Quando está em serviço, ele é motorista de aplicativo que chega a rodar 14 horas pelas ruas da grande São Paulo. Já nas etapas da Fórmula Vee, a transformação é visível: líder do campeonato, cinco vitórias só neste ano e 20 pontos de vantagem para o segundo colocado. Esse é o cartão de apresentação de Lucas Veloso, 26 anos, morador de Itapevi, que vem atraindo os holofotes por seu desempenho nas pistas.
Quando está ao volante de seu Chevrolet Cobalt 2015, o perfil é cuidadoso. Durante o expediente, o piloto reconhecidamente rápido dá lugar ao motorista que se orgulha de não ter multas a pagar. “Sou muito cuidadoso e obedeço às leis de trânsito. Sigo o que manda a placa de velocidade. Em dias bons, chego a ganhar R$ 350. Porém, nem sempre é assim. Com o que ganho, tenho que descontar combustível, despesas de manutenção e ainda pagar a prestação do carro, que é financiado”, afirmou Lucas ao Estadão em entrevista na casa dos pais.
Figura popular do bairro Jardim Briquet, ele conta com o apoio da comunidade para seguir voando baixo nas pistas. Nos intervalos entre uma corrida e outra, é hora de ir à luta a fim de captar patrocinadores. “Sou formado em marketing, mas não consegui atuar na área. Utilizo meus conhecimentos do curso para buscar apoiadores. Tenho uma pasta com um projeto no carro e preparei também uma apresentação em powerpoint que consigo mostrar pelo celular”, disse.
Sem um patrocínio forte para arcar com os custos, são os pequenos comerciantes locais que o ajudam a enfrentar a concorrência de pilotos mais abastados na F-Vee. A Auto Escola Rogério, a Eco Desmonte e a JVC Mecânica, além da Xapadão Bebidas, são alguns dos estabelecimentos que dão suporte. A Energy Fitness, academia onde mantém a forma para suportar o desgaste de treinos e corridas, amplia o cartel de patrocinadores.
Mesmo com essa ajuda extra, o piloto do carro 96 diz que tira dinheiro do bolso para conseguir o valor a ser pago por cada etapa disputada. “Quando temos provas, ainda coloco uns R$ 2,5 mil do meu bolso para completar as despesas. Por isso preciso de mais patrocinadores”.
A sua curta trajetória no automobilismo é marcada por ida e vindas. No ano em que estourou a pandemia, por exemplo, ele chegou a desistir do sonho de competir. Para piorar, ainda teve um revés ao abrir uma hamburgueria que não resistiu a tempos difíceis de covid-19.
Neste ano, porém, a sua trajetória vem ganhando capítulos positivos. Com o primeiro lugar e o destaque alcançado pelas suas performances, a visibilidade aumentou. E isso pode significar mais apoio.
“Faço um pouco esse trabalho de marketing também. Já saí em vários jornais da região, participei de podcasts e fico de olho nas redes sociais. Mandei produzir camisas personalizadas, desenhei um logo e coloquei o número do meu carro. Criei uma espécie de uniformizada.”
A ideia de encomendar as peças acabou criando uma torcida particular. Pai, mãe, irmãos e sobrinhas estão sempre andando pelo bairro divulgando a marca do piloto. “Fiz um total de 20 camisas e cada uma custou R$ 60 . Dei algumas para uns amigos e, claro, mandei também para os meus patrocinadores.”
Apesar de todo apoio doméstico, uma torcedora, em especial, merece o destaque de Lucas: a mãe Luzia, que não perde uma corrida. “Estou sempre no autódromo e acompanho tudo. Quando a prova está acontecendo e ele não passa na reta, eu já fico doida e acho que aconteceu algum acidente”, disse a mãe em tom bem-humorado.
ORIGEM HUMILDE
Superação e dedicação são traços da personalidade de Lucas. De origem humilde, precisou trabalhar desde cedo. Na adolescência, dividiu o estudo com os mais variados tipos de ofício: foi ajudante geral, fez serviços de limpeza, trabalhou como empacotador de supermercado, manobrista e até camelô.
Junto à necessidade de ajudar os pais, nascia também uma identificação com o automobilismo. Aos dez anos já sabia dirigir e desde menino assistia às corridas de Fórmula 1 pela televisão. Revistas de carros e perfis de pilotos em publicações especializadas eram leituras obrigatórias.
Os primeiros passos para entrar no mundo da velocidade vieram por meio do kart. “Comecei no indoor, disputei campeonatos amadores e cheguei a competir na Granja Viana. Gostei de andar nesta categoria, mas as despesas eram pesadas para mim.”
A opção pela Fórmula Vee encanta Lucas também pelo seu histórico. E pilotos ilustres marcaram seu nome nessa trajetória. Emerson Fittipaldi foi o primeiro campeão brasileiro em 1967. Nelson Piquet, nove anos mais tarde, levantou o título da Super V, na época, uma evolução da F-Vee.
Retomada no Brasil em 2011, é a categoria mais disputada no mundo por ser a mais barata. Os carros usam basicamente peças originais VW. Em Interlagos, atingem até 208 quilômetros por hora e o motor que turbina essas máquinas é do Fox 1.6 enquanto o câmbio de cinco marchas é do Gol. Já os pneus utilizados são os de carros de passeio.
INSPIRAÇÃO EM AYRTON SENNA
Fã de Ayrton Senna, Lucas assiste sempre que pode às corridas que marcaram a trajetória do ex-piloto, morto em 1994. Tanta admiração fez com que ele bancasse a pintura do carro lembrando a McLaren dos anos 80 para homenagear o ídolo que só conheceu de vídeos e matérias de TV.
Entre as preferidas, está o primeiro triunfo de Senna no Brasil, prova que marcou uma agradável coincidência para Lucas. Foi também em Interlagos, com carro vermelho e branco, que o piloto morador de Itapevi subiu no lugar mais alto do pódio em sua primeira bandeirada como vencedor na categoria.
“A vitória do Senna no Brasil em 91 é uma das corridas que eu mais gosto. E de repente, quando eu estou na pista, na mesma reta de Interlagos para vencer uma prova, ele (Senna) me veio na cabeça. A reação foi parecida. Também gritei, gesticulei e chorei no carro. Não segurei a emoção.”
Mas as coincidências com o ídolo não ficam por aí. Se Ayrton Senna tinha Alain Prost como grande rival, Lucas também tem um francês como um dos principais oponentes na F-Vee. Laurent Guerinaud é o atual bicampeão estadual. Na França, corria de kart e certa vez chegou à frente do Alain Prost. Era piloto oficial da Peugeot em provas de turismo e no Brasil trabalha com pesquisas no setor automotivo.
“A rivalidade fica nas pistas. Já chegamos a tocar as rodas em uma corrida, mas o clima é totalmente amistoso. Uma vez, quando estava comemorando a vitória no pódio, ele chegou com uma taça de champanhe para brindar comigo.”
Nos dias 3 e 4 deste mês, Lucas correu em Interlagos, venceu as duas corridas previstas no calendário, e ampliou a sua vantagem na classificação. Faltando duas etapas para o fim do campeonato, ele soma 186 pontos contra 166 de Guerinaud.
Em meio às dificuldades que sempre cercaram sua vida, Lucas não estabelece fronteiras para o seu futuro nas pistas. O objetivo atual é tentar o título. E o combustível para seguir nesse sonho, mas do que o arrojo e determinação é a união da família. “Aqui é o meu porto seguro e com meus pais e irmãos, reúno sempre forças para correr e seguir sonhando”, encerrou Lucas.
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