Congresso dos Estados Unidos não intimou Alexandre de Moraes, nem pediu explicações em ‘48 horas’

Postagens distorcem informação divulgada pelo X, antigo Twitter; plataforma afirmou ter apresentado ao parlamento americano documentos relativos a ‘ordens do STF’

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Foto do author Giovana Frioli
Por Giovana Frioli e Flavio Lobo
Atualização:

O que estão compartilhando: que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes foi “intimado” pelo Congresso dos Estados Unidos para “explicar os absurdos que vem cometendo no Brasil”. Algumas postagens dizem que o magistrado teria que enviar uma resposta ao Legislativo americano em até 48 horas. Outras afirmam que o X (antigo Twitter) teria recebido a intimação parlamentar e a encaminhado para Moraes.

O Estadão Verifica checou e concluiu que: é falso. A intimação foi ao X, não a Alexandre de Moraes. De acordo com informação divulgada pela própria rede social, o Comitê de Assuntos Judiciários da Câmara de Deputados dos Estados Unidos intimou a plataforma de Elon Musk a “fornecer informações sobre as ordens do Supremo Tribunal Federal do Brasil em relação à moderação de conteúdo”. Vale ressaltar que o Congresso americano não tem autoridade legal para intimar Moraes, como explicaram especialistas ao Verifica.

Congresso dos Estados Unidos não intimou Alexandre de Moraes por ameaças ao Twitter Foto: Redes Sociais/Reprodução

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Saiba mais: Publicações que fazem a falsa alegação de que Moraes foi intimado dizem que o Congresso dos EUA teria exigido que o ministro enviasse documentos do inquérito das milícias digitais e todas as decisões relacionadas a moderação de conteúdo, suspensão e exclusão de conteúdos e contas do X. Mas, além de distorcer o comunicado divulgado pela plataforma, essas alegações não têm viabilidade legal nem sustentação no direito brasileiro e internacional.

O poder legislativo de um país não pode intimar uma autoridade da Justiça de outro país a entregar documentos de processos judiciais. “Isso seria um absurdo”, disse a advogada Flávia Lefèvre, especializada em direito do consumidor, telecomunicações e direitos digitais. “Quem deve julgar se Alexandre de Moraes cometeu algum erro ou abusou do seu poder é o próprio STF, que, até agora, vem validando as decisões dele”, explicou a advogada, que foi conselheira do Comitê Gestor da Internet no Brasil.

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Flávia acrescentou que, ao determinar a suspensão de contas no X, o ministro do STF estava respaldado pela lei eleitoral brasileira. “Uma ordem do Congresso americano intimando o Alexandre de Moraes para se explicar sobre a aplicação de uma lei brasileira seria um desrespeito gravíssimo às regras internacionais de jurisdição, às regras de autodeterminação dos países”, afirmou ela. “Não poderia jamais o Congresso americano intimar um juiz da Suprema Corte brasileira para prestar depoimento porque ele aplicou a lei do Brasil”.

O advogado Saulo Stefanone Alle, doutor em Direito Internacional, esclareceu que a hipotética intimação a um juiz brasileiro por um órgão legislativo estrangeiro, questionando decisões do Judiciário brasileiro, seria uma violação do princípio da soberania dos países. É prerrogativa exclusiva de cada Estado nacional estabelecer, interpretar e aplicar suas leis internas. “Caso o governo dos Estados Unidos queira discutir alguma questão com o governo brasileiro, o protocolo das relações internacionais prevê caminhos diplomáticos para isso”, complementou o advogado.

É raro que o Congresso americano convoque o depoimento de estrangeiros. Em 2010, o ex-presidente da Toyota Akio Toyoda esteve diante dos parlamentares para explicar sobre preocupações de segurança nos veículos. Ainda que o japonês tenha comparecido, o Congresso americano não tem autoridade legal para obrigar cidadãos estrangeiros a prestar testemunho, segundo explicou na época o cientista político Graham Wilson ao canal NBC News.

