Vídeo distorce dados para defender que o Brasil tem meio ambiente 'extremamente preservado'

Conteúdo divulgado nas redes sociais afirma que 66% do território do País está conservado, o que não é verdade

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Por Luciana Marschall
Atualização:

São enganosas as informações referentes à preservação ambiental brasileira divulgadas em um vídeo amplamente compartilhado no Facebook e no WhatsApp. A narração do conteúdo, em inglês, tem o intuito de promover a política ambiental nacional em detrimento da praticada em outros países e convidar turistas estrangeiros a conhecer de perto a realidade alegada. O vídeo foi publicado na conta do presidente Jair Bolsonaro (PL) no Instagram em 9 de maio deste ano, mas voltou a circular recentemente.

Leitores pediram a checagem por WhatsApp, no número (11) 97683-7490. Veja abaixo a verificação dos números citados.

 

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Brasil tem 66% de vegetação nativa, mas não necessariamente conservada

O vídeo alega que 66% do território brasileiro está completamente conservado, o que é enganoso. Conforme levantamento do MapBiomas (abaixo), essa é a área ocupada por vegetação nativa. No entanto, 8,2% dessa vegetação é secundária, ou seja, já foi desmatada pelo menos uma vez. 

Coleção Sete MapBiomas - Mapeamento Anual de Cobertura e Uso da Terra no Brasil entre 1985 e 2021

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Além disso, não é possível afirmar que esses espaços estejam protegidos, de acordo com coordenador de comunicação do Observatório do Clima. "Não significa que essa vegetação esteja conservada, menos ainda 'completamente conservada'", disse. "Pelo menos 8% foram áreas desmatadas ao menos uma vez nos últimos 37 anos. Outros 11% já pegaram fogo ao menos uma vez nesse período. O mais grave, porém, é que esses 66% vêm sendo desmatados muito rápido: um terço de todo o desmatamento feito no país aconteceu nos últimos 37 anos", completou o autor do livro A espiral da morte - como a humanidade alterou a máquina do clima (Companhia das Letras, 2016).

O MapBiomas aponta que, entre 1985 e 2021, o Brasil perdeu 13,1% de vegetação nativa, entre florestas, savanas e outras formações não florestais. O território foi ocupado pela agropecuária, atividade que responde por um terço do uso da terra no Brasil. As alterações ocorridas em menos de 40 anos são consideradas muito intensas, pois correspondem a 33% de toda a área antropizada (cujas características foram alteradas) do País. "Em 1985, havia 76% de cobertura nativa no Brasil. É preciso considerar, ainda, que parte dessa vegetação está em propriedades privadas, onde é permitido por lei, dependendo do bioma, desmatar de 20% a 80% da propriedade", acrescentou Angelo. 

Em junho deste ano, o Estadão Verifica já havia explicado que uma parte desta vegetação nativa está degradada ou já foi desmatada e está em regeneração. Isso também é observado por Tasso Azevedo, coordenador geral do MapBiomas, em um texto no site da organização. 

Agricultura ocupa 7,4% do território, mas agropecuária alcança 31%

O vídeo dá ênfase ao fato de apenas 7% do território brasileiro ser destinado à agricultura, o que é confirmado pelo MapBiomas - mais precisamente, a porcentagem é de 7,4%. O conteúdo omite, no entanto, que a agropecuária - que engloba a criação de animais - cresceu 228% em ocupação de territórios entre 1985 e 2021, passando de 21% de território ocupado para 31%.

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Para Claudio Angelo, é importante lembrar que que 23% do território nacional é ocupado por pastagens. "Se contabilizadas as pastagens naturais do Pampa e do Pantanal, o uso agropecuário vai a cerca de 35%, algo próximo à média mundial", diz. 

O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) informou à reportagem que o Censo Agropecuário 2017 registrou que a área dos estabelecimentos agropecuários no Brasil é de 351,3 milhões de hectares, que correspondiam, naquele momento, a 41,3% do território nacional. 

