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Carta Olímpica veda manifestação de atletas contra qualquer país, não apenas contra Israel

Regra que proíbe que competidores façam declarações contra ‘pessoas, países e organizações’ durante os Jogos foi estabelecida em 1975

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Atualização:

O que estão compartilhando: que o Comitê Olímpico Internacional (COI) proibiu qualquer tipo de crítica a esportistas israelenses, em meio ao conflito contra o Hamas. Ao mesmo tempo, o COI baniu a participação de atletas russos em competições olímpicas, no contexto da guerra contra a Ucrânia.

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O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. Durante competições olímpicas, atletas não devem fazer declarações contra “pessoas, países, organizações e/ou sua dignidade”. Essa norma vale para críticas a qualquer atleta ou governo, e não apenas a israelenses. Esportistas não são proibidos de se manifestarem antes dos Jogos e fora de locais de competição olímpicos.

Além disso, a regra é muito anterior ao atual conflito no Oriente Médio – ela foi introduzida na Carta Olímpica, o estatuto dos Jogos, em 1975. O documento veda qualquer tipo de “manifestação ou propaganda política, racial ou religiosa”. Vale lembrar que já em 1968 atletas americanos foram punidos por fazer gestos contra o racismo no pódio.

O presidente do COI, Thomas Bach, durante sessão de junho de 2023 em Lausanne, Suíça. Foto: Laurent Gillieron/Keystone vía AP

Saiba mais: Israel e o grupo Hamas estão em conflito desde 7 de outubro. Mais de 11,1 mil palestinos e 1,2 mil israelenses foram mortos. No início do mês, o COI foi questionado sobre a possibilidade de atletas se recusarem a competir contra esportistas israelenses nas Olimpíadas de Paris, em 2024. O Comitê alertou que qualquer discriminação seria punida, a exemplo do que ocorreu nos Jogos de Tóquio 2020. Para o COI, os esportistas não são responsáveis pelas decisões dos governos de seus países.

Em Tóquio, o judoca argelino Fethi Nourine disse que seu apoio político à Palestina tornava “impossível” enfrentar o competidor israelense Tohar Butbul. Como resultado, o Comitê Olímpico da Argélia mandou o atleta e seu treinador para casa. Posteriormente, os dois foram suspensos por 10 anos das competições do esporte. A atitude violou a Carta Olímpica e o código de ética da Federação Internacional de Judô.

Após a declaração do COI sobre discriminação contra atletas israelenses, o chanceler russo, Sergei Lavrov, afirmou que a entidade tinha viés político. O COI suspendeu em 12 de outubro de 2023 a participação do Comitê Olímpico da Rússia em competições, por questões relacionadas à guerra na Ucrânia. “Isso é revoltante, claro”, disse ele, de acordo com a rádio NPR. “Novamente vemos um exemplo do viés e da inabilidade do Comitê Olímpico Internacional, que prova mais uma vez seu lado político”.

[O COI] apoia ativamente tudo o que atende aos interesses dos países ocidentais, principalmente dos Estados Unidos, e tenta encontrar formulações que geralmente sustentam essa política”, afirmou Lavrov.

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Em resposta ao chanceler da Rússia, o COI declarou que as situações de Rússia e Israel não eram comparáveis. “As recomendações do COI [contra atletas russos] são consequência da invasão da Ucrânia pelo exército russo durante os Jogos Olímpicos e Paralímpicos de inverno de Pequim, em 2022″, afirmou um porta-voz do comitê. (Entenda melhor a suspensão de participantes da Rússia mais abaixo)

Atletas de Israel na abertura das Olimpíadas de inverno de Pequim, em 2022. Foto: REUTERS/Jonathan Ernst

O que diz a Carta Olímpica sobre discriminação

A Carta Olímpica é o conjunto de regras que o Comitê e os atletas devem seguir. O documento contém os “princípios fundamentais do olimpismo” e foi publicado pela primeira vez em 1908; algumas das regras já haviam sido escritas por Pierre de Coubertin, o fundador das Olimpíadas modernas, em 1898.

A versão mais atual desse estatuto é de outubro de 2023 e proíbe “discriminação de qualquer tipo, incluindo por raça, cor, sexo, orientação sexual, linguagem religião, política ou outra opinião, nacionalidade ou origem social, propriedade, nascimento ou outros status”.

Mas a regra contra discriminação é ainda mais antiga. O registro mais velho da palavra “discriminação” encontrado pelo Estadão Verifica na Carta Olímpica está na edição de 1949, que veta a discriminação contra “qualquer país ou pessoa por cor, religião ou política”.

Procurado pelo Verifica, o COI reforçou que a regra contra discriminação está na Carta Olímpica. A entidade afirmou que quer garantir que “ações sejam rapidamente tomadas” contra qualquer atleta ou participante de comitê que quebre essa norma.

“Infelizmente, na história dos Jogos Olímpicos, o COI lidou com desafios a cada edição, e fizemos isso com sucesso”, afirma a nota do COI. “Se forças políticas divisivas tiverem sucesso em decidir quais atletas podem competir em cada competição, as competições esportivas acabariam envolvendo apenas atletas de blocos políticos homogêneos”.

