Boato desinforma sobre horário de atos golpistas em Brasília para insinuar que houve ‘infiltração’

Não é verdade que chegada de ‘patriotas’ ocorreu mais de uma hora depois das cenas de vandalismo; manifestantes bolsonaristas foram gravados, identificados e presos pela Polícia Federal

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Foto do author Samuel Lima

Vídeo em circulação nas redes sociais engana sobre o horário do ataque golpista em Brasília, no dia 8 de janeiro, para espalhar a tese infundada de que os atos de vandalismo teriam sido praticados por “infiltrados”, e não por simpatizantes do presidente Jair Bolsonaro. Um influenciador de direita espalha a versão de que pessoas destruíram o patrimônio público uma hora e meia antes da chegada dos “patriotas” ao Palácio do Planalto.

Boato desinforma sobre horário dos atos golpistas em Brasília para promover tese de que destruição teria sido causada por 'infiltrados'. Foto: Reprodução

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Além de ignorar o fato de que diversos manifestantes foram identificados e presos, a peça de desinformação utiliza imagens exibidas pela CNN Brasil que apenas evidenciam que os danos foram causados por extremistas com roupas e adereços que remetem ao bolsonarismo. Não há indícios de que essas pessoas estivessem antes do ataque no local, nem que tenham acessado as instalações com ajuda de autoridades ligadas ao atual governo.

O relatório da intervenção federal na Segurança Pública do Distrito Federal mostra que os golpistas furaram o bloqueio policial da Praça dos Três Poderes às 14h43min, conforme atestam imagens captadas por câmeras de segurança. Todas as cenas do ataque ao Palácio do Planalto que aparecem no vídeo do influenciador ocorreram após as 15h26min - ou seja, houve tempo mais do que suficiente para a chegada dos extremistas ao prédio.

A cobertura jornalística ao vivo do episódio mostrou ainda que os golpistas passaram a se aglomerar no entorno do Palácio do Planalto ao menos desde 15h12min. A informação desmente a tese de que bolsonaristas teriam chegado ao local somente perto das 17h, como alega a gravação analisada pelo Estadão Verifica.

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A linha do tempo do ataque golpista

Diversas fontes de informação apontam que os grupos que atacaram as instalações o Congresso Nacional, do Palácio do Planalto e do Supremo Tribunal Federal (STF) marcharam do acampamento em frente ao Quartel-General do Exército para a Esplanada dos Ministérios a partir das 13h, no dia 8 de janeiro de 2023.

Uma gravação aérea obtida pelo site Poder360 mostra o exato momento em que os extremistas conseguem acessar o gramado e o prédio do Congresso Nacional, que foi o primeiro alvo do ataque. As câmeras registram a informação de que a invasão ocorreu às 14h43min.

O mesmo apontamento consta no relatório do gabinete do interventor federal na Segurança Pública do Distrito Federal, Ricardo Cappelli. Ou seja, a ideia de que os “patriotas” chegaram apenas às 16h58min, como alega o vídeo analisado pelo Estadão Verifica, é uma fantasia.

O relatório não informa quando teria ocorrido a invasão do Palácio do Planalto e do STF especificamente, mas o movimento pode ser acompanhado em uma transmissão ao vivo da CNN Brasil sobre o episódio. Da perspectiva dos manifestantes, esses dois edifícios ficam atrás do Congresso e praticamente ao lado um do outro.

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Mapa da Praça dos Três Poderes e sentido do ataque golpista em 8 de janeiro. Foto: Reprodução / Google Maps Foto: google maps

A emissora passou a exibir a invasão às 14h53min, quando centenas de manifestantes já estavam ao redor do Congresso e com a informação de que parte deles havia conseguido entrar no prédio. A partir de 15h12min, a reportagem anuncia que golpistas tentavam acessar o Palácio do Planalto pelo estacionamento, enquanto forças de segurança agiam para conter a investida.

Às 15h25min, a emissora mostrou extremistas circulando no entorno da sede do Executivo. Vinte minutos depois, às 15h45min, surgem na tela vídeos de extremistas no prédio do STF, com cenário de destruição na área externa e invasores no plenário da Corte.

