A principal notícia da F-1 nos últimos dias foi o anúncio do acordo de colaboração técnica entre a equipe norte-americana Haas e o fabricante de automóveis japonês Toyota. As diferenças entre ambos não se limitam às próprias culturas, finalidades e modus operandi, mas ainda assim é possível encontrar um ponto comum num horizonte ainda distante. Para uma equipe que experimentou um processo que a transformou de altamente promissora a apenas mais uma equipe no grid da categoria, a novidade abre desafios e possibilidades variadas.
Antes da Haas estrear na F-1, no GP da Austrália de 2016, a equipe fundada e mantida pelo empresário estadunidense Gene Haas - fabricante de máquinas extremamente automatizadas e sofisticadas para diversos tipos de indústrias -, competia entre as melhores equipe da Nascar, a categoria mais popular do automobilismo norte-americano. Também antes disso, a Toyota já tinha marcado presença na mesa F-1 com um projeto marcado pelo excesso de recursos e déficit absoluto de resultados. O saldo desse investimento é a comprovação que o capital pode comprar tudo, exceto a garantia que o resultado será diretamente proporcional.
O passado da Toyota antes desse projeto inclui uma página nefasta, quando foi descoberto que os seus carros inscritos no Campeonato Mundial de Rally tinham um motor que burlava o regulamento em uma época em que a categoria desfrutava um marcante período de crescimento. Em meio ao processo instaurado pela FIA a marca japonesa anunciou um inesperado projeto de F-1, o que levou muitos a considerar que o a decisão era parte de um acordo não revelado publicamente. Tal como aconteceu com o crescimento de outras categorias, a habilidade política de Bernie Ecclestone e seu parceiro Max Mosley encontrava maneiras de evitar que o sucesso de outras modalidades pudesse prejudicar a F-1. O projeto não deu certo e a casa japonesa optou por dedicar suas instalações na Alemanha para um programa voltado aos protótipos admitidos no Campeonato Mundial de Endurance.
Por seu lado, a Haas desenvolveu um caminho até então não explorado por outras equipes de F-1 e desembarcou na categoria explorando ao máximo o conceito de terceirização. Seus carros têm motor, câmbio e outros sistemas fornecidos pela Ferrari, o chassi é projetado e construído pela Dallara. Tal solução permite que a Ferrari utilize o time norte-americano em aspectos econômicos, estratégicos e fiscais. O investimento de Maranello para o projeto, construção e desenvolvimento do trem de força é diluído com o pagamento do aluguel desse equipamento. A Ferrari pode desenvolver produtos e pilotos através da Haas: o inglês Oliver Bearman, aposta da Ferrari para o período pós Hamilton/Leclerc vai pilotar para a Haas no ano que vem. Além de pilotos a equipe também absorve técnicos e engenheiros enviados pelo provedor italiano. O limite do teto de gastos que as equipes devem respeitar pode ser contornado com programas de desenvolvimento que a marca italiana pode realizar tanto na Haas quanto na Sauber, que também usa motor e câmbio fabricados na província de Modena.
Mesmo com todas essas possiblidades, o orçamento da Haas ainda é bem menor que os das grandes equipes e aqui começa-se a enxergar como a Toyota poderá ajudar o time dos EUA. O departamento de competições que os japoneses mantem na cidade de Colonia é referência no meio e conta com um túnel de vento. Esse detalhe sugere certo grau de dificuldades logísticas: o endereço fiscal da Haas fica em Kannapolis, na Carolina do Norte (EUA), a equipe de F-1tem sua base em Banbury, próximo a Silverstone (Inglaterra), o departamento de projetos tem um escritório junto à fábrica da Ferrari e boa parte do carro é fabricado na Dallara, que está em Varano de' Melegari, província de Parma...
A Dallara certamente tem nada contra a associação da Haas com a Toyota, mas Frédéric Vasseur, o diretor da Ferrari para a F-1, já deixou claro que limites deverão ser estabelecidos. Sabiamente, o seu par na Haas, Ayao Komatsu, já deixou claro que a benção italiana é fundamental, demonstração inequívoca da etiqueta japonesa. Certamente os japoneses vão querer descobrir segredos italianos...
A Toyota já anunciou não ter planos de construir um motor ou montar uma equipe de F-1 no seu radar, uma sutil maneira que em algum momento isso pode mudar e existe uma razão importante para tanto. A fábrica japonesa é uma das raras que não enveredou pelo caminho de focar sua produção em carros elétricos, ao contrário, desenvolve modelos híbridos, o que vai de encontro à regulamentação atual da categoria, que a partir de 2026 terá motores que vão gerar potência em porcentagens iguais de seus motores elétricos e térmicos. Quem sabe é daí que o radar japonês vai rastrear uma esperada mudança de rumo. ~ão custa lembrar que Akyo Toyoda, presidente da Toyota, é fanático por corridas e, inclusive participa de algumas como piloto.
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