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Por que a Fórmula E venceu a concorrência com a Fórmula 1 pela preferência de grandes montadoras

Categoria de carros elétricos agora se preocupa em se manter atrativa diante das mudanças de motorização que a F-1 promoverá a partir de 2026

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Foto do author Marcos Antomil

CIDADE DO CABO (África do Sul) - A Fórmula E é uma categoria que usa carros exclusivamente elétricos. Ela foi criada em 2014 pela Federação Internacional de Automobilismo (FIA) e conseguiu atrair diversas montadoras, que passaram a se interessar mais pela categoria do que pela tradicional e gigante Fórmula 1. Mudanças futuras na F-1, no entanto, estão fazendo com que as grandes marcas do esporte a motor voltem suas atenções para a categoria máxima, mas a F-E não perdeu prestígio até agora e espera se manter em boas condições.

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Na temporada 2022/2023, a Fórmula E possui sete fornecedores de motores: Porsche, Nissan, Jaguar, Maserati, Mahindra, Nio 333 e DS. A Fórmula 1 conta com apenas quatro nas últimas nove temporadas: Ferrari, Mercedes, Honda e Renault. Em 2026, a F-1 terá grandes alterações em sua motorização, fazendo com que Ford, Porsche e Audi voltem a se interessar pela competição que tem Max Verstappen como seu atual campeão.

No comando da Fórmula E não há grandes preocupações quanto às saídas dos parceiros. Entende-se que é um processo natural de grandes marcas se estabelecerem ora em uma categoria, ora em outra. Assim, com alternância de equipes, a categoria analisa que continuará competitiva e atraindo os fabricantes.

“Fórmula E e Fórmula 1 são irmãs do mesmo pai, a FIA. As licenças dos dois campeonatos estão muito claras. Eles nunca poderão ser elétricos, e nós nunca poderemos ser de combustão. Eles podem ir a um híbrido, mas essa é uma solução a curto e médio prazo, mas a longo prazo sabemos que a mobilidade será completamente elétrica”, diz Alberto Longo, cofundador da Fórmula E e diretor de competição.

A Fórmula E é uma categoria que usa carros exclusivamente elétricos Foto: Sam Bloxham/ @formulaE

“Nós começamos justamente quando todos esses fabricantes ainda não estavam preparados para os carros elétricos. Então, fomos uma plataforma de entrada para essa tecnologia. É muito natural que agora apareçam novas competições de carros elétricos. É normal que, em uma competição, os fabricantes entrem e saiam. Temos categorias que são primas-irmãs, como o Extreme E (rali com SUVs elétricos)”, afirma Álvaro Buenaventura, diretor da Fórmula E na América Latina.

Para Buenaventura, a ampliação do número de carros elétricos nas ruas das grandes cidades é relevante amostra de que a tecnologia envolvida no desenvolvimento dos monopostos da Fórmula E não tem prazo de validade curto. A expectativa é que novos conceitos sejam explorados na F-E e levados, mais adiante, aos veículos de passeio.

“A mobilidade elétrica já é uma realidade. Por enquanto, as grandes fabricantes do mundo apostam em baterias de lítio, mas depois podem aparecer novas tecnologias, como hidrogênio, grafeno... Vamos ver o que vai acontecer. A realidade é que os grandes fabricantes já mudaram seu foco para a eletromobilidade. Quando plantas importantes, como a do Grupo Volkswagen (conglomerado que tem entre suas marcas Porsche e Audi) e Toyota, já têm toda uma estrutura voltada aos carros elétricos, há uma certeza de que esse conceito não vai acabar em cinco ou dez anos. É uma estrutura montada para durar pelo menos 50 anos”, diz Buenaventura.

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Diretor da pista que será montada no Complexo do Anhembi, em São Paulo, para receber a Fórmula E no dia 25 de março, Guilherme Birello vai ao encontro do que pensa o diretor da categoria. Para ele, há diferenças para além da tecnologia que levam uma montadora a escolher a Fórmula 1 em vez da Fórmula E, como exposição da marca, por meio de publicidade e marketing.

“As estratégias que levam uma equipe estar na Fórmula 1 ou na Fórmula E são distintas. A eletromobilidade é uma realidade, não mais promessa. A opção imediata de transição energética que nós temos da combustão é a mobilidade elétrica. O maior ensaio tecnológico da indústria automobilística é inevitavelmente a Fórmula E. Penso que a decisão de sair da F-E para a F-1 seja por outras razões”, argumenta Birello.

MISSÃO SUSTENTÁVEL

Desde sua estreia, a Fórmula E já teve Audi, Penske, BMW, Venturi, Renault, Andretti e Virgin entre suas fornecedoras de motores. O fato de a categoria ser exclusivamente elétrica, anulando a emissão de carbono líquido, com plantio de árvores e reciclagem de materiais, por exemplo, é um atrativo.