É enganoso afirmar que Amazônia esteja 84% conservada 

O Estadão Verifica já mostrou que é enganosa a afirmação de que 84% da Amazônia esteja conservada. O número foi divulgado pelo chefe-geral da Embrapa Territorial, Evaristo de Miranda, em um documento disponível no site do órgão, onde são somados dados de áreas protegidas na Amazônia, registros autodeclaratórios de proprietários rurais no Cadastro Ambiental Rural (CAR) e vegetação nativa em áreas de imóveis rurais não cadastrados e terras devolutas. 

DOCUMENTO EMBRAPA

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Há, contudo, controvérsias nessa metodolgoia. O MapBiomas calcula que 78,4% do bioma ainda é composto por florestas, com perda de 44,5 milhões de hectares da cobertura desde 1985. Já o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) informa que o desmatamento acumulado na Amazônia até 2020 era de 729.781,76 km², o que representa 17% da área total.

DOCUMENTO MAPBIOMAS  

Em setembro de 2020, pesquisadores do Brasil e dos Estados Unidos publicaram um artigo na revista científica Science em que tentam mensurar o nível de degradação florestal na Amazônia entre 1992 e 2014. Eles estimaram que outras formas de exploração além do desmatamento foram responsáveis por elevar a área total de floresta degradada no período de 308.311 km² para 337.427 km² -- a diferença é de 29.116 km², ou 9,4%.

De acordo com Claudio Angelo, a cifra de 84% é considerada para toda a Amazônia Legal, mais ampla que a floresta amazônica. Ele cita que dados do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), demonstram desmatamento acumulado no bioma Amazônia até 2021 de 830 mil quilômetros quadrados, 21% da área (4,2 milhões de km²). As informações constam no Volume 01 do estudo Fatos da Amazônia, do Projeto Amazônia 2030. "Portanto, o índice de vegetação remanescente na floresta amazônica é de 79%, só que parte dessas florestas já sofreu degradação, por fogo, extração de madeira ou outras atividades, então não dá para afirmar que esteja 'conservada'", comentou.

Maior parte da energia elétrica do Brasil é de fontes renováveis, mas dado citado está desatualizado

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O conteúdo afirma que 85% da energia elétrica consumida no Brasil vem de fontes renováveis, o que é confirmado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Segundo os dados do órgão, o Brasil tem 83,25% da energia proveniente de matriz renovável, sendo a hídrica a mais abundante, com 59,27% da produção. A matriz não renovável é responsável por 16,75% da energia, sendo o gás natural o mais consumido (8,80%). 

 

 

Porém, o Balanço Energético Nacional de 2021, feito pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), vinculada ao Ministério de Minas e Energia, e divulgado em junho de 2022, aponta uma queda na participação de renováveis na matriz elétrica brasileira entre 2020 e 2021. No primeiro ano, 83,8% da energia era dessa modalidade de matriz, enquanto em 2021 essa porcentagem caiu para 78,1%. Conforme o órgão, esse movimento ocorreu devido à queda da oferta hidráulica, que foi em parte compensada pelo aumento da geração termelétrica. 

Balanço Energético Nacional de 2021

 

 

É enganosa afirmação de que Brasil tem 14% de territórios indígenas protegidos

O vídeo sustenta que 14% de território brasileiro é de posse indígena e está protegido, o que não é verdadeiro. Conforme a Fundação Nacional do Índio (Funai), há 680 áreas indígenas registradas, mas destas apenas 443 possuem os processos de demarcação homologados ou regularizados. Outras 237 se encontram sob análise. A totalidade dessas áreas representa 13,75% do território brasileiro, estando localizadas em todos os biomas, sobretudo na Amazônia Legal.

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Além disso, não é possível afirmar que os territórios indígenas estejam protegidos, segundo Claudio Angelo. "Ter 14% do território demarcado como área indígena é muitíssimo diferente de proteger essas áreas. Como vem sendo amplamente noticiado, algumas das maiores terras indígenas do Brasil - como a Yanomami e a Kayapó - encontram-se invadidas por dezenas de milhares de garimpeiros. Outras, como a Ituna-Itatá, no Pará, retalhadas por grileiros. O número de invasões de terras indígenas entre 2019 e 2021 aumentou 212% em relação à média 2016-2018, segundo dados do Conselho Indigenista Missionário publicados neste mês", afirmou. 

