São enganosas postagens que afirmam que o diretor da Unidade de Segurança das Vacinas de Covid-19 do Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos (CDC), Tom Shimabukuro, admitiu que as vacinas contra a covid-19 causaram “doenças debilitantes”. Na realidade, Shimabukuro comentava dados de um sistema de notificação de eventos adversos, durante uma reunião do Comitê Consultivo de Vacinas e Produtos Biológicos Relacionados (VRBPAC) em 26 de janeiro de 2023. No sistema em questão, são reunidas todas as notificações, mesmo as que não têm confirmação de relação com a vacina. Shimabukuro diz que tinha conhecimento de relatos, mas não admitiu em momento que as vacinas tinham “causado doenças debilitantes”.
Quando questionado sobre segurança das vacinas durante a reunião, o diretor reforçou que “o CDC continua a recomendar que todos as pessoas elegíveis para um reforço bivalente de uma vacina de mRNA contra covid-19 ou de uma vacina contra gripe se vacinem”. O CDC informou que as recomendações de imunização do órgão permanecem inalteradas porque há “confiança na capacidade das vacinas de prevenir hospitalizações e mortes” e não foi visto “nenhum dado que sugerisse o contrário”. Agências sanitárias de todo o mundo analisaram dados científicos sobre as vacinas disponíveis e concluíram que os imunizantes são seguros e eficazes.
O termo “doenças debilitantes” foi mencionado por Tom Shimabukuro quando a reunião já durava quase sete horas. Ele respondeu a uma pergunta sobre como se estava lidando globalmente com a segurança das vacinas e o impacto delas na população. Ele mencionou que o CDC mantém um projeto de avaliação de segurança de imunizações e que acompanha os relatos feitos ao sistema de notificação de efeitos adversos de vacinas dos EUA, o VAERS. Os relatos, no entanto, são espontâneos e não necessariamente indicam a gravidade clínica do paciente, nem provam que a causa de uma condição foi mesmo a vacina – há casos em que a relação de causalidade sequer é plausível.
Este trecho, contudo, foi cortado do vídeo que viralizou, e apenas a parte em que o diretor do CDC afirma que tem conhecimento dos relatos foi compartilhada, dando a entender que ele havia admitido que as vacinas tinham causado “doenças debilitantes”, o que não é verdade. O vídeo com a fala descontextualizada viralizou em diversas partes do mundo e, no Brasil, foi postado no Instagram também pela atriz Regina Duarte. Apenas a postagem dela teve mais de 45 mil visualizações, além de 25,3 mil curtidas.
A reunião
O encontro em que a fala de Tom Shimabukuro aconteceu foi promovida pelo VRBPAC, um comitê ligado à Food and Drug Administration (FDA), a agência de vigilância dos Estados Unidos, que se reúne anualmente. No último dia 26, além de especialistas independentes do comitê, a reunião contou com a participação de representantes do CDC e dos Institutos Nacionais de Saúde, além de intervenções do público. O objetivo do encontro era “considerar se e como a composição para doses primárias das vacinas de covid-19 atualmente disponíveis deve ser modificada e como e se a composição e o cronograma para as doses de reforço devem ser ajustados”.
A menção feita por Tom Shimabukuro às “doenças debilitantes” aparece em resposta a uma pergunta da especialista Hayley Gans. Ela integra o VRBPAC e também é professora de Medicina em Stanford. Gans cita rapidamente relatos feitos na reunião e pergunta como os órgãos de segurança das vacinas estão lidando globalmente com a forma como as vacinas podem causar algum impacto na população.
A resposta de Shimabukuro menciona o sistema VAERS, destacando que as notificações feitas por lá são espontâneas e que todos os relatos são aceitos, sem julgamento sobre a gravidade clínica da reação ou quão plausível é o relato do que diz respeito à causa. Ele diz:
“Temos nosso sistema de notificação de eventos adversos de vacinas, ou VAERS, que não pré-selecionamos os resultados. Este é um sistema de notificação espontânea. E qualquer pessoa pode relatar – um paciente, um pai, um provedor de saúde. E aceitamos todos esses relatórios sem julgar a gravidade clínica ou quão plausível o evento adverso pode ser no que diz respeito à causa. Portanto, temos outros sintomas para monitorar os resultados além dos resultados da análise de ciclo rápido que foram apresentados hoje cedo. No CDC, também temos um grupo chamado projeto de avaliação de segurança de imunização clínica que faz consultas detalhadas de casos clínicos a pedido dos prestadores de serviços de saúde”.
Essa parte da resposta, contudo, não aparece no vídeo que viralizou. O vídeo fora de contexto exibe apenas o que Shimabukuro fala na sequência, dando a entender que ele estava admitindo que as vacinas causaram as doenças debilitantes. O que ele diz imediatamente após a fala acima é:
“Portanto, levamos a segurança da vacina muito a sério. Com relação aos relatos de pessoas com doenças debilitantes, estamos cientes desses relatos de pessoas com problemas de saúde duradouros após a vacinação de covid. Em alguns casos, a apresentação clínica das pessoas que sofrem esses problemas de saúde é variável. E não foi encontrada nenhuma causa médica específica para os sintomas. Entendemos que a doença é perturbadora e estressante, especialmente sob tais circunstâncias. E reconhecemos que estes problemas de saúde têm afetado substancialmente a qualidade de vida das pessoas. E também afetaram as pessoas ao seu redor. E esperamos melhorar e recuperar. E continuaremos a monitorar a segurança destas vacinas e trabalharemos com parceiros para tentar compreender melhor estes tipos de eventos adversos”.
Relatos feitos no VAERS não provam que vacina causou doenças
O Vaccine Adverse Event Reporting System (VAERS) foi criado em 1990 e funciona como “um sistema nacional de alerta precoce para detectar possíveis problemas de segurança em vacinas licenciadas nos Estados Unidos”. Ele é gerenciado em parceria pelo CDC e pela FDA, que recebe os relatórios enviados pelo sistema.
Ele não serve, entretanto, para assegurar que uma vacina de fato causou um problema de saúde. O site oficial do sistema explica: “O VAERS não é projetado para determinar se uma vacina causou um problema de saúde, mas é especialmente útil para detectar padrões incomuns ou inesperados de notificação de eventos adversos que possam indicar um possível problema de segurança com uma vacina”.
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