É enganoso dizer que a atriz Claudia Raia recebeu R$ 5 milhões do governo federal via Lei Rouanet. Na verdade, um projeto para montagem de duas peças de teatro a serem estreladas por ela recebeu autorização para captação deste valor. Isso significa que o produtor da peça pode buscar empresas ou pessoas físicas dispostas a patrocinar os espetáculos em troca de renúncia fiscal. Caso a captação de recursos ocorra, é obrigatório haver contrapartida social.
No Facebook, diversas postagens desinformam sobre o assunto. Uma delas, por exemplo, alega que Claudia Raia “tá dando risada sozinha” e que os “R$ 5 milhões caíram na hora certa”, ironizando que a atriz, que está grávida, estaria precisando do dinheiro para a realização do parto.
Outra publicação critica o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a partir de uma foto de Claudia Raia com uma legenda que diz: “vou ganhar R$ 5 milhões pela Lei Rouanet e você aí esperando a picanha com cerveja”. Durante a campanha, o presidente afirmava que, se fosse eleito, o pobre voltaria a comer picanha e a beber cerveja.
As postagens enganosas começaram a circular após a Secretaria de Fomento e Incentivo à Cultura, do Ministério da Cultura (MinC), publicar portaria no Diário Oficial da União homologando dezenas de projetos culturais. As peças atenderam aos requisitos de admissibilidade da Lei de Incentivo à Cultura, também conhecida como Lei Rouanet, para passarem à fase de obtenção de doações e patrocínios. Segundo a assessoria de imprensa do MinC, este é um procedimento padrão.
Dentre as inscrições autorizadas está o projeto “Claudia Raia - os Musicais”, submetido pela empresa Renato Cesaretto Chiquito Eventos Culturais ME, de São Paulo, que poderá captar até R$ 5.057.203,63. O objetivo é a pesquisa, montagem e encenação de dois espetáculos produzidos e encenados pela atriz. Como contrapartida, foi proposta uma atividade formativa de 40 horas sobre a prática das artes cênicas e o mercado profissional para atores.
Autorização não é garantia de captação do valor
A Lei Rouanet é a principal ferramenta de fomento à cultura do Brasil. É por meio dela que empresas e pessoas físicas patrocinam atividades culturais abatendo o valor total ou parcial do Imposto de Renda. Os projetos patrocinados são obrigados a oferecer contrapartida social, distribuindo parte dos ingressos gratuitamente e promovendo ações de formação e capacitação junto às comunidades.
Renato Chiquito, responsável por submeter o projeto que envolve o nome de Claudia Raia, destacou ao Estadão Verifica que em nenhum momento o Ministério da Cultura desembolsa qualquer valor para projetos e proponentes. “Ele apenas autoriza a captação de recursos e então começa a fase mais delicada do processo, que é a procura por patrocínio junto a empresas que tenham por interesse vincular sua marca com a proposta cultural”.
Segundo ele, a inscrição dos dois musicais ocorreu em 2022 e a análise se iniciou ainda sob a gestão de Jair Bolsonaro (PL). Atualmente, diz, o projeto se encontra na fase de abertura de conta corrente, procedimento realizado pelo próprio MinC junto ao Banco do Brasil, para posterior início da captação de recursos.
A previsão de Chiquito é executá-lo apenas no segundo semestre de 2024 e diz ainda não tê-lo apresentado a possíveis patrocinadores. “Consequentemente, não possui nenhum recurso financeiro para a sua execução”, explica. O produtor acrescenta que esta será a etapa mais delicada. “A aprovação de um projeto junto à lei não é, e nunca foi, certeza de sua realização. A legislação que regula o funcionamento da lei orienta que um projeto tem até 24 meses para a consolidação da captação de recursos, estando ele sujeito ao arquivamento caso ultrapasse este período”.
Recursos que estavam bloqueados não contemplam o projeto
A assessoria de comunicação do MinC informou à reportagem que o governo petista encontrou inoperância na etapa de gestão das movimentações financeiras da Lei Rouanet ao assumir. Ou seja, o dinheiro era investido pelo patrocinador nas contas especiais abertas para execução dos projetos, mas não era liberado para o agente cultural, inviabilizando a realização do projeto planejado.
Estes valores, acrescenta a pasta, somam quase R$ 1 bilhão e foram captados em 2021 por aproximadamente 1.900 projetos. O caso envolvendo a atriz Cláudia Raia, contudo, não tem relação com este montante, já que o valor ainda tem que ser buscado junto a possíveis patrocinadores.
A Lei Rouanet sempre foi alvo de polêmicas, principalmente entre os críticos aos governos petistas, e constantemente é objeto de desinformação nas redes sociais. O Estadão Verifica já checou vários conteúdos desta natureza, identificando como falso que recursos da lei foram utilizados para realização do Lollapalooza, verificando que postagens exageraram valor captado por Luciano Huck e que Zeca Pagodinho não recebeu milhões de reais por musical.
O discurso contrário ao fomento à cultura também esteve frequentemente presente no discurso do ex-presidente. Logo que foi eleito, em 2018, Bolsonaro garantiu que faria rígido controle sobre as concessões feitas através da lei, afirmando que havia “um claro desperdício” de recursos que poderiam ser aplicados em outras áreas.
A assessoria de Claudia Raia foi procurada, mas não respondeu até a publicação da checagem.
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