Entenda arranjo que permitiu retomada de duplicação da BR-163 no Mato Grosso

Acordo com a ANTT validado pelo TCU permitiu que governo estadual virasse acionista majoritário de empresa privada, que retomou obras em 2023; vídeos nas redes sociais atribuem responsabilidade do empreendimento a Lula e a Bolsonaro

PUBLICIDADE

Foto do author Clarissa Pacheco

O que estão compartilhando: vídeo em que o deputado estadual do Mato Grosso Valdir Barranco (PT) afirma que as obras de duplicação da BR-163 foram retomadas no Estado graças ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, enquanto o suplente de deputado estadual Xuxu Dal Molin (União Brasil) atribui o trabalho ao governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e ao governo do Mato Grosso.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: há exagero nas duas falas. Nenhum dos dois explica bem o processo complexo em torno da retomada da obra de duplicação da BR-163, que ficou parada por sete anos e foi retomada há dez meses. Entenda:

  1. A rodovia foi entregue à Concessionária Rota do Oeste (CRO), que pertencia ao grupo Odebrecht, em 2014, ainda no governo da ex-presidente Dilma Rousseff (PT)
  2. De acordo com a empresa, que agora se chama Nova Rota do Oeste (NRO), questões políticas e econômicas impediram que a maioria das concessionárias cumprissem os contratos firmados na época, e as obras de duplicação na BR-163 foram paralisadas há cerca de sete anos
  3. Entre 2021 e 2022, o governo do Mato Grosso passou a ser cobrado mais enfaticamente a encontrar uma solução para o caso, já que a rodovia é fundamental para o setor do agronegócio do Estado
  4. Em 2022, ainda no governo de Bolsonaro, o governador Mauro Mendes (União Brasil) e a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), autarquia federal, traçaram um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) que permitiu que o governo estadual entrasse como acionista majoritário da concessionária NRO com a MT Par, possibilitando a retomada das obras. A ANTT estruturou o projeto de concessão e o TCU aprovou o termo
  5. Em maio de 2023, o novo modelo começou a funcionar e as obras foram retomadas, já no governo Lula. A responsável pelas obras, contudo, continua a ser uma empresa privada e a principal fonte de recursos é a cobrança de pedágio. Em geral, essas empresas contam com subsídio e financiamento federal via Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Com aporte de R$ 1,6 bilhão da MT Par, a NRO poderá voltar a pedir financiamentos, que, segundo a empresa, devem ser contratados em breve.
Primeiro trecho após retomada da duplicação tem 15 quilômetros, fica entre Diamantino e Nova Mutum e foi entregue em 18 de março de 2024. Foto: Divulgação/ANTT Foto: Foto: Divulgação/ANTT

PUBLICIDADE

Os dois políticos que aparecem no vídeo – o deputado estadual Valdir Barranco (PT) e o ex-deputado Xuxu Dal Molin (União) – foram procurados, mas não responderam até a publicação deste texto.

Saiba mais: O anúncio de que a BR-163 seria duplicada no Mato Grosso foi feito há dez anos. De acordo com Roberto Madureira, gerente de Relações Institucionais da Nova Rota do Oeste, o contrato de concessão da rodovia foi firmado em 2014, durante o governo de Dilma, com a CRO, que pertencia ao grupo Odebrecht. Na mesma época, outras cinco empresas venceram concessões para operar outras rodovias pelo Brasil.

Publicidade

O acordo era que, antes de iniciar a cobrança de pedágio em nove praças distribuídas ao longo de 850 quilômetros, a CRO precisaria duplicar 10% do trecho da BR-163 que ainda operava em pista simples. As obras, contudo, não andaram. A cobrança do pedágio começou em 2015 e quem utiliza a rodovia passou sete anos esperando por uma retomada, que só aconteceu em 2023.

Por que a obra parou?

