Fórmula 1: ação de Felipe Massa para ser considerado campeão não tem prazo final; entenda

Piloto brasileiro, atualmente na Stock Car, busca o reconhecimento do título mundial de 2008 diante do escândalo do GP de Cingapura daquele ano, com batida proposital da Renault de Nelsinho Piquet a pedido da escuderia

PUBLICIDADE

Foto do author Marcos Antomil
Foto do author Felipe Rosa Mendes
Atualização:

A temporada 2008 de Fórmula 1 ainda não terminou para Felipe Massa e pode invadir 2024. O piloto luta para ter o título mundial daquela temporada reconhecido. Para isso, o brasileiro enviou sua demanda de forma extrajudicial para que a F-1 e a Federação Internacional de Automobilismo (FIA) a examinem e tomem uma posição antes do ingresso formal do caso na Justiça. O prazo limite para a manifestação das entidades era 15 de novembro e, agora, a defesa de Massa aguarda para dar os próximos passos.

PUBLICIDADE

A reportagem do Estadão entrou em contato com o estafe de Felipe Massa e foi informada que ainda não há uma data certa para avanços sobre o caso. O processo é complexo, envolve uma equipe multidisciplinar liderada por advogados de diferentes nacionalidades e, por ter a Inglaterra como foro, tem procedimentos distintos aos da Justiça brasileira. Originalmente, o prazo para manifestação da Fórmula 1 e da FIA era 29 de agosto. Depois, passou para 12 de outubro e ganhou sua última data em 15 de novembro.

Diante das incertezas sobre uma conclusão extrajudicial, o caso de Felipe Massa pode se arrastar por muito tempo. Esse procedimento inicial, em que se provoca os acusados a se manifestarem, é obrigatório para dar sequência a processos judiciais na Inglaterra, onde a ação deve transcorrer. Não havendo um acordo, o caso passa a tramitar na Justiça. Neste fim de semana, a F-1 faz sua última prova no calendário, em Abu Dabi. Depois disso, equipes e pilotos entram em recesso para 2024. Massa aguarda um comunicado oficial para ver o que vai fazer.

Felipe Massa foi vice-campeão mundial de Fórmula 1 em 2008. Foto: Andre Penner/ AP

Apesar de os pilotos e chefões da Fórmula 1 se esquivarem de falar publicamente sobre o pleito de Massa, o clima entre o brasileiro e a entidade não é dos piores. Hoje na Stock Car, o piloto não é persona non grata no paddock e, inclusive, recebeu convite de Stefano Domenicali, chefão da F-1, para acompanhar no Autódromo de Interlagos o Grande Prêmio de São Paulo, disputado no início do mês. No entanto, suas funções como embaixador estão suspensas.

Massa confirmou que foi desaconselhado a comparecer ao GP da Itália, em Monza, quando o caso eclodiu, e também ao GP do Japão, em Suzuka. Em ambos, ele estaria a trabalho. A FIA não aprova discutir as decisões do automobilismo em caráter aberto, em público, como ocorre no caso de Felipe Massa.

Publicidade

O grande ressentimento do pilloto brasileiro, porém, está no posicionamento da Ferrari. Massa pilotava pela equipe de Maranello em 2008 e poderia ter sido o último campeão da escuderia. “Eu não consigo entender por que a Ferrari não está comigo nesta situação. Não é só o título do piloto, mas é um piloto que corria pela Ferrari. Sempre tive um carinho muito grande por eles, continuo tendo. Ainda não aconteceu o apoio, mas acredito que acontecerá, porque é o correto. Até o Toto Wolff (chefe da Mercedes) falou sobre o caso.”

Por que Felipe Massa busca o reconhecimento do título de 2008?

A disputa entre Massa e F-1 e FIA remete ao GP de Cingapura de 2008, um dos mais polêmicos da história da F-1. Na ocasião, o brasileiro e Lewis Hamilton brigavam ponto a ponto pelo título. Antes daquela corrida, o inglês liderava o campeonato por apenas um ponto.

No auge de sua trajetória na F-1, Massa conquistara a pole position. Na corrida, liderava até a 14ª de 61 voltas. Foi quando Nelsinho Piquet bateu intencionalmente seu carro, por ordem do polêmico Flavio Briatore, para beneficiar Fernando Alonso, seu companheiro na Renault. O espanhol havia feito pit stop duas voltas antes e estava com o tanque cheio - na época, havia reabastecimento dos carros durante as corridas.

Nelsinho Piquet foi orientado a bater seu carro em Cingapura a mando da equipe Renault. Foto: Reuters

A batida provocou a entrada do safety car na pista, o que mudou totalmente a história da corrida. Alonso, que largara em 15º, herdou e manteve a primeira posição até a bandeirada final. Foi o maior beneficiado pela batida. Massa foi o maior prejudicado porque ainda viu a Ferrari cometer alguns erros nos boxes. Após cair para o último lugar da prova, o brasileiro terminou a prova em 13º, sem somar pontos. Hamilton foi o terceiro e viu sua vantagem subir de um para sete pontos na tabela. O título, três etapas depois, foi definido por apenas um ponto de diferença.

