Governo Bolsonaro não aumentou poder de compra no País, nem criou Pix; vídeo faz alegações enganosas

Postagem diz mostrar o que ex-presidente ‘fez pelo Brasil em quatro anos’, mas cita informações erradas e feitos compartilhados com outras gestões

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Foto do author Bernardo Costa
Atualização:

O que estão compartilhando: vídeo intitulado “O que Bolsonaro fez pelo Brasil em 4 anos?” lista o que seriam realizações do governo do ex-presidente: criou o Pix, CNH válida por 10 anos, zerou o imposto da gasolina, aumento do Bolsa Família para R$ 600, trouxe o 5G, levou água para o Nordeste, reduziu a criminalidade, menor taxa de juros, recuperou a Petrobras e melhorou o poder de compra. Na legenda da postagem está escrito: “insuperável”.

O Estadão Verifica apurou e concluiu que: a alegação de que o governo Bolsonaro elevou o poder de compra é falsa. Na realidade, o poder de compra dos brasileiros diminuiu nos anos de sua gestão (2019-2022). Já as afirmações de que ele criou o Pix e levou água para o Nordeste são enganosas. Outras alegações necessitam de contexto. As consideradas verdadeiras são as que estão relacionadas à Lei que estabeleceu prazo de dez anos para a renovação da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) para condutores até 50 anos de idade e à implantação da frequência de internet 5G no País.

O ex-presidente da República Jair Bolsonaro (PL). Foto: Alan Santos/Presidência da República

Saiba mais: o vídeo é uma animação, com cartelas passando da direita para a esquerda. Em cada uma delas, aparece uma ilustração do rosto de Bolsonaro acima e, abaixo, o alegado feito do ex-presidente. Bolsonaro ocupou a Presidência da República entre os anos de 2019 e 2022.

Poder de compra não aumentou, mas diminuiu

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O poder de compra dos brasileiros não aumentou no governo Bolsonaro, mas diminuiu. Consultado pelo Estadão Verifica, o economista Luciano Nakabashi, professor associado do Departamento de Economia da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FEA-RP/USP), explicou que o poder de compra tem relação com a comparação entre dois indicadores: inflação e rendimento dos trabalhadores.

O dado para a inflação, segundo o professor, é o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Já o dado de rendimento dos trabalhadores aparece na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

De acordo com a PNAD Contínua (página 4), do IBGE, o rendimento médio mensal real da população registrou queda no governo Bolsonaro: de R$ 2.711 em 2019 para 2.533 em 2022. Já o IPCA teve alta de 4,31 em 2019 para 5,79 em 2022. “A inflação cresceu mais do que a renda e houve uma queda do salário médio real. Com isso, o poder de compra diminuiu no período”, disse Nakabashi.

Alegações enganosas: Pix e água para o Nordeste

Como mostrado pelo Projeto Comprova em agosto de 2022, a alegação de que Bolsonaro criou o Pix é enganosa. Apesar de ter sido lançado em novembro de 2020, na gestão do ex-presidente, o sistema de pagamento instantâneo não foi uma criação de seu governo. Ele começou a ser desenvolvido por técnicos do Banco Central em 2018, durante o governo de Michel Temer, quando o então presidente do BC, o economista Ilan Goldfajn, instituiu o grupo de trabalho Pagamentos Instantâneos.

Em entrevista ao Jornal Nacional, da TV Globo, em agosto de 2022, durante a campanha à reeleição, Bolsonaro disse que criou o Pix, o que levou o Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central (Sinal) a emitir uma nota de repúdio. Na manifestação, o órgão reiterou que o Pix foi criado e implementado por servidores do Banco Central e não pela gestão de Bolsonaro ou qualquer outro governo.

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Bolsonaro visita obras da transposição das águas do rio; construção começou oficialmente em 2007. Foto: Alan Santos/Presidência da República

Outra alegação enganosa é a de que Bolsonaro levou água para o Nordeste. A alegação tem relação com a Transposição do Rio São Francisco, a maior obra de infraestrutura hídrica do País, que tem o objetivo de abastecer rios de cidades nordestinas que perdem volume nas temporadas de estiagem. Como mostrou o Projeto Comprova, apesar de Bolsonaro ter retomado 222 km que haviam sido retirados do projeto original, a execução da obra atravessou outras três gestões anteriores que, juntas, entregaram mais de 90% da infraestrutura do empreendimento.

Juros subiram progressivamente até o fim de 2022

A alegação de que houve a menor taxa de juros no País durante o governo Bolsonaro necessita de contexto. A taxa Selic (Sistema Especial de Liquidação e Custódia) representa os juros básicos na economia brasileira e influencia todas as taxas de juros praticadas no País. De acordo com a série histórica no portal do Banco Central, o País registrou taxa de 2% ao ano em 2020 – a menor desde a década de 1990.

No entanto, o indicador subiu progressivamente na sequência até atingir o patamar de 13,75% ao ano em agosto de 2022. O patamar, que se manteve até dezembro daquele ano, foi maior do que a mais alta taxa verificada no primeiro mandato de Dilma Rousseff (2011/2014), de 12,5%, e igual à mais alta do segundo mandato de Lula (2007/2010), como mostrou levantamento do Estadão.

Fonte: Banco Central do Brasil Foto: Repodução/site Banco Central do Brasil

Redução da criminalidade seguiu tendência histórica

De acordo com o Atlas da Violência 2024, produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública em parceria com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a conjuntura dos registros de homicídios no País não permite vincular ações do governo Bolsonaro com a queda da violência no País.