De acordo com Roberto Madureira, uma série de fatores políticos e econômicos impossibilitaram que a maioria das concessionárias executasse as obras de duplicação. “Esse pacote [de concessões] não conseguiu performar por vários motivos, por crises políticas e econômicas, pela Lava Jato. Tudo isso impactou e a maioria dessas concessionárias não conseguiu executar a obra de duplicação”, disse.

Segundo ele, não havia uma saída na legislação para solucionar o problema e, ainda no governo do ex-presidente Michel Temer (MDB), foi editada a chamada Lei de Devolução Amigável, que faria com que as concessões voltassem para as concessionárias que não estavam conseguindo executar as obras. Isso, para Madureira, também não deu muito certo. “Na época, não tinha nada de governo estadual que fosse possível. Veio Temer, veio Bolsonaro e não veio nenhuma solução”, afirmou.

Entre 2021 e 2022, o governo do Mato Grosso se viu diante de cobranças enfáticas a dar uma solução ao problema, já que a rodovia é fundamental para o agronegócio no Estado, e começou a buscar uma solução junto à ANTT. A autarquia federal confirmou ao Verifica que aprovou a mudança no controle acionário em dezembro de 2022.

Quando a obra voltou?

Apesar de aprovada em dezembro de 2022, a NRO passou a operar sob o controle da MT Par em maio do ano passado, e as obras foram retomadas em julho. De lá para cá, foi contratada a duplicação de mais de 170 quilômetros de rodovia, e os primeiros 15 quilômetros foram entregues em 18 de março, entre os municípios de Diamantino e Nova Mutum.

Publicidade

Para Roberto Madureira, da NRO, não é possível retirar o mérito do governo federal na solução do caso. “Eu destaco que o papel da ANTT foi fundamental, mostrou um arrojo, uma coragem que não é tão comum em órgãos de regulação, para fazer algo que fosse beneficiar o usuário. Então, o governo teve participação pela ANTT, sem dúvida nenhuma, o TCU também participou, validando a operação, mas o que mudou a história definitivamente foi a entrada do governo do Estado”, disse.

Procurada, a ANTT confirmou que a entrega ocorreu após a MT Par assumir o controle acionário da NRO e que o órgão federal “vem acompanhando a evolução do contrato de concessão e garantindo que todos os investimentos previstos sejam cumpridos”. O diretor da ANTT, Luciano Lourenço, participou da entrega dos primeiros 15 quilômetros de duplicação.

A Secretaria de Estado de Infraestrutura e Logística do Mato Grosso (Sinfra) destacou que as obras de duplicação não são executadas pela Sinfra, e sim pela NRO, e indicou que a MT Par falasse sobre o assunto. Esta, por sua vez, encaminhou a demanda para a Nova Rota do Oeste.

O governo federal entrou com recursos para a duplicação?

Não. O único aporte financeiro para a retomada da duplicação veio do Governo do Mato Grosso, mas o dinheiro, explica o representante da NRO, não significa um investimento direto na obra. “O papel do governo seria quitar as dívidas, investir uns R$ 600 milhões além das dívidas, o que dava R$ 1,6 bilhão. Isso saneou as dívidas, fez com que a empresa ficasse saudável novamente e a gente iniciou imediatamente a troca de comando e a obra de duplicação”, apontou.

Mas, com a empresa saudável, é provável que haja, sim, investimento federal. A companhia pretende contratar em breve um financiamento junto ao BNDES para tocar as obras, embora os recursos para a duplicação venham, majoritariamente, da cobrança de pedágio.

Publicidade

Atualmente, existem nove praças de pedágio distribuídas ao longo de 850 quilômetros de rodovia no Mato Grosso, localizadas nos municípios de Itiquira, Rondonópolis, Campo Verde, Santo Antônio de Leverger, Jangada, Diamantino, Nova Mutum, Lucas do Rio Verde e Sorriso. A tarifa mais barata é R$ 2,60 para motos em Nova Mutum, e a mais cara, R$ 7,60 para automóveis e veículos comerciais (por eixo) em Jangada.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.