PUBLICIDADE

Não, proposta de deputado não permite débito automático sem autorização para pagar dívidas

Projeto de Lei Complementar 40/2024 exige autorização do cidadão para instituir o débito entre instituições para liquidar parcelas relacionadas a operações de crédito com atraso superior a 30 dias; medida foi tirada de tramitação para mais deliberação

PUBLICIDADE

O que estão compartilhando: que um Projeto de Lei Complementar (PLP) em tramitação na Câmara dos Deputados irá permitir que bancos usem o saldo das contas dos clientes para pagar faturas ou parcelas de empréstimos vencidos há mais de 30 dias, por meio de débito automático, sem autorização prévia dos titulares.

PUBLICIDADE

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. O texto do PLP 40/2024 prevê que o débito automático para liquidação de parcelas em situação de atraso, relacionadas a operações de crédito, deve ocorrer mediante autorização expressa do tomador. De fato, uma variedade de produtos financeiros está inclusa nessa modalidade de cobrança. Para a advogada Bruna Loureiro, especialista em direito bancário, é possível interpretar que a opção do débito automático entre instituições se aplicaria a parcelas em atraso decorrentes de qualquer modalidade de operação de crédito que não use de garantias reais, não se restringindo apenas a empréstimos pessoais.

A proposta, que tem como autor o deputado federal Hugo Motta (Republicanos-PB), foi retirada de tramitação no dia 10 de maio. O texto contemplava a implementação de outras medidas, como a portabilidade automática de salário e o crédito salário automático.

O Estadão Verifica procurou o deputado e o autor da postagem enganosa, mas não teve resposta.

Vídeo publicado no TikTok dissemina alegações enganosas sobre o Projeto de Lei Complementar 40/2024, retirado de tramitação em maio Foto: Reprodução/Tiktok

Saiba mais: o vídeo verificado aqui foi publicado no TikTok dias após a proposta ser retirada de tramitação na Câmara dos Deputados, a pedido do autor do texto. Na gravação, um homem afirma que o PLP 40/2024 iria permitir que os bancos realizem descontos automáticos nas contas dos clientes sem autorização prévia, caso haja atraso no pagamento de uma fatura ou empréstimo por mais de 30 dias. Mas não é bem assim.

Para que o débito ocorresse, a autorização do cliente seria necessária, conforme estabelece o parágrafo 1 do artigo 14 do Projeto de Lei Complementar. Segundo esse trecho, a autorização do tomador deveria “ser individualizada e vinculada a cada instrumento ou contrato de concessão de crédito, constando de forma destacada no mesmo”. Também seria necessário conter “manifestação inequívoca do titular quanto à eventual cobrança de débito automático sobre limite de crédito em conta, se houver”.

De acordo com o texto da proposta, o débito automático seria uma modalidade de cobrança extrajudicial entre instituições. Ela seria voltada exclusivamente para liquidação de parcelas em situação de atraso, relacionadas a operações de crédito sem garantias reais vinculadas. Ou seja, nos casos em que o tomador não oferece um bem específico como garantia. Esse procedimento poderia ser aplicado a dívidas de pessoas físicas, empresários individuais, e de micro e pequenas empresas.

Publicidade

Segundo a advogada Bruna Loureiro, do escritório Abe Advogados, a modalidade de cobrança não se restringe a empréstimos pessoais. “É possível interpretar que a opção do débito automático entre instituições se aplicaria a parcelas em atraso decorrentes de empréstimos pessoais, cheque especial, cartão de crédito, crédito consignado, crédito rotativo, microcrédito, crédito rural, crédito estudantil, ou seja, qualquer modalidade de operação de crédito que não use de garantias reais”, disse.

No vídeo enganoso, também é mencionado que, se o correntista não tivesse saldo em conta para realização do débito automático, a proposta iria autorizar os bancos a utilizarem 10% do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) do titular para pagar atrasos correspondentes a cartão de crédito ou empréstimos. Na realidade, o texto previa que o tomador de crédito poderia ceder fiduciariamente até 10% dos valores existentes nas contas vinculadas ao FGTS, como garantia para o cumprimento de obrigações decorrentes da utilização de limite de crédito concedido em instrumento de pagamento pós-pago.

Conforme explicou Loureiro, a cessão fiduciária significa que os valores do FGTS seriam bloqueados e permaneceriam indisponíveis para movimentação durante a vigência do limite de crédito garantido. Em caso de inadimplência, essa garantia poderia ser acionada diretamente, se esta fosse a opção de garantia exercida pelo tomador. “Portanto, o uso dos valores do FGTS como garantia é condicional e pré-autorizado no contrato de crédito. Eles são utilizados apenas em caso de inadimplência, não sendo um débito automático no sentido convencional”, informou a advogada.

PLP foi retirado de tramitação

O débito automático entre instituições é uma das medidas que seriam instituídas pelo PLP, caso ainda estivesse em tramitação e fosse aprovado. Em um vídeo publicado no Instagram, o deputado Hugo Motta explicou que o projeto visava facilitar o acesso ao crédito para trabalhadores brasileiros, promover maior competitividade entre os bancos e reduzir as taxas de juros dos empréstimos.

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

Motta disse ainda que as medidas propostas e os empréstimos seriam realizados apenas com expressa autorização dos trabalhadores e que a ideia de confisco é falsa. “Quero dizer que diante de toda a discussão que foi gerada, dos debates internos aqui dentro da casa e daquilo que foi trazido através da imprensa e das redes sociais, nós estamos retirando o projeto para que ele seja melhor discutido”, disse Motta.

Na avaliação da especialista em direito bancário, o PLP é claro em seus propósitos ao estabelecer o débito automático em conta e a cessão fiduciária de até 10% do saldo do FGTS como duas novas formas de garantia para operações de crédito realizadas com instituições financeiras. Segundo ela, existem conceitos que necessitam de maior detalhamento e esclarecimento, para resolver as diferentes interpretações sobre o texto e operacionalização das duas modalidades de garantia.

“É importante ressaltar que para as duas modalidades de garantia serem executadas, é necessária a autorização expressa do tomador. Não seria uma liberalidade das instituições financeiras”, pontuou Loureiro. “As interpretações apresentadas no vídeo, portanto, verificam um entendimento que não está completamente alinhado com o que está descrito no texto do Projeto de Lei, que, neste ponto, não abre margem para interpretações”.

Publicidade

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.