Fontes confirmam, mais tarde, a entrada dos manifestantes no Palácio do Planalto. O resultado da depredação pode ser visto em vídeos exibidos às 16h — muito antes do suposto horário em que teriam chegado os “patriotas” segundo o conteúdo checado pelo Verifica.

Ao longo de toda a transmissão, pode-se notar a presença de pessoas cobrindo o rosto, portando objetos ameaçadoramente e depredando o patrimônio público, enquanto outros invadem os espaços e filmam o ataque com seus celulares. A Câmara dos Deputados, o Senado Federal e o STF também divulgaram, posteriormente, gravações do ataque golpista que mostram como agiu a horda bolsonarista.

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A assessoria da Câmara encaminhou ao Estadão registros de câmeras de segurança para análise e informou que a invasão do local ocorreu às 14h45min e terminou às 17h45min. O Senado e o STF não responderam aos contatos da reportagem.

A Secretaria de Comunicação Social (Secom), órgão da Presidência da República, disse que o horário das invasões “está ampla e publicamente registrado pela imprensa e nas investigações” e lamentou que “o bolsonarismo siga produzindo mentiras e fazendo acusações sem provas”.

O que alega o boato

O vídeo analisado pelo Estadão Verifica teve milhares de visualizações em plataformas como Kwai, TikTok, Facebook e Twitter. O material usa imagens de câmeras de segurança do Palácio do Planalto exibidas pela CNN Brasil no programa 360º, em 16 de janeiro, com uma narração por cima que chega a conclusões insustentáveis ao fazer uma seleção enviesada de trechos.

As cenas das câmeras, que foram divulgadas pela Presidência da República, podem ser vistas a partir da faixa de 1h58min de programa, com comentários da jornalista Daniela Lima. Todas foram gravadas depois das 15h26min, ou seja, após a invasão do prédio pelos bolsonaristas que não aceitaram o resultado das eleições e pediram intervenção militar por meses até a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

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O programa da CNN Brasil mostra sete diferentes momentos do ataque:

  1. Homem vestindo camiseta preta com o rosto do ex-presidente Jair Bolsonaro derruba o relógio Balthazar Martinot, um presente da corte francesa para Dom João VI, às 15h33min. O homem foi identificado como Antônio Cláudio Alves Ferreira e tem passagens pela polícia. Foi preso pela Polícia Federal no dia 23 de janeiro.
  2. Homem de cabelos brancos e camiseta amarela quebrando o vidro de um móvel que exibia documentos históricos em frente ao gabinete da Presidência da República com um suporte de ferro. Ele é cumprimentado na sequência por outro homem com uma bandeira do Brasil e celular em uma das mãos. A cena ocorre às 15h32min.
  3. Homem é flagrado pelas câmeras de segurança, às 15h26min, arremessando extintores de incêndio e quebrando uma vidraça, perto das catracas de entrada do Planalto. Ele vestia uma camiseta branca com detalhe da bandeira do Brasil nos ombros.
  4. Extremistas arrancam cortinas de uma sala de reuniões e depredam os tapetes entre 15h31min e 15h39min do dia 8 de janeiro. As pessoas vestem roupas nas cores verde e amarelo e que remetem a uniformes do Exército.
  5. Grupo de radicais chama a atenção de outros manifestantes golpistas em frente às janelas do salão que teve as cortinas arrancadas, às 16h10min. Ao menos dois deles portavam bandeiras do Brasil.
  6. Sequência de imagens, recortadas entre 16h38min e 16h58min, mostram uma multidão entrando e saindo do prédio do Planalto.
  7. Bolsonaristas em grande quantidade gravam vídeos e circulam pelo mesmo salão que teve as cortinas arrancadas, às 16h58min. É possível notar que as estruturas estão danificadas.

A partir disso, o autor da peça de desinformação sugere, sem apresentar nenhuma prova do que está falando, que os bolsonaristas “verdadeiros” aparecem somente no trecho 7 e que o restante dos extremistas seriam “infiltrados” com o objetivo de criminalizar a manifestação.