Como publicou o Estadão na terça-feira, 16, o X Brasil disse que enviou a Moraes um documento informando que enviou cópias de decisões sigilosas do ministro, em resposta à intimação do Comitê de Assuntos Judiciários da Câmara de Deputados dos EUA. No ofício, o X assegura que as ordens que recebeu da Justiça brasileira — do STF e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) — continuarão a ser integralmente cumpridas pela X Corp, a empresa proprietária da plataforma.

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A intimação recebida pelo X e o ofício enviado pela plataforma ao ministro do STF ocorreram após Musk afirmar que removeria algumas restrições na plataforma determinadas por Moraes. O multibilionário disse que Moraes deveria sofrer impeachment por impor “censura agressiva que parece violar a lei e a vontade do povo do Brasil”. Em resposta, o ministro incluiu o empresário como investigado no inquérito e suposta obstrução de Justiça.

Comitê do Congresso americano acusa o Judiciário brasileiro de censura

Na quarta-feira, 17, com base nos documentos enviados pelo X Brasil, o comitê do Congresso dos EUA divulgou um relatório com 88 decisões do STF, TSE e tribunais eleitorais regionais tomadas entre 2021 e 2024, incluindo decisões de Alexandre de Moraes, que determinavam a retirada da plataforma de um total de 150 contas.

Intitulado O ataque contra a liberdade de expressão no exterior e o silêncio da administração Biden: o caso do Brasil, o relatório acusa o Judiciário brasileiro — especialmente Alexandre de Moraes — de praticar censura. Em outro trecho, o documento afirma que “alguns governos estrangeiros estão erodindo valores democráticos básicos e sufocando o debate em seus países”.

O Comitê de Assuntos Jurídicos da Câmara dos Deputados dos Estados Unidos está sob a presidência do deputado republicano Jim Jordan, conhecido por sua ligação com o ex-presidente Donald Trump. Segundo reportagem da Agência Pública, no início de março, uma comitiva de parlamentares brasileiros bolsonaristas liderada pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) esteve em Washington denunciando a suposta existência de uma “ditadura de esquerda” no Brasil e tentando articular — inclusive com congressistas do Partido Republicano —punições contra o próprio País.

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Pouco depois da divulgação do relatório do comitê parlamentar americano, Elon Musk voltou a atacar o Judiciário brasileiro dizendo, ao compartilhar uma postagem crítica ao STF, que “a lei quebrou a lei”.

Nos EUA e no Brasil, acusações de ilegalidade carecem de provas

A primeira série de postagens denominada “Twitter Files” foi publicada na plataforma entre dezembro de 2022 e março de 2023. Por iniciativa de Musk, os autores da série, incluindo três jornalistas, tiveram acesso a documentos internos da empresa. Os autores denunciavam supostas tentativas de influenciar a moderação de conteúdo para favorecer interesses do Partido Democrata e do presidente Joe Biden em período pré-eleitoral.

Sob maioria do Partido Republicano, em 2023 a Câmara dos Deputados dos EUA promoveu audiências para apurar as acusações dos Twitter Files. Em junho, advogados do X declararam não ter provas de que o governo federal havia atuado para coagir a plataforma. Na ausência de provas de ilegalidade ou de interferência governamental indevida, o Twitter Files não teve consequências jurídicas.

No caso dos Twitter Files Brazil, publicados neste mês, os autores das postagens e Musk alegaram que instituições e autoridades brasileiras teriam coagido a plataforma buscando cercear a liberdade de expressão e favorecer interesses de um campo político no período pré-eleitoral. Os documentos apresentados para fundamentar essas acusações eram e-mails internos de integrantes da equipe do próprio Twitter, que não chegam a citar diretamente Alexandre de Moraes. Poucos dias depois da publicação, o jornalista e ativista Michael Shellenberger reconheceu que errou ao dizer que o ministro do STF teria ameaçado processar um advogado do Twitter.

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