Postagens nas redes sociais enganam ao afirmar que o governo do presidente Jair Bolsonaro "construiu uma cidade para 4 mil habitantes no Rio Grande do Norte com tudo o que tem direito". Os conteúdos fazem referência a uma obra que foi executada pelo governo do Estado, ainda que a maior parte dos recursos sejam federais, oriundos do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs).
Não se trata de uma nova cidade, mas de uma comunidade rural no município de Jucurutu, chamada Nova Barra de Santana. Ela é destinada à realocação de famílias que precisam deixar suas casas em uma área que futuramente será alagada pela barragem de Oiticica. Além disso, de acordo com o governo do Rio Grande do Norte, a obra beneficia 908 pessoas, com 227 imóveis em regime de permuta e doação, e não 4 mil habitantes, como alega o boato.
"Além das casas, a construção da comunidade Nova Barra de Santana contempla igreja, posto de saúde, escola, creche, centro comunitário, centro comercial, cemitério, estrutura urbanística, e toda infraestrutura de água, esgoto e energia", informou o governo do Estado, em resposta ao Estadão Verifica. "As obras estão 90,07% concluídas e o Governo do Estado entra com uma contrapartida de 10% do valor global de investimento."
O início das obras do novo distrito em Jucurutu para abrigar as famílias ocorreu em 2016, antes do governo Bolsonaro e cerca de três anos depois do começo da construção da barragem de Oiticica. O empreendimento enfrentou uma série de problemas que levaram o Ministério Público Federal (MPF) a ingressar com uma ação civil pública contra a União, o Estado e as empresas responsáveis pela obra em 2018.
Um laudo pericial constatou diversas irregularidades na construção das casas na localidade Nova Barra de Santana, que comprometiam a segurança dos futuros moradores. Naquele mesmo ano, houve desabamento de 38 casas por conta de chuvas na região, chamando a atenção do órgão público.
As obras chegaram a ser interrompidas por cinco meses. Em 2019, a gestão da governadora Fátima Bezerra (PT) promoveu distrato com o consórcio responsável pela obra até aquele momento e contratou outra companhia, que já atuava na barragem de Oiticica. Os trabalhos foram retomados em dezembro de 2019, e um novo projeto urbanístico foi apresentado em agosto de 2020. A previsão de entrega é entre julho e agosto deste ano.
A realocação do grupo de 908 moradores, formado principalmente por agricultores familiares, é necessária porque as áreas em que habitam hoje serão alagadas quando a barragem de Oiticica estiver pronta. Segundo o Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), o empreendimento receberá as águas do Eixo Norte do Projeto de Integração do Rio São Francisco e terá capacidade para armazenar mais de 556 milhões de metros cúbicos de água, atendendo a 250 mil habitantes das regiões do Seridó, do Vale do Açu e da Região Central do Estado.
Parte do histórico da migração das famílias de Jucurutu aparece no Mapa de Conflitos Envolvendo Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil, mantido pela Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (ENSA/Fiocruz). A publicação mostra que a Barragem de Oiticica é um projeto que surgiu na década de 1950 e teve a primeira tentativa de execução em 1990, mas problemas identificados em vistoria do Tribunal de Contas da União (TCU) levaram à paralisação total em menos de quatro anos.
Quase duas décadas depois, em 2010, a barragem foi incluída no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), integrada ao projeto de transposição do Rio São Francisco. Porém, novos problemas na licitação e indícios de sobrepreço em contratos atrasaram a ordem de início do serviço. O canteiro de obras foi reinstalado apenas em 2013, sob responsabilidade da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (SEMARH) do Rio Grande do Norte. Em janeiro deste ano, cerca de 86% da obra estava concluída, segundo o MDR.
O boato sobre a construção da nova cidade potiguar circula no WhatsApp e no Facebook em diferentes formatos. No aplicativo de mensagens, o conteúdo é acompanhado de um vídeo em que um homem circula de carro pelo local da obra, narra alguns tipos de construção e termina dizendo: "Ô, Bolsonaro forte!". A mesma peça viralizou no Facebook com outras legendas, assim como postagens de blogs alinhados com o governo federal citando o número falso de 4 mil moradores.
O Estadão Verifica checou o conteúdo por sugestão de leitores, que encaminharam o conteúdo pelo WhatsApp (11) 99263-7900. O mesmo assunto foi checado pela Agência Lupa, que classificou postagens como falsas.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.