Nelsinho Piquet admitiu batida proposital, mas não crê que Massa herdará título

Em 2009, Nelsinho Piquet admitiu publicamente que bateu de propósito em Cingapura para beneficiar Alonso. O Conselho Mundial de Automobilismo acolheu a denúncia, julgou o caso e distribuiu punições. Desclassificou a Renault no campeonato e suspendeu os dirigentes envolvidos na polêmica decisão: Briatore, chefe da equipe, e Pat Symonds, diretor de engenharia. Alonso e Nelsinho foram poupados.

Publicidade

Apenas um ano depois, tanto Briatore quanto Symonds fizeram acordos com a FIA para serem liberados para atuar na F-1. O primeiro vem sendo figura constante nos GPs da atual temporada, até mesmo tirando fotos com a cúpula atual da categoria, enquanto Symonds é o principal responsável pela área técnica da própria F-1.

Nelsinho Piquet é um dos atores do escândalo sobre o GP de Cingapura de 2008. Foto: Chris Helgren/ Reuters

“Ele tem o direito de fazer o que quiser. Acho que não vão mudar uma coisa de 15 anos atrás, muito menos um campeonato vencido pelo Hamilton. No máximo, o que acho que pode acontecer, é desclassificarem a Renault da corrida, que o Alonso ganhou. Aí o que acontece? O Hamilton acaba ganhando aquela corrida e ganha com uma margem maior ainda”, disse Nelsinho nessa semana ao podcast Pod Pai Pod Filho.

Por que Massa decidiu brigar pelo título apenas em 2023?

O caso voltou aos jornais em março deste ano. Bernie Ecclestone, chefão da F-1 por quase 40 anos, fez revelações bombásticas sobre o caso em entrevista ao site F1-Insider. Questionado sobre os títulos de Hamilton, o inglês afirmara que considerava Michael Schumacher o único heptacampeão da história da F-1 porque Hamilton não seria o campeão moral de 2008, na sua avaliação.

Ecclestone disse que considerava Massa o campeão daquele ano em razão do que acontecera em Cingapura. O inglês revelou que ficou sabendo sobre a batida intencional de Nelsinho ainda durante 2008. Essa informação é o grande fundamento das ações judiciais de Massa. O motivo é que, pelas regras da FIA, um campeonato não pode ter seus resultados alterados após finalizado. Assim, a confissão de Nelsinho, feita somente em 2009, não seria o suficiente para mudar o resultado daquela corrida.

Bernie Ecclestone também compareceu a Interlagos para acompanhar o GP de São Paulo de 2023. Foto: Amanda Perobelli/ Reuters

Neste contexto, as declarações de Ecclestone promoviam uma grande reviravolta na discussão. “Max Mosley (então presidente da FIA) e eu fomos informados durante a temporada sobre o que havia acontecido na corrida de Cingapura. Nelsinho Piquet havia confessado ao pai, Nelson, sobre a ordem da equipe de acionar o safety car para ajudar Alonso a vencer. Implorei ao Nelson para manter a história em segredo”, afirmou Ecclestone, que é próximo do pai de Nelsinho.

Publicidade

“Decidimos não fazer nada na época. Quisemos proteger a Fórmula 1 e salvá-la de um grande escândalo”, declarou Ecclestone. “Tínhamos informação suficiente na época para investigar o caso. De acordo com o regulamento, teríamos que cancelar a corrida de Cingapura naquelas circunstâncias. Isso significa que aquela etapa não estaria contando para o campeonato. E aí Felipe Massa seria o campeão mundial, e não Lewis Hamilton.”

O que Massa pleiteia junto à FIA e à Fórmula 1?

Além do reconhecimento do título mundial de 2008, intenção de Massa seria buscar uma indenização por danos morais em razão das perdas financeiras que ele sofreu por ter ficado sem o troféu de campeão. O valor poderia chegar aos US$ 150 milhões, algo equivalente a R$ 735 milhões, pelo câmbio atual, e leva em conta o aumento de salário que os pilotos costumam receber após a conquista de um título, por exemplo. Os juros e a correção monetária também impulsionam a cifra.

Em entrevista ao Estadão, em abril de 2023, Massa afirmou que poderia aceitar uma saída mais amena para o problema: a divisão do título de 2008. Na prática, ele e Hamilton seriam considerados os campeões daquela temporada. “Eu acho que, se isso acontecesse, eu não poderia deixar de dizer que foi feito justiça. O importante é que seja feita a justiça”, afirmou. A divisão de um título nunca aconteceu na história da F-1.

Lewis Hamilton foi campeão mundial pela primeira vez em 2008. Foto: Crispin Thruston/ Reuters

Quem são os advogados que defendem Felipe Massa?

Massa contratou um time de advogados experientes, de diferentes países, para enfrentar duas entidades poderosas e de peso no mundo esportivo e do entretenimento, caso da FIA e da Liberty Media, empresa que adquiriu a F-1 em 2016. O “time dos sonhos” conta com alguns profissionais famosos e reconhecidos no mercado por terem defendido diversos clubes do Campeonato Inglês.

O principal nome é o do britânico Nick de Marco, considerado por muitos como o maior advogado da área esportiva do mundo. Ele é autor do livro “Footballl and the Law” (Futebol e a lei, em tradução livre), tido como a Bíblia do direito esportivo mundial. Outro é Michele Bernasconi, que tem no currículo diversos casos envolvendo a Uefa. Ao todo, são seis escritórios espalhados pelo mundo, do Brasil, Estados Unidos, Inglaterra, País de Gales, Suíça e França.

Publicidade

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.