Vídeo diminui participação brasileira nas emissões de dióxido de carbono

O vídeo alega que o Brasil emite 2,9% de monóxido de carbono do planeta e que países do G20 são responsáveis por 78% da emissão do gás na atmosfera. O intuito é sustentar que o Brasil é superior a outros países nas questões ambientais, mas existe um erro na definição do composto químico, uma vez que é o dióxido de carbono o maior responsável por danos à atmosfera. Corrigido isso, entende-se que o dado divulgado foi extraído do Relatório sobre a Lacuna de Emissões 2019, do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), apontando que Países do G-20 respondem por 78% de todas as emissões de CO2. 

O vídeo omite, no entanto, que o relatório não inclui emissões relacionadas às mudanças no uso da terra, que, se contabilizadas, colocariam o Brasil em primeiro lugar como maior emissor. O levantamento dá atenção especial a sete membros do grupo - Argentina, União Europeia, Índia, Japão, Estados Unidos e Brasil - apontando que, juntos, esses países concentraram cerca de 56% das emissões globais em 2017.

No caso do Brasil, o relatório destaca que a tendência recente de aumento do desmatamento faz com que as emissões de CO2 estejam pelo menos 15% acima da meta de redução. Isso porque, após forte queda nas taxas de desmatamento entre 2004 e 2012, houve aumento de 70% em 2018.

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O Estadão Verifica já mostrou anteriormente que o Brasil responde, de fato, por cerca de 3% das emissões de gases de efeito estufa (GEE) no mundo, mas que isso não significa que o País polui pouco. Um levantamento divulgado em outubro do ano passado pelo think tank Carbon Brief mostra que o Brasil ocupa a quarta posição no ranking mundial de emissões de carbono acumuladas entre 1850 e 2021, atrás apenas de Estados Unidos, China e Rússia. Nestes países, o principal responsável pela emissão de gases poluentes é a queima de combustíveis fósseis, enquanto no Brasil a agropecuária e o uso da terra respondem pela maior parte das emissões, segundo dados do Sistema Nacional de Registros de Emissões (Sirene) atualizados pelo Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG)

Governo nega autoria do vídeo

O vídeo divulgado não apresenta qualquer fonte, tanto da produção do conteúdo quanto dos dados apresentados. A Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo (Embratur) e o Ministério do Turismo negaram ao Estadão Verifica terem qualquer relação com o material. A Embratur acrescentou que todas as campanhas promocionais produzidas e divulgadas pela agência estão disponíveis em links oficiais (1, 2 e 3)

O Estadão Verifica procurou, também, o Ministério do Meio Ambiente, a Funai e a Secretaria de Governo, mas não houve retorno. 

O mesmo conteúdo foi verificado anteriormente pela Agência Lupa, que considerou os dados falsos e descontextualizados.

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Este boato foi checado por aparecer entre os principais conteúdos suspeitos que circulam no Facebook. O Estadão Verifica tem acesso a uma lista de postagens potencialmente falsas e a dados sobre sua viralização em razão de uma parceria com a rede social. Quando nossas verificações constatam que uma informação é enganosa, o Facebook reduz o alcance de sua circulação. Usuários da rede social e administradores de páginas recebem notificações se tiverem publicado ou compartilhado postagens marcadas como falsas. Um aviso também é enviado a quem quiser postar um conteúdo que tiver sido sinalizado como inverídico anteriormente.

Um pré-requisito para participar da parceria com o Facebook  é obter certificação da International Fact Checking Network (IFCN), o que, no caso do Estadão Verifica, ocorreu em janeiro de 2019. A associação internacional de verificadores de fatos exige das entidades certificadas que assinem um código de princípios e assumam compromissos em cinco áreas:  apartidarismo e imparcialidade; transparência das fontes; transparência do financiamento e organização; transparência da metodologia; e política de correções aberta e honesta. O comprometimento com essas práticas promove mais equilíbrio e precisão no trabalho.

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