Não é verdade que exista cura para o Alzheimer, diferentemente do que diz médico em vídeo viral

Especialistas e organizações de saúde esclarecem que a doença é progressiva e irreversível; não há evidências científicas de que dietas possam curar pacientes com o transtorno; médico não respondeu contato da reportagem

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Foto do author Giovana Frioli
Atualização:

O que estão compartilhando: postagem compartilha trecho de entrevista em que médico comenta sobre o aumento dos diagnósticos de Alzheimer e diz que “hoje em dia é possível curar a doença”. Em sequência, o doutor afirma que é necessário “alimentar o cérebro” com “leite materno, óleo de coco e gemas de ovos”.

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O Estadão Verifica checou e concluiu que: é falso porque não existe cura para o Alzheimer, de acordo com a Associação Brasileira de Alzheimer (ABRAz), a Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG) e entidades internacionais. Os geriatras Leonardo Oliva e Celene Pinheiro explicam que a doença é progressiva e irreversível. Os sintomas podem ser controlados com tratamentos multidisciplinares e medicamentos.

Segundo os especialistas, a alimentação saudável pode ser benéfica na prevenção de problemas relacionados à memória, como o Alzheimer, e na promoção da saúde cerebral. Entretanto, não há evidências científicas de que uma dieta possa curar o transtorno neurodegenerativo. A reportagem tentou contato com o médico responsável pelas alegações, mas não obteve retorno.

Não é verdadeiro que exista cura para o Alzheimer, diferentemente do que diz médico em vídeo viral Foto: Redes Sociais/Reprodução

Saiba mais: Postagens nas redes sociais reproduzem trecho de uma entrevista em que o médico Lair Ribeiro diz que há cura para o Alzheimer e comenta, em seguida, sobre alimentos que contribuíram para o cérebro. A informação é refutada por especialistas da ABRAz, SBGG e por entidades internacionais, como a Associação de Alzheimer, que afirmam não haver nenhuma cura para a doença até o momento.

Os conteúdos recortam partes de uma conversa sobre saúde de Ribeiro com Leda Nagle em 16 de novembro de 2023. Durante a entrevista, a jornalista pergunta sobre “alternativas” para impedir a doença e o médico responde que “hoje em dia é possível curar o Alzheimer”, aos 41 minutos e 28 segundos do vídeo. “É possível? Como assim?”, questiona Nagle. “Sim, é possível”, reafirma ele. O trecho passou a ser reproduzido no Facebook como uma promessa de recuperação completa aos pacientes, o que não é comprovado cientificamente.

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Não existe cura para o Alzheimer, mas há tratamento

O Alzheimer é um transtorno neurodegenerativo progressivo que deteriora as funções cognitivas, comprometendo a memória, pensamento e comportamento. Como informa o Ministério da Saúde, há tratamentos que contribuem para a manutenção da qualidade de vida do paciente, mas a doença ainda é sem cura. A organização internacional Alzheimer’s Association, em inglês, também esclarece em seu site que não há uma cura, e sim opções que ajudam a lidar com os sintomas.

A geriatra Celene Pinheiro, presidente da ABRAz, explica que “existem aspectos relacionados à prevenção dessa doença, o que é confirmado por grupos de estudos no mundo todo. Infelizmente, não temos cura”. Segundo o médico Leonardo Oliva, da SBGG, o diagnóstico do Alzheimer está crescendo com o envelhecimento da população, que é o principal fator de risco, porém não há uma resolução definitiva.

“Como é uma doença estigmatizada, que causa sofrimento ao paciente e seus familiares, ficamos muito suscetíveis a qualquer informação que prometa a cura, mas isso não é verdade”, afirmou. “Todos nós profissionais estamos em busca disso e há pesquisas científicas nesse sentido, mas ainda não há nada que acabe com esse transtorno”.

Os especialistas apontam que o diagnóstico precoce e o tratamento adequado são os caminhos recomendados para o declínio da progressão da doença. “Quanto antes tivermos a identificação do Alzheimer, melhor”, afirmou Celene. “Assim, conseguimos iniciar os cuidados com mais agilidade, o que ajuda a manter a qualidade de vida e uma dignidade maior para o paciente”.

Os medicamentos são uma das estratégias para lidar com o transtorno, estimulando uma substância no cérebro que regula a memória e o aprendizado. “Os fármacos aumentam a acetilcolina no cérebro, que tende a faltar durante o Alzheimer”, explicou Oliva. “Isso não reverte o problema, mas contribui para estabilizar ou diminuir seus efeitos”.

