Não é verdade que Adélio Bispo de Oliveira -- homem que atacou o presidente Jair Bolsonaro durante a campanha eleitoral de 2018 -- não tenha tido o celular analisado pela perícia. O boato, que já circulou em outros formatos e foi desmentido antes pelo Estadão Verifica, voltou a circular nas redes ao promover uma comparação infundada com a investigação da morte do menino Henry Borel Medeiros, de 4 anos, no Rio de Janeiro.
"Se a perícia conseguiu extrair as conversas apagadas da babá do Henry, porque até hoje não foi periciado o celular do Adélio?", questiona a peça de desinformação, que acumulou mais de 25 mil compartilhamentos no Facebook. Ao contrário do que sugere o conteúdo, no entanto, a polícia teve acesso aos dados telefônicos e mensagens do agressor do presidente, assim como da mãe e do padrasto de Henry.
A quebra do sigilo de quatro celulares e um notebook de Adélio Bispo foi autorizada pela Justiça em 8 de setembro de 2018 -- apenas dois dias depois do atentado à faca contra Bolsonaro em Juiz de Fora. Vinte dias depois, a Polícia Federal divulgou o relatório do primeiro inquérito concluindo que o agressor agiu sozinho e por inconformismo político.
De acordo com informações da época, os agentes investigaram 150 horas de vídeo, 600 documentos, 1.200 fotos e 2 terabytes de informações encontradas com Bispo e oriundas de quebras de sigilo telefônico, bancários e telemáticos. No mesmo mês, a PF deu início ao segundo inquérito, com o objetivo de aprofundar a devassa em um escopo de cinco anos.
O relatório do segundo inquérito tornou-se público em 14 de maio de 2020, quando foi entregue para a Justiça Federal. Mais uma vez, os investigadores entenderam que Adélio Bispo agiu por iniciativa própria e sem a participação de terceiros no ataque a Bolsonaro. Eles descartaram a participação de agremiações partidárias, facções criminosas, grupos terroristas ou mesmo paramilitares em qualquer das fases do ataque contra Bolsonaro.
O autor do atentado foi diagnosticado como portador de transtorno mental em perícia médica, motivo pelo qual foi considerado inimputável e absolvido em ação penal pelo juiz federal Bruno Savino, de Juiz de Fora, em 2019. Ele permanece preso em uma penitenciária federal de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, como internação provisória.
Boatos confundem liminar envolvendo advogado
Em uma checagem semelhante publicada em 2019, a Polícia Federal confirmou ao Estadão Verifica que todo o material apreendido com Adélio Bispo foi analisado e que não houve qualquer impedimento ao trabalho dos investigadores sobre o conteúdo. Essa verificação mostra que a teoria falsa surgiu por uma interpretação errada sobre uma decisão judicial. O que a liminar proibiu foi a análise de bens apreendidos no escritório do defensor do réu, o advogado Zanone Manuel de Oliveira Júnior.
Em dezembro de 2018, a Polícia Federal realizou uma ação de busca e apreensão no escritório de Zanone, sob a justificativa de investigar quem estaria pagando seus honorários e checar supostas ligações com a facção Primeiro Comando da Capital (PCC). A OAB de Minas Gerais entendeu que a ação viola o sigilo profissional do exercício da advocacia e impetrou um mandado de segurança ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) pedindo a suspensão das análises dos materiais.
O pedido foi atendido em caráter liminar pelo desembargador Néviton Guedes, em março de 2019. A análise do mérito ainda está pendente no mesmo Tribunal, depois que o ministro do STF, Luiz Fux, devolveu o caso ao TRF-1 por entender que a decisão é de competência da segunda instância, e não da Suprema Corte, como havia julgado o plenário do TRF-1 nesse meio tempo.
Depois que Adélio Bispo foi considerado inimputável pela Justiça, uma série de conteúdos virais confundiram o objeto da liminar e passaram a desinformar que o sigilo telefônico e bancário de Adélio Bispo seria protegido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) ou pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Nada disso é verdade.
Caso de Henry também teve perícia em celulares
Em relação ao caso Henry Borel, a Polícia Civil do Rio de Janeiro acredita que o menino tenha morrido em 8 de março após ser agredido pelo padrasto, o vereador Dr. Jairinho, com o conhecimento da mãe, Monique Medeiros. Os dois alegaram que a criança teria sofrido um acidente doméstico -- versão contestada após necropsia do Instituto Médico-Legal (IML), que constatou múltiplos sinais de trauma, como equimoses, hemorragia interna e ferimentos no fígado, típicos de agressão.
Durante as investigações, os agentes apreenderam o celular da mãe de Henry e recuperaram mensagens trocadas com a babá, Thayná de Oliveira Ferreira, nas quais ela relatava agressões do político ao menino. Depois que o fato se tornou de conhecimento público, a babá mudou seu depoimento e admitiu que sabia de agressões anteriores de Dr. Jairinho ao menino. O vereador e Monique Medeiros estão presos preventivamente no Rio de Janeiro desde o dia 8 de abril.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.