Conteúdo investigado: Vídeo no TikTok traz uma foto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, com os dizeres “Biden manda indireta para Lula e diz que ao invés dele se preocupar com a guerra ele deveria era se preocupar em por comida na mesa dos brasileiros”.
Onde foi publicado:TikTok, Instagram e YouTube.
Conclusão do Comprova: Um vídeo que viralizou após o início da guerra entre o grupo palestino Hamas e Israel engana ao afirmar que o presidente americano, Joe Biden, teria dito a Lula para se preocupar em colocar comida nas mesas dos brasileiros, e não com a guerra.
Houve um pronunciamento similar feito por um conselheiro do chefe de Estado americano em abril de 2023, mas tratava-se de uma resposta ao posicionamento de Lula a respeito da guerra na Ucrânia. Na ocasião, Juan Gonzalez, diretor sênior de Hemisfério Ocidental do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca, disse: “se perguntar a um brasileiro na rua qual é a opinião dele sobre a Ucrânia, ele diria que está pensando mais em colocar comida na mesa, nas chances de educação e oportunidades econômicas, do que no que alguns deles veem como um conflito na Europa que ocorre há 300 anos”.
A busca no Google pelas palavras-chave citadas na postagem, como “comida” e “guerra”, associadas aos nomes dos dois presidentes, não retornou qualquer resultado que confirmasse uma alegação recente a esse respeito. O resultado mais próximo a esse sentido é uma reportagem da Folha de S.Paulo, de abril de 2023, citando a fala de Juan Gonzalez.
As palavras-chave também foram pesquisadas em inglês e o retorno mais substancial da busca é sobre um encontro entre os dois presidentes, em 20 de setembro, em Nova York, quando ambos evitaram falar da guerra entre Rússia e Ucrânia e quando o ataque a Israel ainda não havia ocorrido.
Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. O post aqui verificado teve até 20 de outubro 724 mil visualizações no TikTok, 17,4 mil curtidas, além de receber 2,6 mil comentários e ser compartilhado mais de 3,8 mil vezes. No Instagram, a postagem teve mais 255 reações. No YouTube, foram 80 mil visualizações, 1 mil curtidas e 199 comentários.
Como verificamos: Utilizando o Google, buscamos combinações das palavras-chave supostamente ditas por Joe Biden, junto do nome dele e do presidente Lula. Enviamos e-mail para a Casa Branca, para a Embaixada dos Estados Unidos no Brasil e para o Ministério das Relações Exteriores brasileiro. Consultamos notícias relacionadas ao conflito entre Hamas e Israel e ao posicionamento do governo brasileiro sobre ele. Também buscamos o perfil responsável pela publicação em outras redes e encontramos contas no Kwai, Instagram e YouTube. Por fim, entramos em contato com o autor.
Biden não disse que Lula deveria se preocupar em pôr comida na mesa dos brasileiros
Uma busca no Google com as palavras-chave “guerra” e “comida”, associadas aos nomes dos presidentes Joe Biden e Lula, em português, não localizou qualquer notícia relacionada à alegação feita no post. O resultado mais próximo encontrado é uma reportagem da Folha de S.Paulo, de abril de 2023, quando uma declaração do presidente Lula a respeito de um suposto interesse dos Estados Unidos em incentivar a guerra entre Rússia e Ucrânia repercutiu no país norteamericano.
Na ocasião, o diretor sênior de Hemisfério Ocidental do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca, Juan Gonzalez, um dos principais conselheiros do presidente americano, Joe Biden, disse que países como o Brasil estão longe do conflito e, portanto, essa não era uma preocupação prioritária de seus cidadãos. Conforme ele, “se perguntar a um brasileiro na rua qual é a opinião dele sobre a Ucrânia, ele diria que está pensando mais em colocar comida na mesa, nas chances de educação e oportunidades econômicas, do que no que alguns deles veem como um conflito na Europa que ocorre há 300 anos”.
Gonzalez acrescentou que todos que assinaram a Carta da ONU têm responsabilidades e que países como o Brasil, que desempenham um papel de liderança pela paz, são bem-vindos, mas que a ideia de que os EUA não apoiam a paz ou têm algo a ver com o início da guerra não tem relação com os fatos. “Passamos todo o ano de 2021 tentando evitar que a guerra acontecesse e temos apoiado a paz”, declarou.
A mesma pesquisa por palavras-chave, mas feita em inglês, também não retorna declaração do presidente norte-americano no sentido alegado nas redes sociais. Os resultados mais recentes estão relacionados à notícia do encontro entre os presidentes, em 20 de setembro, em Nova York, durante a Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU). Na ocasião, os dois evitaram falar sobre as diferenças entre os posicionamentos de ambos acerca da guerra entre Rússia e Ucrânia (PBS, AP News e ABC News). O conflito entre Hamas e Israel ainda não havia iniciado.
