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Não, TV Globo não reformava casas no 'Caldeirão do Huck' com recursos da Lei Rouanet

Quadro ‘Lar Doce Lar’ e outras atrações do programa eram comercializadas em pacotes para o mercado publicitário

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Foto do author Samuel Lima
Atualização:

É falso que o programa Caldeirão do Huck da TV Globo teria reformado casas no quadro Lar Doce Lar com dinheiro da Lei Rouanet. Segundo a emissora, a atração era viabilizada através de contratos de publicidade -- e não existe nenhum projeto relacionado ao quadro na plataforma oficial de consulta da Secretaria Especial da Cultura. Além disso, a legislação impede que ações comerciais recebam esse tipo de incentivo.

 Foto: Estadão

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O boato circula há meses na internet, mas ganhou força novamente nas redes sociais esta semana por meio de um vídeo de Raissa Soares, ex-secretária da Saúde de Porto Seguro que já espalhou desinformação antes sobre vacinas e o "kit covid". Na gravação, a médica sugere que a atração apresentada por Luciano Huck era uma "grande cena" abastecida por "milhares de Lei Rouanet". O conteúdo circulou primeiro no TikTok e acumulou mais de 130 mil visualizações e 13 mil compartilhamentos no Facebook.

O Estadão Verifica pesquisou os termos "Caldeirão" e "Lar Doce Lar" e também o nome de Luciano Huck na plataforma que informa dados de propostas da Lei Rouanet, o portal Versalic. Nenhum projeto foi encontrado.

Dentre as 17 empresas que Huck tem participação societária, segundo a ferramenta Cruzagrafos, apenas o Instituto Criar de TV e Cinema foi beneficiado pela Lei Rouanet. Foram destinados R$ 31,4 milhões, entre 2013 e 2021, para ações de formação audiovisual de jovens em situação de vulnerabilidade social. Essa iniciativa não tem ligação com o Caldeirão e o recurso não poderia ser usado na reforma de casas.

Em relação ao Grupo Globo, a pesquisa no Versalic retorna apenas projetos culturais da Editora Globo (responsável pela publicação de revistas como a Época e livros diversos) no valor total de R$ 158 mil, em 2013, e da Fundação Roberto Marinho (que administra museus e exposições de arte), com destinação de R$ 131,6 milhões captados entre 2009 e 2017 -- novamente sem relação com o programa de TV.

Procurada pela reportagem, a comunicação da Globo afirmou que a alegação do vídeo é falsa. "A Globo nunca recorreu a verba incentivada para a produção de quadros do Caldeirão. A comercialização do programa é feita através de pacotes comerciais colocados à disposição do mercado publicitário", informou a empresa em nota. O programa foi apresentado por Huck entre 2000 e 2021 e continua na grade da emissora em nova versão com Marcos Mion.

Além disso, o Caldeirão não se enquadra nas exigências da Lei Rouanet para ter projetos culturais aprovados e nem poderia receber incentivo nessa modalidade. De acordo com a legislação, no segmento de vídeo, as propostas apoiadas devem ser exclusivamente produções independentes ou culturais-educativas de caráter não comercial, quando realizadas por empresas de rádio e televisão. 

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A lógica por trás desse critério é que ações com apelo comercial não precisam de incentivo fiscal, pois conseguem atrair anunciantes. Os programas da Globo exibem publicidade paga para a audiência de TV aberta em todo o Brasil.

Como funciona a Lei Rouanet

A Lei Rouanet é como ficou conhecida a Lei Nacional de Incentivo à Cultura, sancionada em 1991 pelo ex-presidente Fernando Collor. Ela funciona por meio de incentivos fiscais, ou seja, o governo deixa de receber parte do Imposto de Renda de cidadãos e empresas caso estes prefiram contribuir para algum projeto cultural específico de sua escolha. A aprovação dos candidatos depende da Secretaria Especial da Cultura, que exige uma série de documentos de produtores culturais, artistas e instituições para que a proposta seja autorizada a captar os recursos.

Submeter uma proposta e conseguir a aprovação dentro da Lei Rouanet não é garantia de destinação de recursos. Existe a possibilidade de um projeto ser aprovado, não vingar e ser arquivado sem receber nenhum centavo, caso não haja pessoas e empresas interessadas em apoiar aquela iniciativa. Além disso, o governo federal exige prestação de contas e contrapartidas sociais dos autores dos projetos beneficiados, como a distribuição gratuita de ingressos e a promoção de atividades de capacitação nas comunidades.

Contraponto

O Estadão Verifica tentou entrar em contato com Raissa Soares por mensagens, questionando qual seria a suposta fonte da informação para as declarações no vídeo. Não foram enviadas explicações até a publicação desta checagem.

O boato de que o Caldeirão do Huck seria financiado pela Rouanet foi desmentido anteriormente por Fato ou Fake, Lupa, Aos Fatos e Boatos.org.

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Este boato foi checado por aparecer entre os principais conteúdos suspeitos que circulam no Facebook. O Estadão Verifica tem acesso a uma lista de postagens potencialmente falsas e a dados sobre sua viralização em razão de uma parceria com a rede social. Quando nossas verificações constatam que uma informação é enganosa, o Facebook reduz o alcance de sua circulação. Usuários da rede social e administradores de páginas recebem notificações se tiverem publicado ou compartilhado postagens marcadas como falsas. Um aviso também é enviado a quem quiser postar um conteúdo que tiver sido sinalizado como inverídico anteriormente.

Um pré-requisito para participar da parceria com o Facebook  é obter certificação da International Fact Checking Network (IFCN), o que, no caso do Estadão Verifica, ocorreu em janeiro de 2019. A associação internacional de verificadores de fatos exige das entidades certificadas que assinem um código de princípios e assumam compromissos em cinco áreas:  apartidarismo e imparcialidade; transparência das fontes; transparência do financiamento e organização; transparência da metodologia; e política de correções aberta e honesta. O comprometimento com essas práticas promove mais equilíbrio e precisão no trabalho.

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