Vídeo manipula imagens de Ana Maria, Fábio Júnior e Cid Moreira para vender colírio sem registro

Conteúdo usa inteligência artificial para adulterar falas de famosos; Conselho de Oftalmologia não indica uso de produtos sem recomendação médica

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O que estão compartilhando: um vídeo em que o cantor Fábio Júnior, a apresentadora Ana Maria Braga e o apresentador Cid Moreira divulgam o Cury Vision, um produto para tratamento oftalmológico.

O Estadão Verifica apurou e concluiu que: é falso. As imagens e as vozes dos famosos foram manipuladas com recursos de inteligência artificial para fazer parecer que eles teriam divulgado o produto. Vale ressaltar que Cid Moreira morreu em outubro de 2024. O Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO) recomendou que as pessoas não comprem colírios para o tratamento de doenças oculares que não tenham sido devidamente prescritos por um médico. O colírio anunciado no vídeo não tem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

É falso que famosos tenham feito propaganda de colírio natural que trata qualquer problema de visão. Foto: Reprodução/Facebook

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Saiba mais: Circula no Facebook um vídeo que utiliza a imagem de pessoas famosas para promover um produto oftalmológico. O conteúdo começa mostrando o cantor Fábio Júnior. Uma voz que se assemelha à dele diz: “tome isso por sete dias e esqueça qualquer problema de visão”. A imagem dele sai de cena e entra a da apresentadora Ana Maria Braga. Ela supostamente teria dito que estava satisfeita com um “tratamento para as vistas” indicado por Cid Moreira. Os segundos finais do vídeo mostram Moreira. Em dado momento, uma voz semelhante à dele revela que o produto para tratamento ocular chama-se Cury Vison.

O Estadão Verifica submeteu o vídeo à avaliação da ferramenta de detecção de inteligência artificial Hiya/Invid. O resultado dá indícios de que os rostos dos famosos foram manipulados por IA. Outra ferramenta, a TrueMedia, também apontou “evidências substanciais” de manipulação.

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A assessoria do cantor Fábio Jr confirmou que ele não fez nenhuma propaganda para o produto Cury Vision. A assessoria de Ana Maria Braga foi procurada, mas não retornou.

Vídeo falso usou trechos de entrevistas

Como explicou o Projeto Comprova, para criar deepfakes, é preciso ter acesso a arquivos verdadeiros — fotos, vídeos ou áudios — da pessoa alvo da manipulação, que servem para alimentar o sistema da inteligência artificial. O autor do vídeo falso usou trechos de entrevistas dos famosos para forjar o conteúdo.

No caso de Fábio Jr, o vídeo original foi um bate papo publicado no YouTube em outubro de 2023. Para manipular a fala de Ana Maria Braga, foi extraído um trecho da participação da apresentadora no podcast Podpah, postado em junho de 2024. O trecho de Cid Moreira foi retirado do programa Podpeople, publicado em outubro de 2023. Nos vídeos originais, os famosos não proferem em momento nenhum as frases que supostamente teriam dito no vídeo falso.

Autor do vídeo falso usou trechos de entrevistas dos famosos para forjar o conteúdo. Foto: Reprodução/Facebook e Youtube

Além de manipular as falas dos famosos, o autor do vídeo forjou manchetes do portal g1 para fazer parecer que o suposto medicamento teria sido tema de notícias. Uma busca dentro do portal mostrou que não há matérias sobre o Cury Vison.

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Vídeo comete violações jurídicas

A pedido do Verifica, os advogados especialistas em direito digital Bruno Petillo de Castro Boscatti e Leticia Antunes Zanocco, ambos do escritório Boscatti Advogados, listaram os problemas jurídicos implicados no uso de deepfake para venda de supostos produtos oftalmológicos ou farmacêuticos.

Na avaliação deles, o vídeo fere o Código de Defesa do Consumidor, ao praticar publicidade ilegal e enganosa (Artigo 37) e colocar em risco a saúde e segurança do consumidor (Artigo 68); viola o Código Civil ao lucrar com a venda de produtos usando indevidamente o rosto e a voz de terceiros, sem remuneração ou autorização (Artigo 884); e incide em charlatanismo, ao vender um tratamento a saúde “infalível”, um crime previsto no Artigo 283 do Código Penal.

Eles explicam que, devido ao avanço das inteligências artificiais, é natural que a legislação precise se adequar ao avanço tecnológico. Nesse sentido, citam o Projeto de Lei n° 2.630/2020, mais conhecido como Lei das Fake News, que aguarda para ser votado na Câmara dos Deputados. No artigo 5°, parágrafo 3°, o PL determina que as plataformas de redes sociais, como o Facebook (onde o vídeo do Cury Vision está circulando), melhorem as proteções da sociedade contra comportamentos ilícitos, como aqueles que manipulam imagens para imitar a realidade.

CBO recomenda orientação médica

A respeito do Cury Vision, o Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO) disse que não recomenda o uso de colírios ou quaisquer substâncias que não possuam comprovação científica validada por órgãos competentes, como a Anvisa. Uma busca no site da agência pelo suposto produto oftalmológico não teve resultados.

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“Reforçamos que o diagnóstico e o tratamento de qualquer condição ocular devem ser realizados por médicos oftalmologistas, profissionais capacitados para prescrever tratamentos adequados de acordo com cada caso”, destaca a nota da CBO enviada ao Verifica.

Esta não é a primeira checagem que o Verifica faz de conteúdos que recorrem a deepfakes para enganar usuários de redes sociais. Mostramos que um vídeo forjou uma matéria da CNN para promover aplicativos de jogos de azar e que Celso Portiolli não divulgou um programa de indenização chamado ‘Resgata Brasil’.

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