O Comprova procurou a Casa Branca, a Embaixada dos Estados Unidos no Brasil e o Ministério das Relações Exteriores, mas não recebeu respostas até o momento.
Como o Brasil se posiciona em relação ao conflito na Faixa de Gaza
O conteúdo aqui checado circula amplamente durante o conflito entre Hamas e Israel, dando a entender que Biden poderia ter criticado Lula sobre este assunto. O governo brasileiro, que apoia a criação de um estado palestino e a manutenção de Israel, estabelecido em 1948, tem defendido que as partes cessem ataques e que seja retomada uma negociação de paz.
Como presidente do Conselho de Segurança da ONU, o país já convocou mais de uma reunião sobre o assunto e tenta aprovar uma proposta que minimize a crise humanitária na região da Faixa de Gaza. Em 18 de outubro, foi votada a primeira, que defendeu pontos como a libertação imediata e incondicional dos reféns israelenses, a proteção de civis e da infraestrutura, a criação de um corredor humanitário, a saída segura de civis e a proteção de pessoal de assistência humanitária, além de condenar todas as formas de violência contra civis, incluindo os atos do Hamas.
A proposta recebeu 12 votos favoráveis, mas acabou vetada pelos Estados Unidos, um dos integrantes permanentes do conselho.
Conforme a embaixadora norte-americana, Linda Thomas-Greenfield, o motivo foi a resolução não mencionar claramente o direito de Israel de se defender. Já o embaixador do Brasil na ONU, Sergio Danese, disse que houve um esforço para acomodar posições diferentes e até opostas, com foco na situação humanitária. A partir disso, o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, afirmou que é preciso aguardar a evolução dos fatos e ver se há condição de apresentar nova proposta, diferente da atual.
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No dia dos ataques do Hamas a Israel, em 7 de outubro, o governo brasileiro publicou nota condenando os atos e manifestando solidariedade ao povo de Israel, reiterando o compromisso com a solução de dois Estados, com Palestina e Israel convivendo em paz e segurança, dentro de fronteiras mutuamente acordadas e internacionalmente reconhecidas.
No mesmo dia, no X (antigo Twitter), Lula disse ter ficado chocado com os ataques terroristas, expressou condolências aos familiares das vítimas e reafirmou o repúdio ao terrorismo em qualquer de suas formas. Ele defendeu, ainda, a retomada das negociações que conduzam a uma solução ao conflito e que garanta a existência de um Estado Palestino economicamente viável, convivendo pacificamente com Israel.
No dia 11, Lula publicou na mesma plataforma uma carta aberta ao secretário-geral da ONU, António Guterres, e à comunidade internacional, na qual fez um apelo em defesa das crianças palestinas e israelenses. No post, ele diz ser preciso que o Hamas liberte crianças israelenses sequestradas e que Israel cesse o bombardeio para que as crianças palestinas e suas mães deixem a Faixa de Gaza.
Após a oposição criticar a postura do governo brasileiro, que não classifica o Hamas como grupo terrorista, Mauro Vieira disse, em 18 de outubro, que não adotará a classificação até que a ONU o faça, posicionamento acatado historicamente pelo Brasil em relação a assuntos dessa natureza.
O que diz o responsável pela publicação: O Comprova entrou em contato com o autor da publicação via mensagem no Instagram, mas não obteve resposta.
O que podemos aprender com esta verificação: Uma tática usada pelos agentes de desinformação é o uso de declarações de autoridades sem a indicação da fonte. Neste caso, uma declaração com esse teor teria grande repercussão na mídia. É preciso sempre consultar veículos de comunicação de sua confiança e órgãos oficiais para atestar a veracidade da informação.
Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.
Outras checagens sobre o tema: Recentemente, o debate em torno da guerra entre Hamas e Israel, e o papel do Brasil no conflito, tem gerado desinformação. O Comprova já verificou que Lula depositou flores no Museu do Holocausto, ao contrário do que alega vídeo, que o Brasil doou R$ 25 milhões à Autoridade Palestina para ajuda humanitária, e não ao grupo terrorista e que o governo brasileiro assinou acordo de cooperação técnica com Autoridade Palestina, não com o Hamas. As relações diplomáticas do governo Lula também são constantemente alvo de desinformação. O Comprova checou que é falso que Lula não tenha sido convidado para evento de líderes promovido por Biden e que vídeo de projeção em prédio de Nova York com frase de apoio a Lula é de 2022.
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