O que estão compartilhando: que Anthony Fauci, principal autoridade pública dos EUA no combate à covid-19, admitiu, em depoimento a deputados americanos, que foi ele quem inventou as regras de distanciamento social de dois metros entre as pessoas, a obrigatoriedade de uso de máscaras por crianças e que tais medidas não se basearam em nenhum estudo científico e não tiveram efetividade.
O Estadão Verifica apurou e concluiu que: é enganoso. Não consta no depoimento de Anthony Fauci aos congressistas americanos que as regras de distanciamento social e uso de máscaras por crianças foram uma invenção dele. As recomendações foram feitas pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), como se percebe em publicações no site do órgão e nas respostas do médico, e possuem base científica.
Quando perguntado em audiência no Congresso americano se acredita que o distanciamento social e outras medidas de saúde pública para reduzir a transmissão do vírus salvaram vidas, ele respondeu afirmativamente.
Saiba mais: O subcomitê do Congresso americano sobre a pandemia do coronavírus tem o objetivo de investigar as origens da covid-19 e falhas das políticas públicas norte-americanas no combate à doença. Na última sexta-feira, o comitê divulgou a transcrição do depoimento a portas fechadas de Anthony Fauci, ex-diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas (NIAID), concedido em dois dias, em janeiro de 2024, aos membros do comitê.
Foi dessa transcrição que se originaram as postagens enganosas analisadas nesta checagem.
Distanciamento social foi norma do CDC
Em janeiro, quando questionado sobre como surgiu a regra de distanciamento social de dois metros entre as pessoas, Fauci respondeu que não se lembrava e que a regra “simplesmente apareceu”, como mostra memorando do subcomitê com o resumo dos principais pontos do depoimento. Ele disse que não estava ciente de nenhum estudo científico que teria baseado a norma, e que acredita que a decisão tenha sido empírica, não baseada em dados.
Meses depois, na audiência pública no Congresso americano, Fauci disse que alguns pontos do seu depoimento de janeiro foram distorcidos. Sobre a regra de distanciamento social, ele esclareceu que a norma não foi criada por ele, mas sim pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC). Quando questionado se acredita que a regra de distanciamento social e outras medidas de saúde pública para reduzir a transmissão do vírus salvaram vidas, ele respondeu: “definitivamente”.
Na audiência, o especialista ainda esclareceu que, quando disse que não havia dados científicos que baseassem o distanciamento social, se referia à não existência de testes controlados que comparassem a distância de dois metros com a de um metro ou de dez metros. “O que eu acredito é que o CDC utilizou como base para a regra de dois metros estudos de anos atrás que mostraram que quando lidamos com gotículas essa é uma distância segura”, falou.
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A informação de fato consta em um artigo publicado na revista científica Science, em maio de 2020. Intitulado Reducing transmission of SARS-CoV-2, o texto informa que a recomendação de distanciamento social de dois metros partiu do CDC com base em estudos de gotículas respiratórias realizados na década de 1930.
O artigo ainda destaca que a distância pode não ser suficiente para evitar contaminação. “Evidências crescentes para SARS-CoV-2 sugerem que a recomendação do CDC de dois metros provavelmente não é suficiente em muitas condições internas, onde os aerossóis podem permanecer no ar por horas, acumular-se ao longo do tempo e seguir fluxos de ar em distâncias superiores a dois metros”, diz trecho do artigo.
No site do CDC, é possível ver a recomendação em publicação de outubro de 2020 sobre comportamentos para prevenir a disseminação da covid-19. Um dos tópicos recomenda “manter pelo menos seis pés (dois metros) de distância de pessoas que não moram na mesma casa e manter-se afastado de pessoas que estão doentes”.
Uso de máscaras por crianças não foi invenção de Fauci
Assim como o distanciamento social, o uso de máscaras por crianças também foi recomendado pelo CDC, como se pode observar nesta publicação de abril de 2023. O texto chama atenção para a importância de crianças com 2 anos ou mais usarem máscaras na escola. No caso de crianças com problemas crônicos de saúde, o uso da máscara pode prover proteção extra para que elas se mantenham saudáveis, diz a orientação. O texto alerta ainda que a proteção ajuda a prevenir que crianças espalhem o vírus para outras pessoas ao redor delas.
Numa publicação de dezembro de 2021, o CDC listou estudos que apontaram a efetividade do uso de máscara por adultos e crianças para conter a infecção por coronavírus.
Consultado pelo Verifica, o pediatra infectologista Renato Kfouri afirma que, no caso de uma doença respiratória como a covid-19, qualquer método que se coloque distanciamento entre as pessoas e barreiras respiratórias, como máscaras, funciona para conter infecções. “Se a transmissão ocorre ao falar, espirrar e tossir e você coloca máscara nas pessoas e aumenta a distância entre elas, é óbvio que o risco diminui. Isso se constata com um mínimo de ciência aplicada”, diz.
No depoimento de Fauci, não consta que a determinação de uso de máscaras por crianças partiu dele. Quando perguntado se, para ele, o uso de máscaras por crianças de 2 anos era necessário, ele respondeu que “depende do contexto” (pág. 135), detalhando que, num momento em que havia um “tsunami de infecções” e tentativas desesperadas de salvar vidas, deve-se tomar medidas excessivas que, em outros cenários, não seriam aplicadas. Fauci prossegue: “E acredito que o CDC sentiu naquela época que isso era necessário, dada a terrível situação em que nos encontrávamos”.
Já ao responder se lembrava de ter analisado algum estudo ou dados que apontavam a necessidade de uso de máscara por crianças, o especialista disse que deve ter tomado conhecimento, mas que não se recordava.
Fauci também foi questionado se havia acompanhado estudos sobre danos de aprendizado e de desenvolvimento em crianças devido ao uso de máscara. Ele respondeu que não. E que acredita que deva haver estudos conflitantes sobre o assunto (pág. 136). “Há quem diga que sim, há impacto, e há quem diga que não. Eu ainda acho que isso está no ar”, disse.
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