Verônica Hipólito usava um par de meias coloridas com a frase “Lute pela grandeza” em sua última sessão de radioterapia, em janeiro deste ano. A atleta paralímpica, multicampeã a nível nacional e internacional, lutava desde o fim do ano passado contra a volta de um tumor no cérebro e precisou passar por muitas sessões de radioterapia, sem nunca ter parado de treinar. Nos últimos meses, ela apresentou melhora de saúde, voltou a competir no meeting paralímpico de Goiânia, em outubro, e conseguiu um tempo que a colocou no top 8 mundial.
“Senti um frio na barriga que não senti na minha primeira competição. As competidoras me olhavam com respeito e eu olhava de volta com medo. Tinha gente dizendo que eu não conseguiria por vários motivos. Outros falavam “Ela volta, ela sempre volta”, conta ao Estadão.
Mas todo o período de tratamento e recuperação até voltar às pistas foi delicado. Durante o tratamento, ela entrou em depressão e precisou contar com ajuda de amigos e da terapia para dar a volta por cima. O técnico Amauri Veríssimo não aliviou em nenhum momento nos treinos. No quarto de Verônica, uma caixinha em que guarda vários remédios faz parte do seu dia a dia.
Ela tinha expectativa de disputar a Paralimpíada de Tóquio no ano passado, mas ficou fora da competição por conta do tumor e atuou como comentarista da competição no canal Sportv recebendo elogios nas redes sociais. Verônica é campeã mundial, sete vezes medalhista parapanamericana e vice-campeã paralímpica e não quer ser lembrada apenas pelos dramas médicos que superou ao longo da vida, mas principalmente pelos grandes feitos no esporte.
Ela exala carisma e leveza ao compartilhar sua história de resiliência, mas também mostra a mentalidade competitiva de uma paratleta vencedora no esporte de alto rendimento. “Tive a reincidência do tumor lá de 2019, operei 2017 e 2018, perdi praticamente a hipófise, descobri uma doença raríssima, precisei entrar em cirurgia, achei que seria rápida a recuperação. Mas aprendi mais ainda sobre resiliência e paciência. Voltei a me sentir um pouco melhor em junho deste ano. De agosto pra cá, venho melhorando”, diz a medalhista de prata (100 metros) e bronze (400 metros) na categoria T38 na Paralimpíada do Rio, em 2016. Em 2019, ela precisou ser reclassificada para a classe T37 para atletas com um comprometimento físico maior.
Imunossuprimida, ela faz uso de corticóides – e precisará para o resto da vida – para melhorar a imunidade, mas o tratamento transformou seu corpo. “Eu era muito magra, lutava para ganhar massa muscular. De repente, em menos de 10 dias, eu estava com 20kg a mais sem ter comido por isso, com pessoas me julgando pelo meu corpo”, conta.
“Eu ficava triste porque estava engordando muito. Eu escutava ataques pessoais. Sofri ataques gordofóbicos, mas tive grande apoio de amigos e ajuda da terapia. Foi dolorido o processo de se adaptar ao novo corpo, mas ele está com cicatrizes hoje por causa das cirurgias e eu acho lindo. Elas contam parte da minha história e toda a resiliência que eu tive”.
Mentalidade competitiva e pensamento no coletivo
Verônica vai competir no meeting paralímpico de São Paulo no início de dezembro e a expectativa é conseguir um tempo que a coloque de volta no top3 mundial. Esses eventos não são competições-alvo, mas podem servir de base para os torneios importantes. Ela ainda quer fazer ajustes para entrar forte no Mundial e também no Parapanamericano em Santiago, no Chile, em novembro de 2023. “Preciso melhorar a saída, mas tem sido uma coisa muito difícil para mim. Não era um problema antes da cirurgia. Preciso ganhar resistência de velocidade”, explica.
A recordista hoje é colombiana, então o Parapanamericano vai ser uma prévia da Paralimpíada. Quero defender meus títulos no Parapan e no Mundial. Tenho várias medalhas e recordes no Brasil e fora, mas me falta o ouro na Paralimpíada.
A medalhista paralímpica está sem o auxílio do Bolsa-Atleta, mas acredita que vai recuperar o benefício por conta de estar de volta ao top-8 do ranking mundial. “Hoje eu tenho o Time São Paulo, bolsa-patrocínio do Estado de São Paulo junto ao Comitê Paralímpico Brasileiro e a ajuda dos meus patrocinadores, que continuaram comigo mesmo após o baque de saúde. É caro se manter”.
Verônica também não para de correr fora das pistas. Além das duras sessões de treino, ela divide o seu tempo com os estudos em Ciências Econômicas na UFABC e vai integrar o grupo técnico de transição do Governo Federal na pasta do Esporte ao lado de nomes como a ex-atleta de vôlei Ana Moser e o ex-jogador de futebol Raí. Ela reforça a importância do esporte como ferramenta de inclusão e transformação social.
“Quando me ligaram me convidando, não pensei duas vezes em aceitar. Foi a primeira vez que um grupo paralímpico foi chamado para um grupo de transição do governo federal. Fui muito procurada por pessoas que enviaram sugestões e até teses, se oferecendo para ajudar. Pretendo fazer algo transparente e pensando no coletivo, de todas as áreas. Vamos falar do Sistema Único do Esporte, da Universidade do Esporte, do Bolsa Atleta, políticas públicas na área e resgatar o esporte escolar”.
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