Ausência de votos para Bolsonaro em urnas de aldeias indígenas e áreas rurais não indica fraude

Depois de contestarem votos em seção de Confresa (MT), posts sugerem fraude ao não encontrarem votos para Bolsonaro em 29 seções de oito estados brasileiros; TREs confirmam dados e apontam que não houve contestação

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Foto do author Clarissa Pacheco
Por Clarissa Pacheco e Rebecca Crepaldi

O fato de o atual presidente Jair Bolsonaro (PL) não ter recebido nenhum voto no primeiro turno em pelo menos 29 seções do País não indica que houve fraude na votação. A alegação circula em mensagens no WhatsApp junto com uma tabela com os dados de votação em seções de oito estados. Os números estão corretos e correspondem ao que aparece nos boletins de urna divulgados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para o primeiro turno do pleito e a alegação de que houve fraude não tem base em qualquer evidência.

 

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Leitores do Estadão Verifica pediram a checagem deste conteúdo através do WhatsApp, (11) 97683-7490. Na semana passada, um conteúdo parecido foi desmentido: vídeos nas redes sociais questionavam que o atual presidente não tenha recebido nenhum voto em uma seção de Confresa, no Mato Grosso, mesmo a cidade ficando no "coração do agro". A votação, contudo, que aconteceu em uma aldeia indígena, foi confirmada tanto pelo TSE quanto pelo cacique local, Elber Ware'i.

Assim como a urna de Confresa, a maior parte das seções que aparecem no material que viralizou em seguida também ficam em aldeias indígenas ou comunidades isoladas. Todas ficam em zonas rurais. Em nota divulgada na última quarta-feira, 2, o TSE informou que é comum que em comunidades indígenas, assim como em áreas quilombolas, haver convergência de votos, como aconteceu nas seções listadas no post viral.

Nesta segunda-feira, 7, a Agência Tatu, veículo especializado em jornalismo de dados do Nordeste brasileiro, apontou que 147 seções eleitorais registraram votos válidos para apenas um dos candidatos que disputou o segundo turno. Lula foi unanimidade em 143 seções, enquanto Bolsonaro foi o único votado em quatro delas.

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Votação em aldeias indígenas

Amazonas

O maior número de seções apontadas no material investigado fica no estado do Amazonas: são 12 seções em sete municípios e todas são localizadas em aldeias espalhadas pelas margens dos rios Solimões, Içá, Andirá, Maturacá, Camatiã, Tiqué e Japurá, nos municípios de São Paulo de Olivença (zona 22, seções 57, 80 e 86), Barreirinha (zona 26, seção 62), Santo Antônio do Içá (zona 47, seções 9 e 45), Tabatinga (zona 36, seção 61), São Gabriel da Cachoeira (zona 19, seções 13, 65 e 92), Japurá (zona 48, seção 12) e Parintins (zona 4, seção 130).

Nas 12 seções listadas no Amazonas, Lula somou 2.978 votos, contra nenhum para Bolsonaro. Apesar de ter maioria absoluta, outros candidatos também foram votados nestes locais: Ciro Gomes (PDT), Simone Tebet (MDB), Soraya Thronicke (UB) e Sofia Manzano (PCB) receberam votos no primeiro turno. Além disso, no dia 2 de outubro, o petista venceu em todas as cidades do Amazonas listadas no post aqui verificado.

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O Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas (TRE-AM) informou que não houve qualquer contestação em relação ao resultado das urnas apontadas, todas em locais de votação indígenas. Bolsonaro não foi mesmo votado em nenhuma destas seções no 1º turno, embora tenha recebido alguns votos no 2º.

Maranhão

O próximo estado com o maior número de seções listadas no material viral é o Maranhão - foram sete seções, das quais cinco ficam dentro de aldeias indígenas nos municípios de Maranhãozinho (zona 101, seção 78), Fernando Falcão (zona 97, seções 185, 186 e 205), Montes Altos (zona 103, seções 28 e 80) e Bom Jardim (zona 78, seção 283). Uma das seções não teve o endereço localizado, a seção 205 de Bom Jardim, mas a cidade abriga duas terras indígenas: Caru e Pindaré.

Assim como no Amazonas, todas as cidades do Maranhão citadas no post deram vitória a Lula no primeiro turno com mais de 64% dos votos. O Tribunal Regional Eleitoral do Maranhão (TRE-MA) confirmou que todas s seções questionadas ficam em aldeias indígenas e disse que não houve contestação em nenhuma delas.

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Mato Grosso

O Mato Grosso aparece com três seções na lista, incluindo uma das urnas de Confresa (zona 28, seção 158), que já foi verificada pelo Estadão. As outras duas ficam em Campinápolis (zona 26, seção 189) e Santa Terezinha (zona 16, seção 86). Elas também ficam em comunidades indígenas - a Aldeia Indígena Aldeiona - Ânhiudu e a Aldeia It'xalá, respectivamente.

Por telefone, a assessoria de comunicação do Tribunal Regional Eleitoral do Mato Grosso (TRE-MT) confirmou que os dados estão corretos e que não houve contestação do resultado. O cacique Elber Ware'i, da Aldeia Urubu Branco, onde fica a seção 158, reafirmou que a votação unânime foi conversada na comunidade e o cartório eleitoral disponibilizou a imagem do boletim de urna assinado. Tanto no 1º quanto no 2º turno, a maior parte do eleitorado de Confresa votou em Jair Bolsonaro, mas as outras duas cidades tiveram maioria dos votos para Lula.

