O que estão compartilhando: que o “pediatra renomado” David Berger teria alertado que as vacinas contra covid-19 induzem a doença de Alzheimer em crianças. A revelação teria sido descoberta em um estudo da Coreia do Sul, que envolveu 600 mil participantes e relaciona os imunizantes a um aumento do risco de desenvolver a doença.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. A postagem distorce informações expostas no vídeo “Study: COVID Vaccine Associated with Alzheimer Disease” (“Estudo: Vacina contra covid-19 associada à Doença de Alzheimer”, em tradução livre), publicado por David Berger em sua conta no YouTube. Ao Verifica, o médico afirmou que o estudo mencionado não tem nenhuma relação com crianças. Berger explicou também que os resultados sugerem que pode haver uma relação em adultos mais velhos, mas que não há nada comprovado. Ele, inclusive, sinaliza essa informação no vídeo publicado em seu canal.
O material é baseado no estudo “A potential association between COVID-19 vaccination and development of alzheimer’s disease” (Uma potencial associação entre a vacina contra covid-19 e o desenvolvimento da Doença de Alzheimer), publicado por pesquisadores da Coreia do Sul em 2024. A metodologia, contudo, é contestada por especialistas consultados pelo Estadão Verifica. (entenda melhor abaixo).
Saiba mais: Postagem afirma que o pediatra David Berger alertou que vacinas contra a covid-19 causam Alzheimer em crianças. Porém, a informação foi negada pelo próprio médico em nota enviada à reportagem. O conteúdo viral se baseia em um vídeo de Berger sobre uma possível associação dos imunizantes com o desenvolvimento da doença em idosos, a partir de estudo feito na Coreia do Sul. Não há, no entanto, nenhuma comprovação científica de causalidade até o momento.
Estudo mencionado não tem relação com crianças
A pesquisa mencionada foi realizada em Seul, capital da Coreia do Sul, e investiga uma potencial ligação entre a vacinação contra covid-19 e o aumento de incidência de Alzheimer. A metodologia do estudo considerou uma “amostra aleatória de 50% de moradores da cidade [Seul] com 65 anos ou mais, totalizando 558.017 indivíduos”. Portanto, apenas a população idosa foi avaliada.
Ao Verifica, o médico David Berger desmentiu a postagem viral e afirmou que o estudo coreano não tem nenhuma relação com o público infantil. No início do vídeo, o profissional afirma que, apesar de ser pediatra, também comenta assuntos médicos relacionados à população adulta, como é o caso da pesquisa mencionada.
O neurologista Norberto Frota e o psiquiatra Lucas Mella, ambos da diretoria Científica da Associação Brasileira de Alzheimer (ABRAz), afirmam que não há evidências ou relatos da instalação de sintomas da doença de Alzheimer em crianças. Os médicos explicam que a idade avançada é um dos principais fatores de risco para doença de Alzheimer, sendo uma condição típica de idosos e adultos mais velhos.
Como publicou o Estadão Verifica, as vacinas pediátricas usadas no Brasil são capazes de contribuir para prevenção e controle da covid-19, segundo o Ministério da Saúde e a Organização Mundial da Saúde (OMS). Os imunizantes também oferecem proteção contra formas graves da doença e óbitos causados por mutações do vírus.
Pesquisa não comprova ligação de vacinas com Alzheimer
O estudo citado pelo médico norte-americano também não concluiu que há conexão entre os imunizantes e a doença de Alzheimer em idosos. A investigação cita uma possível ligação e defende o desenvolvimento de “mais pesquisas para elucidar a relação entre respostas imunes induzidas por vacinas e processos neurodegenerativos”. Também não há publicações de autoridades de saúde e da comunidade científica confirmando a conexão entre os fatores.
Ainda no vídeo publicado no YouTube, Berger esclareceu que não há provas da associação entre Alzheimer e vacinas. “Não estou dizendo que provamos algo aqui, isso é apenas um estudo. Deve ser ressaltado que, como isso foi feito na Coreia, pode não ser o mesmo para outras populações, etnias e partes do mundo”, explicou. “Quando um estudo sai, temos que reconhecer as limitações e forças dele. Também devemos esperar outras pesquisas antes de tirarmos conclusões finais”, complementou.
A pedido do Verifica, especialistas analisaram o estudo e apontaram que não há provas que sustentem a relação entre vacinas e Alzheimer. A médica Fernanda Grassi, pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), esclarece que é necessário diferenciar o que é associação e causalidade. “Mesmo que duas coisas estejam associadas, isso não significa que uma é a causa da outra. Uma associação pode existir absolutamente devido ao acaso, não ser verdadeira”, diz.
A especialista sinaliza que o estudo ser retrospectivo – ou seja, analisar o passado – prejudica também a sua conclusão. Grassi ressalta que a melhor evidência seria em um estudo longitudinal, que acompanharia o grupo de pessoas ao longo do tempo.
Da mesma forma, o imunologista clínico Jorge Andrade, professor titular da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (FM-UFMG), apontou a metodologia como uma falha de limitação. “Estudos de desenho retrospectivo, ainda que demonstrem associação, não permitem inferir causalidade. Aspecto particularmente importante quando se trata de doença multifatorial, como o Alzheimer”, explicou.
A pesquisadora da Fiocruz ainda aponta que o estudo demonstra fraqueza metodológica porque o número de pessoas vacinadas é maior do que aquelas que não receberam o imunizante, o que influencia os resultados obtidos. Os dados que mostram a probabilidade de associação entre a vacina e o Alzheimer também são baixos, de acordo com Fernanda. “Não existe uma plausibilidade que possa explicar que uma pessoa que tomou a vacina de mRNA, que se degrada rapidamente, desenvolva Alzheimer. Não tem estudo experimental que evidencie isso”, disse.
Os médicos Norberto Frota e Lucas Mella também contestaram a conclusão. De acordo com os especialistas, os métodos utilizados não são adequados para estabelecer a relação entre a vacina e a doença. O neurologista e o psiquiatra ressaltam ainda que o estudo ocorreu por um curto período de tempo, de apenas três meses, enquanto a doença de Alzheimer e o comprometimento cognitivo leve levam anos para se instalar.
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Frota e Mella destacam que o trabalho pode apenas sugerir uma possível associação, mas que ela deve ser estudada com métodos mais adequados para elaborar relações causais. Assim, seria preciso realizar estudos básicos com modelos animais e até estudos clínicos, com seres humanos. “Não há, até o momento, qualquer evidência científica que permita afirmar com embasamento uma relação entre imunizantes e doença de Alzheimer”, disseram os pesquisadores.
A instituição Alzheimer’s Society já afirmou que, atualmente, não existem evidências de que as vacinas contra covid-19 potencializam o desenvolvimento de demência em pessoas sem predisposição. O Ministério da Saúde também desmentiu essa alegação em 2023. Em nota, a pasta informou que os imunizantes administrados em idosos podem, inclusive, reduzir o risco da doença. Ainda durante a pandemia, o Butantan apontou que doenças neurodegenerativas são fatores de risco para pessoas infectadas pela covid-19.
Como lidar com postagens do tipo: É comum que publicações espalhem desinformações sobre vacinas nas redes sociais. Neste caso, um estudo foi retirado de contexto para instigar pânico sobre a imunização de crianças contra a covid-19. Antes de acreditar, é necessário consultar as fontes completas a fim de checar as alegações e procurar por informações confiáveis publicadas por autoridades de saúde. O Estadão Verifica checou que não é verdadeiro que dietas possam curar o Alzheimer.
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