Possibilidade que era dada como certa desde o início da temporada, Renault e Mercedes anunciaram hoje que a partir de 2026 os carros da equipe Alpine de F-1 usarão o trem de força da marca alemã. Além de motor e câmbio, o pacote inclui a suspensão traseira e o acordo é válido por cinco anos. Pode-se dizer que o time francês herda o contrato atualmente em vigor entre a Aston Martin e a casa de Stuttgart, acordo que será encerrado ao final de 2025; a partir de então o time controlado por Lawrence Stroll passará a usar motores Honda.
A adoção de motores Mercedes pela Alpine pode ir muito além: comenta-se na F-1 que a Renault estaria preparando o time para vende-lo em breve. Tal especulação é anabolizada pelo fato de a marca francesa ter interrompido seu programa de desenvolver seus próprios motores de F-1, área que os franceses de Viry-Châtillon dominaram com louvor durante anos ao conquistar inúmeros títulos. Também pesa o fato de que durante muito tempo o modelo ideal de uma equipe de F-1 é ter um provedor exclusivo de motor, dogma enfraquecido com a imposição de um teto de gastos por temporada. Alugar motores a outras equipes tornou-se uma fonte de renda importante para nomes como Ferrari (fornece para a Haas e Sauber), Honda (web Bull e RB) e Mercedes (Aston Martin, McLaren e Williams).
A redução de custos da Alpine vai além do fim de seu programa de motores próprios. Desde a chegada de Flávio Briatore como conselheiro acontece uma revisão que abrange o número de funcionários e terceirizados. Consta que apenas nas áreas de marketing e comunicação já foram demitidos seis profissionais. Tal cartilha é característica de Briatore: entrevistado por este colunista quando assumiu a Benetton em 1988 - cortesia de sua ligação estreita com Luciano Benetton -, ele declarou que "se as contas não fecham, você deve cortar custos e aumentar faturamento". Sob seu comando a equipe cresceu e foi incorporada pela Renault.
Os poderes de persuasão de Flávio Briatore serão novamente colocados à prova em breve: o principal patrocinador da Alpine junto com Otmar Szafnauer, romeno naturalizado estadunidense, no início de 2022. Quando o engenheiro deixou a equipe Racing Point (embrião da atual Aston Martin), a BTW (empresa alemã dedicada a equipamentos de purificação de água) seguiu o engenheiro que assumiu o comando da Alpine um mês depois. Manter esse patrocínio pode reforçar o poder de Briatore tanto quanto perdê-lo significará uma derrota.
A possível venda da Alpine ganha cores ainda mais fortes diante de mudanças no Acordo de Concórdia a ser implementadas a partir de 2026. A valorização extrema que a F-1 vive desde que seus direitos comerciais foram assumidos pela Liberty Media implica em cobrança das equipes por maior participação nos lucros do negócio, algo também buscado pela Federação Internacional do Automóvel (FIA), a proprietária do campeonato. Nos últimos anos o valor de mercado de uma equipe de F-1 passou de centenas de milhões de dólares para mais de um bilhão da moeda estadunidense. Com o novo acordo esse valor deverá subir substancialmente.
Atualmente a propriedade de uma equipe de F-1 deixou de ter um único titular para ser compartilhada por fundos de investimento e instituições similares que se associam ao grupo que administra e opera o time. A própria Audi, que estreará oficialmente na categoria em 2026 e que na semana passada contratou o brasileiro Gabriel Bortoleto, está prestes a ceder uma participação significativa do seu programa de F-1 ao Fundo de Investimento Soberano do Qatar. Muito além de significar dinheiro em caixa, a operação diminui a pressão que a marca sofre em decorrência do mau desempenho do Grupo Volkswagen, fato que já determinou o fechamento de três fábricas.
Candidatos à compra da Alpine não faltam e incluem as famílias Andretti e Mazepin. A primeira teve seu pedido de inscrição na F-1 rejeitado pela Liberty Media com apoio das equipes inscritas; a segunda tentou comprar a Force India (que acabou nas mãos de Lawrence Stroll), e viu frustrada sua trajetória de assumir a Haas quando o governo dos EUA decretou o embargo de relações comerciais com a Rússia após o país ter invadido a Ucrânia.
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