O que estão compartilhando: que os deputados federais Tabata Amaral (PSB-SP) e Guilherme Boulos (PSOL-SP), candidatos à Prefeitura de São Paulo, votaram contra a criação de uma CPI para investigar denúncia de exploração sexual da Ilha do Marajó (PA) e “preferiram deixar nossas crianças sofrer (sic)”.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. Não houve votação para instalação da CPI, mas sim o recolhimento de assinaturas de deputados. De fato, nem Tabata, nem Boulos assinaram o pedido de abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). Mas eles não foram os únicos: dos 513 deputados federais, dois terços não aderiram. O pedido de abertura, de autoria do deputado Paulo Bilynskyj (PL-SP), foi protocolado em março e obteve o número mínimo de assinaturas necessárias: 171, ou seja, um terço da Casa. As assinaturas partiram, majoritariamente, de deputados da base aliada do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Para que a CPI seja aberta, é preciso autorização do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
Vale lembrar que o assunto de exploração sexual de menores voltou à tona após denúncias não comprovadas da senadora Damares Alves (Republicanos-DF). A publicação usa uma imagem de um homem beijando uma criança como se provasse casos de exploração sexual na região paraense, o que é falso. As imagens usadas no vídeo investigado foram feitas em 2021 no Estado do Mato Grosso do Sul.
Saiba mais: O post investigado acumula mais de 600 mil visualizações no Instagram e no TikTok, além de circular, também, em mensagens no WhatsApp. Leitores do Verifica podem pedir a checagem de conteúdos pelo número (11) 97683-7490.
Em nota, Tabata disse que, segundo seu ponto de vista na época, “a criação da CPI foi motivada puramente por questões ideológicas”. A nota acrescenta: “No entanto, é importante ressaltar que Tabata defende a investigação e a implementação de políticas públicas para enfrentar esse problema no Marajó e em outros municípios brasileiros. Tabata, junto com a bancada feminina, trabalhou para a criação do grupo de trabalho Amazônia, que tem como objetivo investigar as denúncias no Marajó e garantir políticas públicas para combater esse problema. Ela será membro titular desse GT”.
Guilherme Boulos foi procurado, mas não respondeu até a publicação desta checagem.
CPI tem assinaturas suficientes, mas ainda não foi analisada
Apesar de já haver o número mínimo de assinaturas, a CPI da Ilha do Marajó não foi aberta. Para que isso aconteça, é preciso que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), autorize a abertura e forme a comissão. A última movimentação no requerimento é de maio deste ano, quando mais um pedido de inserção de assinatura foi negado. Isso porque o Regimento Interno da Câmara recusa a inserção ou retirada de assinaturas em proposições que exigem um número mínimo delas depois que a matéria é apresentada à Mesa Diretora.
Procurada, a Câmara dos Deputados informou que existem, atualmente, 14 requerimentos de instituição de CPI, e que o RCP 1/2024, que pede a investigação de exploração sexual na Ilha do Marajó, é o oitavo pedido em ordem cronológica tramitando na Casa. Os outros sete, portanto, têm prioridade de análise.
Denúncias de exploração sexual na Ilha do Marajó não são recentes
Casos de abuso e exploração sexual contra menores na Ilha do Marajó, no Pará, não são novidade. Em 2010, eles foram abordados na CPI da Pedofilia e, no mesmo ano, em outra CPI, desta vez aberta na Assembleia Legislativa do Pará, que tratou de crimes cometidos em todo o Estado, inclusive no Marajó.
O assunto voltou à tona em 8 de outubro de 2022, quando a então ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, disse em um culto religioso em Goiânia (GO) que tinha imagens de crianças de 4 anos da Ilha do Marajó cruzando a fronteira com os dentes arrancados “para não morderem na hora do sexo oral”. O relato seria uma das muitas denúncias de exploração e violência sexual contra crianças na ilha paraense, mas Damares nunca apresentou provas do que disse.
Na mesma semana das declarações, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) determinou que o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos informasse detalhadamente todos os casos relatados pela ministra e que teriam sido denunciados à pasta entre 2019 e 2022. O Estadão recebeu da assessoria de Damaraes, na época, documentos que não comprovavam as denúncias feitas por ela. Em setembro de 2023, o Ministério Público Federal (MPF) cobrou da ex-ministra, agora senadora, o pagamento de R$ 2,5 milhões por denúncia sensacionalista.
Na ação, o MPF disse que as informações encaminhadas pelo ministério “revelam registros desorganizados e, por muitas vezes, genéricos, sem a indicação exata do que fora pedido pela PFDC”, apontando que a pasta “não comprovou os registros dos crimes de altíssima gravidade narrados por sua própria ex-ministra”. O próprio MPF confirmou receber denúncias de abuso sexual no local, mas nenhuma delas, nos últimos 30 anos, com as torturas narradas pela ex-ministra.
Este ano, o caso voltou às redes após a cantora paraense Aymeê Rocha falar sobre o assunto em um reality show de música. Pouco depois da apresentação dela, em fevereiro de 2024, deputados de oposição recolheram 171 assinaturas e protocolaram um pedido de abertura de CPI para investigar exploração sexual no Marajó, mas a CPI não foi aberta.
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Vídeo mostra imagens que não são do Marajó
Embora afirme corretamente que os deputados Tabata Amaral e Guilherme Boulos não assinaram o requerimento para abertura da CPI do Marajó, o post investigado engana ao usar um vídeo em que um homem beija uma criança como se este provasse as denúncias feitas por Damares Alves. O vídeo, contudo, foi feito em 2021 no Mato Grosso do Sul, e não na Ilha do Marajó.
O Verifica já desmentiu pelo menos mais uma publicação viral sobre o assunto, que mostrava um carro cheio de crianças como se mostrasse vítimas do tráfico infantil no Marajó. As imagens foram gravadas no Uzbequistão.
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