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Assim, a F-E se apresenta como um formato sustentável desde seu lançamento, como a única competição automobilística que possui certificação de eventos sustentáveis pela SGS, empresa especializada em sustentabilidade. A iniciativa tem como objetivo estabelecer um parâmetro para outras categorias do esporte a motor, aumentando as responsabilidades referentes à proteção ambiental, além da inclusão social e da prosperidade econômica nas sedes dos eventos.

“Há dez anos, sustentabilidade era um pressuposto residual do departamento de marketing, como responsabilidade social e corporativa, agora não mais. Os pilares mais importantes das empresas giram em torno de temas desse tipo. Vimos como no início da Fórmula E (em 2014), governos e marcas (patrocinadores) tiveram um interesse muito grande. Depois, foi efeito dominó: pilotos, fabricantes de carros, contratos de televisão”, conta Buenaventura.

Ex-Fórmula 1, Lucas di Grassi é um dos dois brasileiros em ação na Fórmula E Foto: Adam Pigott/ Spacesuit Media

A Fórmula E assinou em 2017 uma carta com uma série de compromissos ambientais e sociais com a WWF, ONG especializada na preservação da natureza. A organização, que segue um padrão de relatório internacional da Global Reporting Initiative, também se comprometeu com a UNFCCC Climate Neutral Now, convenção da Organização das Nações Unidas sobre as mudanças climáticas, cujo objetivo é neutralizar as emissões de poluentes do planeta ainda neste século.

Até 2030, a intenção da Fórmula E é reduzir em 45% as emissões de poluentes. Em apoio à campanha Race to Zero da ONU, a categoria firmou também seus objetivos sustentáveis junto à União Europeia.

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ELÉTRICOS x COMBUSTÃO

O Climate Group, associação sem fins lucrativos, tem na Fórmula E um de seus embaixadores na missão de encontrar empresas comprometidas com a mudança da motorização a combustão para elétrica e ceder espaço a elas nas grandes cadeias industriais.

Ao lado da SandSi, organização cujo foco é incorporar ao meio esportivo a ideia de sustentabilidade, ajudou a abrir os olhos do mundo do automobilismo para uma necessidade global. A preservação ambiental passa pela colaboração de entidades relevantes, e o esporte é um porta-voz único, capaz de conversas com camadas sociais e etárias distintas em cada uma de suas modalidades.

O automobilismo é usado comumente como laboratórios das grandes marcas para implementar nas ruas ideias inovadoras testadas inicialmente nas pistas. O câmbio semiautomático, por exemplo, teve origem na Fórmula 1 na década de 1980, com a troca de marchas feita em um câmbio borboleta, nas laterais do volante.

“Somos o laboratório tecnológico que era a Fórmula 1 há 60 anos. O cinto de segurança, o sistema de refrigeração líquido, o freio ABS, tudo isso que se implementou nos carros de rua vieram da competição, da Fórmula 1″, relembra Buenaventura. “Agora, toda a tecnologia em volta da mobilidade elétrica ainda está engatinhando. Queremos baixar o peso das baterias, aumentar a autonomia e a recuperação de energia por meio do sistema de frenagem. Tem muitas coisas a se fazer. E todas estão em andamento na Fórmula E. Podemos comparar os carros da F-E de 2014 e de 2023, são completamente diferentes”.

Outra invenção mais simples também começou nas pistas de corrida: o espelho retrovisor. O item foi utilizado pela primeira vez na edição inaugural das 500 milhas de Indianápolis, em 1911, e aos poucos foi sendo incorporado nos veículos de passeio e hoje são obrigatórios em qualquer carro.

Diante dos pormenores que compõem um regulamento de campeonato de esporte a motor, grandes marcas multinacionais observam com lupa como podem usufruir daquela competição para desenvolver melhorias que serão aplicadas futuramente no setor que mais lhe traz lucro: a venda de automóveis. “Seria negativo se na Fórmula E saíssem montadoras e não entrassem outras. Mas temos a Maserati, McLaren e conversas em andamento com mais dois ou três fabricantes. É um movimento comum”, analisa Buenaventura.

Com os investimentos, patrocínio e espaço para testar novidades, as empresas passam a se interessar em determinada categoria. Foi o que aconteceu favoravelmente com a Fórmula E desde sua origem e o que tornou a Fórmula 1, antagonicamente, um núcleo pouco interessante nesse mesmo período. Cabe à Fórmula E se manter competitiva sob o aspecto regulamentar para seguir atrativa para o desenvolvimento de tecnologias que tenham a sustentabilidade como pilar.

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