Anéis olímpicos no Parque de Madureira, no Rio. Foto de agosto de 2017. Foto: REUTERS/Ricardo Moraes/File Photo

O que diz a Carta Olímpica sobre manifestações políticas

A proibição a manifestações políticas nos Jogos tem sido debatida há décadas. A regra foi formalmente introduzida à Carta Olímpica em 1975 – a norma 50 vedava, na redação da época, “todo tipo de manifestação ou propaganda, seja política, religiosa ou racial, nas áreas olímpicas”.

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Antes mesmo da publicação dessa regra, os corredores americanos Tommie Smith e John Carlos foram punidos em 1968 por levantarem os punhos durante a execução do hino dos Estados Unidos. Os dois usavam luvas pretas, que simbolizavam o movimento dos Panteras Negras e a luta contra o racismo. De acordo com reportagem da AP, eles foram banidos do movimento olímpico por quase 50 anos, e só voltaram a participar de cerimônias do Comitê Olímpico dos EUA em 2016.

O cumprimento das regras e a aplicação de sanções, no entanto, depende dos comitês nacionais e das federações de esportes. Segundo a AP, após diversas manifestações contra a morte de George Floyd nos EUA, o Comitê americano decidiu que não puniria os atletas que quebrassem a norma 50.

Tommie Smith e John Carlos se manifestaram contra o racismo nas Olimpíadas de 1968. Foto: Hulton Archive/Getty Images

Diante dos protestos contra o racismo e da pandemia de coronavírus, o COI publicou diretrizes sobre a aplicação da regra 50 durante os Jogos de Tóquio. Elas foram elaboradas a partir de recomendações da Comissão de Atletas do COI, formada por 3,5 mil esportistas de 185 países.

As diretrizes deixam claro que antes e depois das Olimpíadas os atletas são livres para se manifestarem. O documento detalha diferentes oportunidades em que os esportistas participantes de competições olímpicas podem fazer declarações sobre suas opiniões. A lista inclui:

  • Nas zonas mistas
  • Nos centros de mídia do evento
  • Durante coletivas de imprensa no local do evento
  • Durante entrevistas
  • Em reuniões de equipe
  • Na mídia tradicional ou na mídia digital
  • Nas mídias sociais
  • No campo de jogo antes do início da competição

Essas manifestações, no entanto, não devem ferir os “Princípios Fundamentais do Olimpismo”. Isso inclui não fazer declarações direcionadas “direta ou indiretamente contra pessoas, países, organizações e/ou sua dignidade”. São vedadas ainda bandeiras e faixas, além de atitudes que possam desconcentrar outros competidores.

Em outros locais e momentos, é totalmente proibida a manifestação de qualquer tipo. A vedação inclui declarações:

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  • Durante as cerimônias de premiação
  • Durante a competição, no campo de jogo
  • Na Vila Olímpica

Por que o comitê russo foi banido das competições olímpicas?

Em 5 de outubro de 2023, o Comitê Olímpico da Rússia incluiu como membros organizações regionais de esportes que fazem parte de áreas em disputa com a Ucrânia: Donetsk, Kherson, Luhansk e Zaporizhzhia. O COI entendeu que a decisão era unilateral e que constituía “uma violação da Carta Olímpica porque viola a integridade territorial do Comitê Olímpico da Ucrânia”.

Proibidos de utilizar a bandeira de seu país pelo Comitê Olímpico Internacional, os atletas russos que não se envolveram em escândalo de doping desfilaram sob a bandeira dos anéis olímpicos. Foto: Franck Fife/AFP

Diante disso, em 12 de outubro, o COI decidiu banir o comitê russo de competições olímpicas até segunda ordem. Isso não quer dizer que atletas russos não poderão competir em Paris sob bandeira neutra; o Comitê ainda não divulgou decisão sobre o tema, que deve ser comunicada no “momento apropriado”.

Vale ressaltar que esportistas russos que “apoiam ativamente a guerra” ou que foram “contratados por agências militares ou de segurança nacional da Rússia ou da Bielorrússia” não podem competir, mesmo que sem a bandeira do país. “A posição do COI é clara: condenamos a guerra desde o primeiro dia. Impusemos sanções sem precedentes aos governos da Rússia e de Belarus”, informou a entidade.

Tanto a Rússia como a Ucrânia criticam o posicionamento do COI em relação à participação de atletas russos. O presidente russo, Vladimir Putin, afirmou que o Comitê promove “discriminação étnica”; os ucranianos defendem que as punições sejam mais severas.

Não há indicação até o momento de que o COI imponha sanções a Israel. Em entrevista à rádio NPR, o professor da Pacific University Jules Boykoff, que estuda a relação entre política e as Olimpíadas, disse que o Comitê deve sofrer pressão quanto à guerra em Gaza.

“A Palestina participa das Olimpíadas, tem seu próprio comitê olímpico nacional e ainda não se sabe se o território será realmente capturado por Israel e mantido”, disse ele à NPR. “Isso seria uma clara violação [da Carta Olímpica], da mesma forma que a Rússia fez”.

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