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De fato, em 2019, no primeiro ano do governo Bolsonaro, o número de homicídios no Brasil registrou forte redução: 21,7 casos a cada 100 mil habitantes contra 27,9 no ano anterior. O patamar de 2019 foi o menor desde a série histórica iniciada em 2012, quando o índice foi de 28,9 a cada 100 mil habitantes. Segundo o estudo, a taxa de 2019 permaneceu praticamente estagnada até 2022.

Segundo os autores do documento, a queda verificada em 2019 não está relacionada a ações do governo federal, mas sim a uma tendência de queda que já estava em curso, impulsionada pelos seguintes fatores: o envelhecimento da população, o maior controle de armas de fogo no País a partir de 2003 com o Estatuto do Desarmamento e a um conjunto de políticas de segurança pública em alguns estados e municípios.

De acordo com o documento, uma possível explicação para a estagnação, a partir de 2020, na tendência de redução da violência letal no Brasil tem ligação com a legislação armamentista do governo Bolsonaro, “que pode ter influenciado no sentido de aumentar os homicídios, anulando a maré a favor da redução de morte”, destaca o estudo.

“Ao contrário do propalado, não houve qualquer sinal de melhoria na conjuntura da segurança pública no Brasil no período Bolsonaro. A tendência de queda das Mortes Violentas Intencionais se exauriu, no rastro de uma legislação armamentista negacionista”, concluem os autores do estudo.

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Em matéria do Globo, especialistas também não vinculam ações do governo Bolsonaro à queda dos índices de mortes violentas.

Benefícios ocorreram somente durante o período eleitoral

O aumento do Bolsa Família – chamado Auxílio Brasil no governo Bolsonaro – para R$ 600 e o fim dos impostos federais sobre a gasolina são outras afirmações que necessitam de contexto. As medidas foram tomadas em plena campanha eleitoral de 2022 e tinham validade somente até dezembro daquele ano.

Em junho de 2022, um Projeto de Lei Complementar que zerou as alíquotas dos impostos federais sobre o preço da gasolina foi aprovado no Congresso Nacional. A medida consta no artigo Art. 10 da Lei Complementar nº 194, de 23 de junho de 2022, sancionada por Bolsonaro. Ele dá nova redação ao Art. 9º-A da da Lei Complementar nº 192/2022 e estabelece que as alíquotas da Contribuição para o PIS/Pasep, da Cofins e da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) incidentes sobre as operações que envolvam gasolina “ficam reduzidas a 0 (zero) até 31 de dezembro de 2022″.

Auxílio Brasil aumentou para R$ 600 em período eleitoral. Foto: Júlio Dutra/Ministério da Cidadania

O mesmo prazo de validade consta da medida que instituiu o Auxílio Brasil de R$ 600, anunciada por Bolsonaro também em junho de 2022. A medida foi incluída na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos combustíveis. A PEC foi promulgada no mês seguinte e previa ainda uma série de outros benefícios sociais, como a expansão do Auxílio-Gás e a criação de auxílios a caminhoneiros e taxistas por conta do aumento do preço dos combustíveis.

A PEC instituiu estado de emergência no País até o fim daquele ano em função da crise econômica mundial provocada pela pandemia e pela guerra na Ucrânia. Com isso, os valores que permitiram ampliação dos benefícios à população ficaram fora do teto de gastos. A PEC foi apelidada de “kamikaze” e considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) dois anos depois. A Corte observou “desvio de finalidade com efeitos eleitorais específicos”.

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Petrobras: recuperação teve início antes do governo Bolsonaro

A Petrobras vinha registrando prejuízo e outros indicadores negativos pelo menos desde 2015 e, embora tenha alcançado os melhores números desde então no governo Bolsonaro, a companhia já havia começado a se recuperar antes do início da gestão dele. Depois de prejuízos em 2015, 2016 e 2017, a empresa voltou a registrar lucro em 2018, ainda no governo de Michel Temer (MDB). O lucro recorde foi alcançado em 2022, R$ 188,3 bilhões.

Outros indicadores de desempenho importantes subiram no governo Bolsonaro, como o ROI (Retorno sobre capital investido), ROA (retorno sobre ativos) e ROE (retorno sobre patrimônio líquido). Mas eles também já tinham começado a se recuperar em 2018, depois de ficarem no negativo em 2015, 2016 e 2017. Em 2022, alcançaram os melhores índices: 12,14% (ROA), 19,70% (ROI) e 31,80% (ROE).

Funcionário passa por fachada do centro de pesquisa da Petrobrás na UFRJ , Rio de Janeiro.  Foto: PEDRO KIRILOS / ESTADÃO

Segundo o professor Luciano Nakabashi, fatores alheios ao governo Bolsonaro possibilitaram a recuperação da Petrobras, como a mudança das regras de governança das estatais e empresas de economia mista na gestão de Michel Temer e o aumento do preço do petróleo.

Já o valor das ações oscilou no governo passado. Em 28 de dezembro de 2018, antes de Bolsonaro assumir, a ação da Petrobras fechou o ano custando R$ 22,68. Ao final de 2019, custava R$ 30,26. Depois, passou para R$ 27,95 no final de 2020, R$ 28,33 no final de 2021 e R$ 24,50 no final de 2022.

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Em 2023, nos últimos dias de dezembro, a ação era comercializada a R$ 25,12, mas o preço começou a subir em 2024 e alcançou, em 16 de fevereiro de 2024, o maior valor desde 2008: R$ 42,69. Nesta segunda-feira, 2, a ação era negociada a R$ 39,15.

COLABOROU CLARISSA PACHECO

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