O Conselho de Ética do Comitê Olímpico do Brasil (CECOB) ganhou notoriedade nas últimas semanas por ser o órgão responsável pelo julgamento de Wallace, do Sada Cruzeiro, pela postagem feita pelo atleta sobre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, sugerindo um ‘tiro na cara’ do petista. Em entrevista exclusiva ao Estadão, Joanna Maranhão e Sami Arap, integrantes do CECOB, explicaram o processo dentro do órgão desde o início até o pós julgamento.
Os caminhos levam para algumas possibilidades após o julgamento. Wallace pode ser acusado de incitação ao crime e pegar até seis meses de condenação ou multa. Pode ser banido do esporte. Ele já não defende mais a seleção brasileira, mas tem seu contrato vinculado ao Cruzeiro. Esses andamentos são posteriores à decisão do CECOB e aos recursos. Ele pode ser absolvido e voltar a jogar também. As informações são sigilosas no processo. A AGU (Advocacia-Geral da União), no comunicado que originou todo o processo, pede banimento do esporte e multa de R$ 100 mil, que é o valor máximo.
“Posso dizer que, mesmo sendo presidente do CECOB atualmente, não faço parte do julgamento do Wallace. Por conta de uma opinião dada nas redes sociais antes do caso chegar para o Conselho de ética, eu me declarei impedida de participar do julgamento e estou presenciando apenas como ouvinte, que é o que consta nas publicações. Penso que, dentro de um limite, um atleta pode se manifestar politicamente como qualquer cidadão. As pessoas esquecem, mas o profissional do desporto no alto rendimento é uma pessoa como qualquer outra”, disse Joanna Maranhão.
A ex-atleta da natação brasileira assumiu o cargo de presidente do CECOB no último mês, respeitando a regra de alternância prevista no regimento interno do órgão. De acordo com Joanna, independentemente da reação que teve nas redes sociais, a ideia de se declarar impedida já existia. Em suas páginas, ela sugeriu que Wallace fosse punido pela publicação antes de assumir o posto atual no COB.
“Não temos controle do que será passado para a CECOB para análise e julgamento. Os casos chegam através da ouvidoria e do compliance officer do COB e são passados para nós após análise deles. Independentemente da minha posição política como cidadã, já cogitava a ideia de, se o caso chegasse para nós, me declarar impedida para fazer com que a decisão do CECOB não ficasse sendo visto como parcial nestes tempos de bipolaridade”, comentou a presidente do órgão.
Entenda o caso Wallace e o trâmite
Após a postagem sobre o presidente Lula, a Advocacia Geral da União (AGU) solicitou abertura de processo contra Wallace e o jogador foi suspenso por 30 dias pelo Comitê Olímpico Brasileiro após decisão de um dos conselheiros do órgão. Após isso, a decisão prévia foi acatada pelos demais integrantes não impedidos no caso e Wallace teve a suspensão prorrogada por mais 30 dias até o julgamento.
“Em todas as denúncias que o CECOB recebe, o presidente precisa designar um conselheiro-relator. No caso do Wallace, o conselheiro relator, que foi quem deu a primeira decisão, foi Ney Bello. De acordo com o regimento do CECOB, existe um rodízio entre todos os membros, que leva em conta a quantidade de votos que cada um recebeu na eleição, e neste momento estava na vez do Ney. Apenas por isso ele foi escolhido como conselheiro-relator do caso por Joanna Maranhão, que é a presidente”, explixou Sami Arap.
“O Ney Bello optou por uma suspensão de 30 dias em um primeiro momento em decisão monocrática preliminar após a defesa ter o tempo para se posicionar. Depois disso, a decisão foi aberta para os outros conselheiros do colegiado e eles acataram a decisão do Ney, mantendo o atleta suspenso por mais 30 dias até o julgamento, que ocorre até o fim deste mês. A razão de se ter o julgamento do Wallace em até 60 dias também é porque isso consta no regimento interno do CECOB. Lá fala que todos os casos, sem exceção, precisam ser julgados em até 60 dias”, explicou Sami Arap.
Questionado pela reportagem do Estadão se a decisão do STJD do vôlei de se considerar incompetente para julgar o caso de Wallace interferia no processo feito pelo CECOB, Sami explicou as diferenças entre os dois processos de julgamentos.
“A decisão deles não interfere de maneira nenhuma porque são esferas diferentes. O STJD julga acontecimentos que ocorrem durante uma partida ou competição esportiva. O caso em questão não aconteceu durante um evento esportivo e, ao meu ver, eles se colocarem como incompetentes é o mais correto. Nós do CECOB, temos a possibilidade de julgar o que acontece antes, durante, depois e fora do ambiente de competição”, justificou o conselheiro.
O que pode acontecer após o julgamento
O julgamento de Wallace no CECOB pode não ter uma decisão final sobre o futuro do jogador. Caso não aceite o resultado do julgamento, o atleta e sua defesa podem recorrer em duas instâncias ainda, uma no Brasil e outra no exterior.
“Caso o resultado final divulgado pelo CECOB no caso não seja aceito pela defesa do Wallace, ele poderá entrar com recurso, como qualquer outro caso que nós julgamos. O primeiro lugar é uma corte arbitral, que fica no Rio, e ela vai julgar a decisão e os fundamentos do CECOB. O outro é na Suíça, no tribunal do esporte. Mas na Suíça eles vão definir sobre o que a corte do Rio decidiu”, comentou Sami.
O que é, quem participa e como trabalha o CECOB?
O CECOB é um órgão dentro do Comitê Olímpico do Brasil (COB), mas é totalmente independente e seus integrantes são eleitos através de votação pelas confederações, atletas votantes e membros brasileiros do Comitê Olímpico Internacional na assembleia geral do COB. No momento, o órgão é formado por Joanna Maranhão, Sami Arap, Ney Bello, Guilherme Faria da Silva e Humberto Panzetti.
“Precisamos deixar claro que o CECOB é composto por pessoas eleitas e não indicadas, isso é extremamente importante que fique claro. Para evitar qualquer questão de politicagem esportiva, os cinco representantes que participam da formação foram eleitos. Isso é importante, pois o CECOB julga casos que podem envolver presidentes de confederações, diretores ou até mesmo membros do próprio Comitê Olímpico. Se existisse um processo de indicação para a vaga, isso poderia atrapalhar ou interferir nas decisões. Aqui não temos isso”, disse o conselheiro da CECOB.
Diferentemente do que acontece em outros lugares do mundo desportivo, o Conselho de Ética do COB não consegue tomar ciência de algo, de um problema, e já seguir com a análise e, posteriormente, o julgamento. Na explicação de Sami Arap, os integrantes do CECOB precisam aguardar que a situação seja reclamada para que só posteriormente o órgão comece seu passo a passo.
“A gente precisa aguardar que os casos cheguem para o COB através da ouvidoria da entidade ou do compliance officer. Depois, o Comitê faz uma análise com base nos documentos e nas provas, para verificar se a denúncia tem fundamento, e só depois disso é passado para a CECOB analisar”.
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