É falso que vídeo mostra Jair Bolsonaro levando soco após atentado

Gravação já havia circulado fora de contexto na época do ataque a faca para dizer que agressor teria contado com o apoio de outras pessoas, mas Polícia Federal desmentiu a tese

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Foto do author Clarissa Pacheco
Atualização:

Quase quatro anos após a facada sofrida pelo então candidato à Presidência da República Jair Bolsonaro em Juiz de Fora (MG), em 6 de setembro de 2018, viralizou uma postagem que resgata a falsa suspeita de que o ataque teria sido ordenado pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e de que um homem desferiu um soco no abdome de Bolsonaro pouco após o atentado. Ambas as alegações, apontadas em um post no Instagram feito pelo cantor Netinho, são falsas e foram descartadas pela Polícia Federal, que investigou o caso.

No post feito no Instagram, Netinho compartilhou um vídeo que mostra repetidas vezes o momento em que um homem de camisa marrom leva a mão parcialmente fechada até a altura do abdome de Bolsonaro, depois de ele já ter sido atingido pela facada. Na legenda do post que acumula quase 3 mil interações, o cantor que é pré-candidato a deputado federal pela Bahia escreveu: "QUEM MANDOU MATAR BOLSONARO? Para a imprensa não foi o PSOL...".

 Foto: Estadão

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Na época, as mesmas imagens circularam com legendas como "Assassinos comunistas infiltrados tentam matar Bolsonaro", "Esse cara deu um soco no braço e um puxão/beliscão", "Homem dá soco em Bolsonaro depois de ser esfaqueado", "Imagem mostra Jair Bolsonaro sendo atingido covardemente...", "Homem dá soco em Bolsonaro ferido". Parte da imprensa chegou a compartilhar o vídeo e a suspeita e o senador Magno Malta (PL-ES) disse haver uma desconfiança de que um dos policiais da equipe de segurança de Bolsonaro o teria traído.

Mas, dois dias após a facada, um dos filhos do então candidato, Eduardo Bolsonaro, usou o Twitter para desmentir a história. Ele postou a imagem e escreveu: "O homem que supostamente deu um soco em Bolsonaro é um Policial Federal. Não foi um soco, sua mão estava mole, ele estava direcionando o corpo de JB (Jair Bolsonaro) para entrar no carro. A mão está fechada, mas na hora foi desse jeito, sem querer mesmo, podem acreditar. Fiquem tranquilos ?".

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Policial sofreu ataques e teve que ser transferido

O inquérito da Polícia Federal sobre o caso, publicado pelo Estadão, também fala sobre o suposto soco. De acordo com o inquérito, o homem que aparece nas imagens é o agente da Polícia Federal Luiz Felipe Félix, que era parte da célula de segurança do candidato e foi um dos responsáveis por ajudar a "extrair" Bolsonaro do local da facada e o levar a um lugar seguro. A participação dele no atentado foi descartada.

Inquérito da PF

"O histórico do policial foi averiguado, sendo identificado o modo que se deu a sua designação para aquela missão específica, afastando, por definitivo, qualquer indicativo mínimo que pudesse sustentar uma suposta atuação em conluio com Adélio Bispo de Oliveira ou mesmo motivação para atentar contra o então candidato", diz trecho do inquérito da Polícia Federal.

Por conta das falsas alegações de que o policial havia agredido Bolsonaro em conluio com Adélio Bispo, ele passou a ser hostilizado nas redes sociais e precisou, segundo a Polícia Federal, ser transferido para outro estado, "assumindo os prejuízos pessoais decorrentes".

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Trecho do relatório final da PF sobre atentado a faca contra Bolsonaro. Foto: PF/Reprodução

PSOL não teve participação no ataque

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No mesmo dia do atentado, ainda no final da tarde do dia 6 de setembro, o PSOL confirmou que o autor da facada, Adélio Bispo, havia sido filiado ao partido por sete anos. Mas ele já não tinha nenhum vínculo à legenda desde 2014, quatro anos antes do ataque. A informação foi confirmada na época pela direção do PSOL em Minas Gerais. Ao UOL, a presidente do diretório mineiro do partido, Maria da Consolação Rocha, repudiou o ataque e disse não se lembrar do histórico de militância de Adélio junto ao partido.

