O quadro de emprego e desemprego no Brasil em janeiro de 2023, primeiro mês do governo Lula, foi divulgado nesta quinta-feira, 9, quando saíram os dados do novo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). No período, foram 1.874.226 novas admissões e 1.790.929 desligamentos, saldo positivo de 83.297 empregos, após saldo negativo de 440.669 em dezembro de 2022. Embora os dados oficiais só tenham sido divulgados agora, há tempos circulam nas redes sociais peças de desinformação sobre o assunto, alegando que o início do novo governo provocou demissões em massa. Um dos boatos, por exemplo, fala que o iFood demitiu 17 mil funcionários em janeiro - mas isso é mais do que o triplo do quadro de pessoal da empresa no Brasil, de cerca de 5 mil empregados.
Em geral, esses conteúdos desinformativos distorcem informações sobre demissões em empresas, exageram números, inventam o fechamento de fábricas ou atribuem ao governo Lula decisões empresariais tomadas há mais tempo. Os disseminadores de desinformação escolhem dados sobre empresas que fecharam ou demitiram funcionários em janeiro para dizer que os dados de emprego iam mal, quando, na verdade, os números oficiais sequer existiam. Essa prática de escolher dados aleatórios para confirmar uma tese é conhecida como cherry-picking, quando alguém seleciona uma informação “a dedo” entre diversas outras, sem considerar o contexto.
A maioria das empresas citadas nos vídeos que viralizaram a partir do final de janeiro não tinha fechado, nem demitido funcionários, ou haviam fechado apenas uma unidade e demitido um número menor de pessoas. Além do iFood, a Toyota foi envolvida em boatos de demissão de números irreais de empregados. Um vídeo viral dizia que a montadora havia anunciado a demissão de 12 mil funcionários, mas emprega metade desse contingente no Brasil. A Uber também foi acusada de demitir 12 mil pessoas, mas tem mil funcionários no País.
O Caged, que reúne os dados estatísticos de admissões e demissões de trabalhadores em regime CLT no Brasil, foi criado em 1965 para fiscalizar os processos de admissão e demissão dos trabalhadores celetistas. A partir de 1986, segundo o Ministério do Trabalho, ele passou a ser utilizado como suporte de pagamento do seguro-desemprego e, atualmente, também serve para a recolocação profissional e para gerar estatísticas conjunturais sobre o mercado e trabalho celetista no País.
Entre as estatísticas que o Caged disponibiliza estão a flutuação de emprego – movimentação de admissões e desligamentos em um determinado período –, a variação absoluta do emprego, ou seja, o saldo calculado pela diferença entre admissões e demissões, além da variação relativa, calculada a partir da variação absoluta sobre o estoque do primeiro dia do mês. É esta variação que mostra o desempenho do emprego em termos percentuais.
No caso de janeiro de 2023, os dados do Caged mostram que houve 1.790.929 desligamentos, 51,4 mil a menos do que em dezembro de 2022, último mês do governo de Jair Bolsonaro (PL). Em dezembro passado foi registrado saldo negativo de 440.669 empregos com carteira assinada. Ao longo de dezembro, foram realizadas 1.401.660 de contratações e 1.842.329 desligamentos. O levantamento divulgado nesta quinta também apresentou o balanço total do ano passado. No acumulado, 2022 registrou saldo de 2.037.982 empregos, decorrente de 22.648.395 admissões e de 20.610.413 desligamentos.
Os dados setoriais do Caged em janeiro mostram que apenas o setor de Comércio teve saldo negativo em janeiro, entre os grandes grupamentos econômicos. Todos os demais (Agropecuária, Indústria, Construção e Serviços) tiveram saldo positivo. No setor de Indústria, um dos mais citados em peças de desinformação, que alegavam milhares de desligamentos e fechamentos de fábricas, o saldo positivo em janeiro foi de 34.023 empregos.
O número de admissões e de demissões não é o dado usado pelo IBGE para calcular as taxas de desemprego no Brasil, e sim a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua. A cada trimestre, pesquisadores visitam cerca de 210 mil domicílios em mais de 3,5 municípios do País, entrevistando seus moradores sobre diversos temas, inclusive o mercado de trabalho. “O desemprego, de forma simplificada, se refere às pessoas com idade para trabalhar (acima de 14 anos) que não estão trabalhando, mas estão disponíveis e tentam encontrar trabalho”, diz o IBGE.
Veja a checagem das principais postagens sobre demissões no Brasil este ano:
Setor de tecnologia
Alegação: Brasil teve 100 mil demissões em um mês
Conclusão: enganoso
Um vídeo que circulou nas redes sociais acusava o governo Lula de provocar 100 mil demissões em um mês. A fonte da informação, contudo, era o trecho de um comentário em um telejornal da Jovem Pan sobre demissões em todo o mundo, e não apenas no Brasil. Quem comentava os dados era o jornalista Bruno Meyer, que falava sobre demissões anunciadas por Dell, Loggi e C6 Bank.