“Esse pessoal ficou fazendo esse vandalismo todo tranquilo, durante muito tempo”, alegou o influenciador. “Eles tiveram acesso graças a pessoas ligadas ao governo, não tem como arrombar, as portas estão fechadas”, continua, ignorando que grande parte das vidraças externas foram quebradas ao longo do ataque, liberando o acesso.

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Em seguida, o autor do vídeo mostra o registro mais tardio do ataque, em que os golpistas se aglomeram dentro e fora do prédio do Planalto. “Olha a hora em que os patriotas estão chegando: uma hora e meia depois de todo esse vandalismo. Então, não dá.” O vídeo apenas mostra golpistas se aglomerando dentro e fora das instalações, o que já havia sido registrado muito tempo antes.

Em uma versão estendida do vídeo, o influenciador bolsonarista espalha ainda a mentira de que o extremista que quebrou o relógio de Dom João VI seria um integrante do MST. A história foi desmentida pelo Estadão Verifica com a ajuda de um perito audiovisual e por outras agências de checagem.

O Estadão Verifica não conseguiu identificar o responsável pelo conteúdo enganoso e pedir o contraponto.

Bolsonaristas planejaram e gravaram o ataque

A tese de que havia infiltrados no local dos ataques, difundida por bolsonaristas desde as primeiras horas após a destruição nas sedes dos Três Poderes, é facilmente desmentida a partir das próprias imagens feitas pelos golpistas que participaram das ações. O Estadão mostrou como os ataques foram premeditados, o que fica evidente pela quantidade de mensagens públicas convocando para a invasão do dia 8. Os golpistas criaram até um código para o ataque em Brasília, batizado de “Festa da Selma”.

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Relatórios de inteligência em poder do governo indicaram que 100 ônibus com 3.900 pessoas se deslocaram para Brasília com disposição de contestar a eleição de Lula. A invasão vinha sendo preparada por extremistas leais ao ex-presidente Jair Bolsonaro desde o dia 3 de janeiro, quando radicais começaram a divulgar com grande intensidade mensagens em aplicativos como o Telegram e o WhatsApp para trazer manifestantes de todo o País para a capital federal, com todas as despesas pagas.

Além disso, os golpistas produziram imagens de si próprios destruindo as instalações dos Três Poderes e obras de arte e se vangloriando disso. O Estadão analisou cerca de 26 horas de lives, além de fotos, mensagens de aplicativo, posts de redes sociais e listas de passageiros de ônibus, e identificou 88 extremistas no meio da baderna — todos eram apoiadores do presidente Jair Bolsonaro. Eles expressam o desejo de “colapsar o sistema” e “tomar o poder de assalto”.

Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), mais de 1,4 mil pessoas foram presas em conexão ao 8 de janeiro, entre elas manifestantes detidos no dia do ataque, no acampamento em frente ao Quartel-General do Exército e em desdobramentos da Operação Lesa Pátria, da Polícia Federal, que cumpre mandados de prisão e de busca e apreensão e apura os responsáveis por financiar os atos golpistas. Elas foram encaminhadas para o presídio da Papuda e a penitenciária feminina Colmeia, ambos no Distrito Federal.

O Verifica já desmentiu outros conteúdos nas redes que tentavam emplacar a tese de que havia “infiltrados” ligados ao PT no local. Eles desinformavam, por exemplo, sobre o horário marcado no relógio destruído no Planalto, parado há anos, o uso de uma bandeira do PT furtada no Congresso por um manifestante golpista e uma lista de supostos infiltrados que, na realidade, continha fotos de homens presos em El Salvador, em 2022.

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A agência Lupa fez um levantamento e revelou que os ataques golpistas custaram pelo menos R$ 25,6 milhões aos cofres públicos. O montante engloba desde os reparos aos prédios de Congresso, Palácio do Planalto e STF até o investimento necessário na força-tarefa montada para conter, prender e punir os criminosos. É provável que a conta seja ainda maior do que nessa análise preliminar. O site também desmentiu o boato analisado nesta checagem.

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