo Senna perder o controle do carro. A coluna de direção é a ligação entre o volante e a suspensão dianteira e transmite o movimento das mãos dos pilotos na direção para as rodas. Ao se chocar com o muro, a suspensão dianteira direita se espatifou e um dos seus “braços” atingiu a cabeça de Senna como uma lança, penetrando o cérebro, na altura da viseira, acima do olho direito.

A pancada jogou a cabeça de Senna para trás com tamanha força que causou fraturas na base do crânio e de vértebras cervicais, levando o tricampeão mundial a óbito. O brasileiro, que sofreu hemorragia, chegou a ser reanimado na pista, inclusive com procedimento de traqueostomia, o que deixou marcas de sangue no local. Quatro horas depois, a médica Maria Teresa Fiandri anunciava a morte, da entrada do Hospital Maggiore, para onde Senna havia sido encaminhado de helicóptero, na cidade de Bolonha.

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Ajustes no carro de Senna e controvérsias

A coluna de direção se tornou o grande alvo das investigações porque ela sofreu uma alteração a pedido de Senna. O brasileiro alegava desconforto dentro do carro porque suas mãos raspavam na borda do cockpit ao girar o volante. A solução encontrada, então, foi reduzir a altura da coluna, deixando a direção mais distante do corpo de Senna.

As controvérsias começam aqui. A Williams sempre alegou que a mudança na coluna havia sido feita da forma mais profissional possível, ainda na fábrica da equipe. Há alegações, porém, de que o ajuste teria sido feito no próprio fim de semana do GP e de forma grosseira. Investigações dos peritos apontaram que foi justamente na solda da barra que houve a quebra da coluna, por “fadiga do material”. A trepidação do carro na pista, o movimento do volante a cada curva e a própria alta velocidade fizeram pressão sobre a barra, que não resistiu.

Em entrevista à revista Veja, em 1995, um técnico que fez parte dos testes de laboratório do material afirmou que o ajuste havia sido feito de improviso. “Eu mesmo fiquei muito surpreendido com o que constatei, pois quando ouvia falar de Fórmula 1 sempre pensava em tecnologia sofisticada. E o que eu vi não tinha nada disso”, declarou o especialista, não identificado pela reportagem.

Em sua defesa, a Williams e o próprio Adrian Newey apontaram supostas ondulações no asfalto e um possível furo em um dos pneus do carro como possíveis causas da instabilidade que teria feito Senna perder o controle de sua Williams. Até hoje jornalistas e ex-pilotos ingleses apontam uma suposta queda na pressão dos pneus para justificar o acidente. Para a equipe britânica, a coluna da direção se rompeu somente no momento do choque com o muro. Nada disso foi comprovado.

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Outra polêmica se refere ao momento da morte de Senna. Jornais europeus levantaram na época a hipótese de que o brasileiro já tivesse sofrido morte cerebral no momento da pancada na cabeça. O mesmo poderia ter acontecido com Ratzenberger, no sábado.

Em entrevista ao Estadão, o jornalista Roberto Cabrini disse que o próprio Senna havia feito uma revelação importante a ele naquele fim de semana. “Ele me confidenciou em ‘off’ que o Ratzenberger tinha morrido na pista, mas que isso não podia ser divulgado porque, pela lei italiana, o evento tinha que ser imediatamente suspenso. Então muita gente acredita e eu tenho vários depoimentos nesse sentido de que isso também aconteceu com o Senna”, disse Cabrini, um dos repórteres brasileiros que acompanharam in loco a tragédia do ídolo.

A polêmica acabou sendo alimentada por Bernie Ecclestone. De acordo com a biografia de Senna, “Ayrton, o herói revelado”, do jornalista Ernesto Rodrigues, o chefão da F-1 na época teria afirmado a Leonardo Senna, irmão de Ayrton, que o piloto estava morto, ainda durante o GP. Depois Ecclestone desmentiu a informação ao explicar que não teria dito “He is dead” (ele está morto, em inglês), mas, sim, “It’s in the head”, com pronúncia semelhante, mas significado totalmente diferente: “Foi na cabeça”, em referência à lesão sofrida pelo piloto.

Após anos de investigação do caso, o jornalista acredita que não houve um culpado direto pelo acidente. Mas aponta seguidas tentativas de esconder informação do público na época. “O que eu posso afirmar é que é inquestionável que sempre houve uma tentativa de se manipular dados. Não dá para afirmar que este ou aquele aspecto foi omitido, mas dá para se questionar tudo pela natureza da Fórmula 1, onde o lado mercadológico muitas vezes prevalece em detrimento da verdade.”

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