O que estão compartilhando: que a banana verde é o melhor remédio do mundo contra a depressão. Isso devido a um aminoácido contido em maior concentração nesse estágio de maturação da fruta, o triptofano, que está relacionado à produção da serotonina, neurotransmissor que provoca sensação de felicidade. O vídeo ainda afirma que as causas preponderantes da depressão não são sociais ou emocionais, mas sim químicas, relacionadas à falta de nutrientes.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é falso. Estudo científico aponta que não há evidências de que o triptofano tenha eficácia no tratamento da depressão. A doença não tem causa única, e seu desenvolvimento está ligado a inúmeros fatores verificados em conjunto, não só de ordem química ou biológica, mas também social, no que se refere ao modo de vida, e psicológica. A alimentação, por si só, não é capaz de tratar a depressão, muito menos um único alimento.
Saiba mais: O médico psiquiatra do Grupo de Transtornos do Humor do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP) Fernando Fernandes explica que o conteúdo utiliza uma estratégia conhecida como plausibilidade biológica para chegar a uma conclusão que não se sustenta quando avaliada em estudos clínicos. “Se a banana contém triptofano e o triptofano está relacionado à produção de serotonina, logo a banana vai tratar a depressão. Isso não é verdade”, diz Fernandes.
Ao analisar a hipótese cientificamente, explica o psiquiatra, um consenso clínico escrito por pesquisadores do Canadá e especialistas convidados de diversos países apontou não haver evidências de que o triptofano traga algum benefício para combater a depressão. A pesquisa, segundo Fernandes, é utilizada internacionalmente como diretriz para tratamentos complementares e alternativos contra a depressão. Na tabela 3 do estudo, que realizou uma revisão sistemática de outros cinco pré-existentes, os pesquisadores concluem que o triptofano não é recomendado para o tratamento.
“O triptofano não funciona. A banana verde muito menos. Além do mais, o triptofano é um precursor da serotonina, o que não quer dizer que ele produz serotonina. Ou seja, numa analogia, é a mesma coisa que dizer que uma chapa de metal faz um carro. Não tem sentido”, diz Fernandes.
O psiquiatra também rechaça a afirmação, feita no vídeo, de que a serotonina trataria a depressão: “Errado de novo. Há pessoas com níveis normais de serotonina e que têm depressão. E outras com níveis baixos e que não são acometidas pela doença”.
Depressão está associada a múltiplos fatores
O vídeo ainda aponta que “o grande problema da depressão não é social ou emocional, é químico”, e está relacionado à “falta de um monte de nutrientes”. As afirmações também são falsas. Como explica o psiquiatra, não existe uma causa única para a depressão. E a ideia de que ela seja causada por um componente específico já está ultrapassada pela ciência.
“A depressão é uma doença multifatorial”, explicou Fernandes. “Pode haver uma predisposição do organismo, por meio de componentes genéticos e de hereditariedade, mas as questões sociais relacionadas ao modo de vida, como manejo de estresse e uso de drogas, e psicológicas, como traumas, especialmente na primeira infância, também estão envolvidas. Mas nada é tão simples na depressão”.
Ele completa: “Podemos ter gêmeos idênticos e um ter depressão e o outro não. Da mesma forma, uma pessoa pode sofrer inúmeros abusos ao longo da vida e não ter depressão, enquanto outra pode desenvolver a doença a partir de um único evento adverso”.
Não existe alimento milagroso
Ao citar a diversidade de causas da depressão, a professora do Departamento de Nutrição da Universidade Federal Fluminense (UFF) Aline Silva de Aguiar refuta a ideia de que um único alimento possa ser a solução do problema. Para ela, além de falsa, a afirmação é sensacionalista: “Isso é sensacionalismo. Não existe alimento milagroso. São vários fatores que interferem na doença, familiares, sociais e até econômicos”.
A professora, que estuda a relação entre a nutrição e a saúde mental, explica que, em relação à depressão, não é a alimentação que vai resolver. Mas a combinação dos alimentos consumidos por dia pode ser um fator para contribuir na prevenção ou tratamento da doença.
“A depressão é uma doença de causas complexas. A alimentação saudável, com uma boa combinação de proteínas, carboidratos, vitaminas, minerais e alimentos in natura, como frutas, verduras e legumes, e sem consumo excessivo de industrializados e ultra-processados, pode ajudar. Mas não traz a cura”, resumiu a nutricionista.
As alegações sobre banana verde e depressão foram feitas pelo biólogo Tiago Rocha. Ele foi procurado pela reportagem, mas não respondeu. O Estadão Verifica já desmentiu outros vídeos de Tiago, como o que ele dizia que cebola roxa e limão controlavam a glicose e outro em que ele alegava que micro-ondas são cancerígenos.
O que podemos aprender com esta checagem: desconfie de soluções simples para problemas complexos, como a depressão, e de conteúdos que apontam um único alimento como capaz de resolver algum problema de saúde.
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