O inquérito da Polícia Federal também fala sobre isso e descarta a participação do PSOL no atentado, assim como do PSD, partido que ele chegou a procurar para se filiar, em 2016, mas não formalizou o pedido. De acordo com o inquérito, Adélio disse à Polícia Federal que foi filiado ao PSOL entre 2007 e 2014, e que se desfiliou do partido quando este não permitiu sua candidatura a deputado federal. A filiação havia sido feita na cidade mineira de Uberaba e o único contato de Adélio com representantes do PSOL era com o presidente regional da legenda, José Eustáquio dos Reis.

Eustáquio disse em depoimento à PF que, após a filiação, Adélio "sumiu, nunca tendo frequentado uma reunião sequer do partido" e que "nunca teve qualquer tipo de participação ativa no PSOL". Para além dos depoimentos, a PF investigou a filiação de Adélio ao partido e confirmou que ela permaneceu ativa de 2007 a 2014 e descartou que houvesse participação de terceiros ou do PSOL no ataque contra Bolsonaro.

"Os dados constantes dos aparelhos telefônicos, computador, agendas, anotações, e-mails, redes sociais, bem como as informações obtidas em campo, por entrevistas ou por tomada de depoimentos, não permitiram levantar sequer suspeitas em torno da conivência ou participação de membros do PSOL ou do PSD no atentado ao então candidato Jair Messias Bolsonaro", diz o inquérito.

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O Estadão Verifica já desmentiu outra alegação falsa envolvendo Adélio Bispo e o PSOL - a de que um depoimento na PF ligaria Adélio ao ex-deputado pelo partido Jean Wyllys.

A Polícia Federal concluiu que Adélio agiu sozinho e foi considerado inimputável por ter doença mental que impede a capacidade de compreender que o ato praticado era ilícito. Em janeiro deste ano, a PF escalou o delegado Martin Bottaro Purper, que investigou o PCC, para retomar o inquérito da facada e investigar o trabalho do advogado Zanone Manuel de Oliveira Júnior, que defendeu Adélio.

Bolsonaro voltou a ligar Adélio ao PSOL

Na última segunda-feira, 11, o presidente Jair Bolsonaro voltou a tentar ligar a facada ao PSOL ao comentar o assassinato de Marcelo Arruda, tesoureiro do PT em Foz do Iguaçu (PR), pelo policial penal bolsonarista Jorge José da Rocha Guaranho, que invadiu a festa de aniversário da vítima no dia 9 aos gritos de "aqui é Bolsonaro" e "mito". Em frente ao Palácio da Alvorada, Bolsonaro respondeu que não tem nada a ver com o caso, o qual tratou como "uma briga de duas pessoas". "Vocês viram o que aconteceu ontem, uma briga de duas pessoas lá em foz do Iguaçu. Bolsonarista, não sei o que lá. Agora, ninguém fala que o Adelio é filiado ao PSOL, né?", disse.

O Estadão Verifica tentou contato com Netinho, autor do post aqui verificado, através do formulário de contato do site oficial do cantor. O sistema reportou mensagem de erro diversas vezes, não sendo possível enviar a mensagem.

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Este boato foi checado por aparecer entre os principais conteúdos suspeitos que circulam no Facebook. O Estadão Verifica tem acesso a uma lista de postagens potencialmente falsas e a dados sobre sua viralização em razão de uma parceria com a rede social. Quando nossas verificações constatam que uma informação é enganosa, o Facebook reduz o alcance de sua circulação. Usuários da rede social e administradores de páginas recebem notificações se tiverem publicado ou compartilhado postagens marcadas como falsas. Um aviso também é enviado a quem quiser postar um conteúdo que tiver sido sinalizado como inverídico anteriormente.

Um pré-requisito para participar da parceria com o Facebook  é obter certificação da International Fact Checking Network (IFCN), o que, no caso do Estadão Verifica, ocorreu em janeiro de 2019. A associação internacional de verificadores de fatos exige das entidades certificadas que assinem um código de princípios e assumam compromissos em cinco áreas:  apartidarismo e imparcialidade; transparência das fontes; transparência do financiamento e organização; transparência da metodologia; e política de correções aberta e honesta. O comprometimento com essas práticas promove mais equilíbrio e precisão no trabalho.

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