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“Os remédios não impedem que a pessoa continue esquecendo, isso deve estar alinhado às expectativas dos familiares”, lembrou Celene. “Eles possibilitam uma piora mais lenta no quadro, o que mantém a pessoa funcional e as habilidades básicas de cuidado e comunicação”.

No Brasil, o Sistema Único de Saúde oferece tratamento multidisciplinar e gratuito para os pacientes e medicamentos que possibilitam o alívio dos sintomas. Na última terça-feira, 4, foi sancionada a Lei para Cuidado Integral às Pessoas com Alzheimer e Outras Demências, que estabelece políticas para o reforço da prevenção, diagnóstico, disseminação de informação clínica e apoio de pesquisas sobre a doença. O projeto foi sancionado pelo presidente, após aprovação no Congresso Nacional.

Não há evidências que alimentos curem o Alzheimer

O vídeo analisado ainda recorta um trecho da mesma entrevista em que Lair Ribeiro recomenda a “alimentação do cérebro”, sugerindo uma dieta que poderia proporcionar a cura. Na conversa original, o médico citava as orientações do neurologista Dale Bredesen, que teria regredido o Alzheimer em pacientes com a estratégia. Porém, estudos publicados por revistas de investigação, como Lancet Neurology e Theoretical Medicine and Bioethics, demonstram preocupações e apontam falta de comprovação nas pesquisas do médico norte-americano.

“O Dr. Bredesen, professor da Faculdade de Medicina de Los Angeles, na Califórnia, escreveu um livro dos primeiros cem casos onde ele conseguiu regredir pessoas que não dirigiam mais, voltaram a dirigir, pessoas que não reconheciam os filhos, voltaram a reconhecer”, afirma Ribeiro no vídeo. “Quer dizer, hoje tem uma esperança muito grande nessa área porque você tem quase… Quais são os alimentos para o cérebro? Bom, o primeiro seria o leite materno, o colostro. Claro que no Brasil não, mas lá na Europa eles tem isso no mercado negro”. Ele ainda recomenda o uso da gema do ovo e do óleo de coco na entrevista.

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Apesar de ser citado como professor e membro do Mary S. Easton Center for Alzheimer’s Disease Research, da Universidade da Califórnia, em 2015, não é possível encontrar o nome de Bredesen entre os pesquisadores e docentes atuais do laboratório ou no site da instituição de ensino. Em 2020, a neurologista Joanna Hellmuth, membro da Academia Americana de Neurologia e professora da Universidade da Califórnia em São Francisco (UCSF), publicou que o “Protocolo Bredesen” possui “vários sinais de alerta” e que “as evidências não apoiam a sua alegação de prevenir e reverter o declínio cognitivo de uma doença incurável”.

Segundo estimativas de 2022 da Alzheimer’s Disease International, 50 milhões de pessoas convivem com alguma forma de demência em todo o mundo. Foto: Tiago Queiroz

Ao Estadão Verifica, a presidente da Associação Brasileira de Alzheimer afirma que os alimentos não são capazes de curar a doença. “Há evidências científicas de que dietas podem ajudar a prevenir o Alzheimer, alimentos como peixes, ovos, óleos e vegetais, podem proporcionar nutrientes importantes para o cérebro. Mas isso não é uma cura”, disse Celene. O geriatra Oliva também aponta que “não há evidência científica de nenhum alimento que cura o Alzheimer”.

Segundo a médica, o envelhecimento, condições genéticas, baixa escolaridade, depressão, obesidade, diabetes, traumas cranianos, colesterol alto, tabagismo e outros são fatores de risco para o Alzheimer. “Bons hábitos de vida contribuem na prevenção e também no tratamento da doença. Prática de atividade física, boa qualidade do sono, alimentação adequada, estimulação cognitiva, interação social, tudo isso é importante para o cérebro”, disse.

Uma alimentação saudável pode reduzir o desenvolvimento de problemas relacionados à memória, como o Alzheimer. “Se alimentar bem previne doenças. No caso de uma pessoa que recebeu o diagnóstico também é necessário uma dieta adequada para a manutenção da sua memória e da saúde cerebral. Isso reduz a chance de adoecimento e controla melhor o transtorno, mas nunca a cura”, afirmou o representante da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia.

O colostro humano, citado no vídeo analisado, é a primeira secreção produzida após o parto. Porém, o leite materno não tem permissão de venda no Brasil.

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Afirmações do médico Lair Ribeiro já foram checado em outras ocasiões pelo Estadão Verifica, que mostrou que não há comprovação científica de relação entre retirada da vesícula e enfarte no miocárdio e que é falso que exame de mamografia anual cause câncer de mama. A reportagem tentou contato com o profissional, mas não obteve retorno até a publicação deste texto.

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