Já no início do comentário, Meyer explica que a Dell é uma das maiores fabricantes de computadores do mundo e que justificou a ação pelas quedas nas vendas. Em relação à Loggi, empresa de logística brasileira, ele afirma que a companhia alegou estar se adaptando ao “novo cenário global”. Sobre o C6 Bank, também de origem brasileira, mas com uma fatia pertencente à norte-americana JP Morgan Chase, Meyer informa que a empresa anunciou as demissões, mas que pretende contratar outras pessoas, estando com 400 vagas abertas. Ao final, o comentarista diz que estas demissões em massa, somadas a outras anunciadas anteriormente, chegam a 100 mil apenas este ano.
Amazon
Alegação: 17 mil demissões e fechamento do centro de distribuição no Brasil
Conclusão: enganoso
A Amazon anunciou mais de 18 mil demissões entre novembro de 2022 e janeiro de 2023 em todo o mundo, não apenas no Brasil. A empresa também negou ter fechado seu centro de distribuição no Brasil – são atualmente 11 centros e 13 estações de entrega.
Cacau Show
Alegação: 3 mil demissões
Conclusão: falso
A marca não só negou a alegação sobre as demissões como afirmou que abriu 1 mil novas lojas no ano passado, além de uma fábrica em Linhares (ES), gerando mais empregos.
Carrefour
Alegação: 1.200 demissões e empresa fechando
Conclusão: falso.
O Grupo Carrefour Brasil emprega, atualmente, 150 mil pessoas e não fez anúncios de demissões relacionadas ao contexto político ou econômico do Brasil. A empresa considerou que está em “franca expansão”.
Citroën
Alegação: 13 mil demissões e fábrica deixando o Brasil
Alegação: falso
O grupo Stellantis, que controla a montadora francesa PSA Group, responsável pela Citroën, informou que o conteúdo que circula nas redes sociais é “totalmente improcedente e sem contato com a realidade”. A empresa também negou que fechará fábrica no Brasil e disse que lançou recentemente no País o modelo C3, exportando-o para a América do Sul. O Grupo Stellantis também negou que vá fechar a fábrica da Jeep e que deixará de produzir veículos elétricos no Brasil.
Frigorífico Big Boi
Alegação: fábrica fechando e funcionários demitidos
Conclusão: enganoso
O frigorífico Big Boi decidiu interromper as atividades de abate na cidade de Paiçandu (PR) e iniciar a demissão de 800 funcionários. O Estadão Verifica não conseguiu contato com o frigorífico, mas o site Hora do Povo informou que a empresa teria anunciado a decisão por falta de rebanhos no Paraná. Isso obrigaria os frigoríficos paranaenses a fazer suas compras de boiadas no Mato Grosso ou Mato Grosso do Sul, o que encarece a operação.
iFood
Alegação: 17 mil demissões e saída do Brasil
Conclusão: falso
A empresa informou ao Verifica que não encerrou as atividades no Brasil e é que inverídica a alegação sobre as demissões. O iFood emprega cerca de 5 mil pessoas no Brasil, ou seja, seria impossível demitir 17 mil funcionários.
Mercado Pago
Alegação: 6 mil demissões
Conclusão: falso
O Mercado Pago negou ter desligado um grande volume de pessoas este ano e informou que, além de ter contratado cerca de 300 pessoas em 2022, incorporou outras dezenas aos quadros de funcionários já em 2023, além de ter outras vagas abertas.
Riachuelo / Grupo Guararapes
Alegação: 2 mil demissões
Conclusão: enganoso
Em janeiro, o Grupo Guararapes, ao qual pertence a Riachuelo, disse ao Estadão Verifica que estava encerrando as atividades na fábrica de Fortaleza (CE) no dia 17 de janeiro. Isso resultaria na demissão de cerca de 2 mil pessoas. A empresa negou que o fechamento tenha relação com a atual política econômica. Falou que ele ocorre porque a produção fabril será concentrada agora na cidade de Natal (RN) e que isso seria parte de um movimento estratégico da empresa.
Sadia
Alegação: 1,8 mil demissões
Conclusão: falso
A BRF S.A., companhia de alimentos que tem a Sadia entre suas marcas, informou não haver nenhum movimento programado de redução do quadro de colaboradores e que a rotatividade de empregados está em linha com o observado em anos anteriores para o período. Anunciou, em janeiro, a abertura de 1.060 vagas.
Toyota
Alegação: 12 mil demissões e empresa deixando o Brasil
Conclusão: falso
A Toyota informou ao Estadão Verifica que não fez qualquer anúncio em relação a demissões e que sequer tem esse contingente de funcionários para demitir: emprega 6 mil pessoas atualmente.
Uber
Alegação: 12 mil demissões
Conclusão: falso
A Uber negou as demissões alegadas em vídeos e correntes pelo WhatsApp. A empresa tem aproximadamente 1 mil funcionários no Brasil.
Yoki
Alegação: 750 demissões
Conclusão: enganoso
A Yoki confirmou que vai transferir as atividades de Cambará (PR) para Pouso Alegre (MG). A empresa emprega 750 pessoas em Cambará e a mudança, prevista para começar em dezembro, vai provocar demissões. A Yoki disse que a decisão foi tomada há vários meses e não tem relação com o poder público ou a comunidade local. Vagas serão ofertadas para quem quiser se mudar para a cidade mineira.
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