Mato Grosso do Sul

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Uma única urna do Mato Grosso do Sul foi citada no material: é a seção 68, da zona 49, na cidade de Dois Irmãos do Buriti. Por lá, Lula recebeu 212 votos no 1º turno, contra nenhum para Bolsonaro. Ciro Gomes recebeu 5 votos e Simone Tebet, 2. A urna mencionada no post também fica em uma aldeia indígena, a Aldeia Buriti, e ela não foi a única a preferir o candidato do PT: Lula teve 62,12% dos votos na cidade no primeiro turno.

O Tribunal Regional Eleitoral do Mato Grosso do Sul (TRE-MS) confirmou que não houve contestação na seção citada.

Roraima

Em Roraima, estado que deu 69,57% dos votos válidos do 1º turno para Jair Bolsonaro, a urna que chamou a atenção foi a da seção 61, zona 7, no município de Uiramutã. Segundo o Tribunal Regional Eleitoral de Roraima (TRE-RR), a votação está correta, não há suspeita de fraude e a urna fica em uma área indígena, a terra Raposa Serra do Sol. A comunidade Manalai, que abriga a seção, é uma das mais isoladas do estado, segundo o TRE, e só é possível chegar lá por via aérea.

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O município de Uiramutã, onde fica a seção, tem quase metade de seu território considerado parte da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, que enfrentou uma longa batalha por demarcação, encerrada com vitória em 2008. Na região, vivem cinco povos indígenas: Ingarikó, Macuxi, Patamona, Taurepang e Wapichana. Uiramutã, onde fica a seção eleitoral que aparece no post, foi a única cidade de Roraima que deu maioria dos votos a Lula.

Tocantins

A única urna de Tocantins apontada no documento fica na cidade de Goiatins. É a seção 70, zona 32, que fica dentro da Aldeia Cachoeira, na Escola Indígena Crokroc. Lá, todos os 266 votos válidos da seção foram para Lula e, de acordo com o Tribunal Regional Eleitoral de Tocantins (TRE-TO), não houve qualquer contestação do resultado ou suspeita de fraude. Imagens dos boletins de urna impressos e assinados na seção foram disponibilizados. Lula também foi o candidato mais votado no 1º turno em toda a cidade - 70,81% dos votos válidos.

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Zona rural

Bahia

Na Bahia, o material viral lista três seções de três municípios em que Bolsonaro não foi votado: Andorinha (zona 45, seção 250), Boquira (zona 65, seção 254) e Pilão Arcado (zona 195, seção 132). Nenhuma das seções elencadas da Bahia fica dentro de aldeias indígenas, mas elas ficam na zona rural. O município de Boquira, especificamente, tem territórios quilombolas. Nas três cidades, Lula foi eleito por maioria dos votos. Em Andorinha, o petista teve 88,88% dos votos no 1º turno; em Boquira, o percentual foi ainda maior - 89,74%; e em Pilão Arcado, o petista obteve 82,64% dos votos válidos.

O Tribunal Regional Eleitoral da Bahia (TRE-BA) confirmou que os dados são os mesmos dos boletins de urna e que não houve contestação do resultado em nenhuma das cidades.

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Piauí

A última das seções listadas no post fica no município de Elesbão Veloso, no Piauí. A urna na seção 97, zona 48 funciona na zona rural do município, no distrito de Chapadinha. O local, que 170 votos válidos a Lula no 1º turno, não é área indígena, mas acompanha a tendência do município e até do estado do Piauí. Em Elesbão Veloso, Lula teve 83,69% dos votos no 1º turno. Já o Piauí foi o estado que deu o maior percentual de votos a Lula nos dois turnos: 74,25% no 1º e 76,86% no 2º. Todos os municípios do Piauí deram maioria dos votos para o petista. O Tribunal Regional Eleitoral do Piauí (TRE-PI) foi procurado, mas não respondeu até a publicação desta checagem.

Outros candidatos

Apesar de Lula ter recebido a maioria dos votos nas seções mencionadas no post aqui investigado, ele não foi o único a receber votos na maior parte delas. Todas as seções listadas no Amazonas, por exemplo, tiveram votos para outras pessoas. Nas 12 seções que aparece no post viral no estado, Lula somou 2.978 votos. Também foram votados nestes locais Simone Tebet (30), Soraya Thronicke (16), Ciro Gomes (5) e Sofia Manzano (2).

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No Maranhão, Ciro Gomes recebeu 1 voto na seção 68, que fica na Aldeia Ximborendá, em Maranhãozinho, e Simone Tebet recebeu outro na seção 130, zona 80, da Aldeia São José, em Montes Altos. Nas três seções da Bahia que aparecem no post, apenas a de Pilão Arcado foi unânime em votar para Lula. As de Boquira e Andorinha somaram 6 votos para Simone Tebet, 3 para Ciro, 2 para Soraya e 1 para Sofia Manzano.

Ciro Gomes ainda recebeu 5 votos na seção de Dois Irmãos do Buriti (MS). No mesmo local, foram 2 votos para Tebet. Soraya Thronicke foi escolhida por 1 eleitor da seção na Aldeia It'xalá, em Santa Terezinha (MT) e por quatro da seção 70, zona 32, da comunidade de Chapadinha, na zona rural de Elesbão Veloso (PI).

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