Desinformação Silenciosa: o que pedidos de verificação no WhatsApp dizem sobre a democracia em 2024

Agências de checagem observaram menos pedidos de verificação do que o esperado para o período eleitoral; esforço inédito entre seis veículos e a ONG Meedan buscou combater boatos e a crise de confiança nas eleições

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Por Redação
Atualização:

Em um cenário onde a desinformação segue sendo uma das maiores ameaças à integridade democrática, o número de solicitações de checagem durante o período eleitoral de 2024 se manteve bastante similar aos meses anteriores ao início da campanha. Esperava-se um aumento nos pedidos de checagem diante da intensa desinformação vista em anos eleitorais anteriores. No entanto, a manutenção dos números acabou sendo uma surpresa.

Urna eletrônica modelo UR 2022. Foto: TSE Foto: Tse/ESTADAO

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Antecipando-se ao que achavam ser um momento eleitoral com nova avalanche desinformativa estabeleceu-se uma ação de colaboração entre as seis maiores agências de checagem do Brasil — AFP, Aos Fatos, Estadão Verifica, Lupa, Projeto Comprova e UOL Confere — que, em parceria com a ONG Meedan, compartilharam dúvidas e conteúdos desinformativos de suas audiências de maneira integrada. O objetivo: compreender o cenário da desinformação que circulou nas redes sociais e em grupos privados durante o período eleitoral e enfrentar, de forma conjunta, um desafio coletivo que ameaça o processo democrático.

Entre 6 de agosto e 27 de outubro — dia do segundo turno eleitoral — as agências de verificação receberam 2.369 envios de seu público para verificar potenciais peças de desinformação sobre os candidatos e a integridade do processo de votação.

Uma perspectiva colaborativa entre agências de notícias sobre a desinformação

Ao unirem esforços, as agências puderam analisar os pedidos de verificação de suas audiências de maneira abrangente, identificando padrões e trocando informações que agilizaram seus processos editoriais. Essa colaboração foi essencial para mapear as principais preocupações da população e identificar os temas mais frequentes que alimentaram a desinformação.

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O relatório da Meedan sobre os dados compartilhados mostra que, ao todo, as seis agências receberam 2.369 pedidos de verificação durante as eleições municipais, um número substancial, porém abaixo do que a percepção dos checadores acreditava, dado o momento eleitoral.

Gráfico mostra pedidos de verificação enviados às agências de checagens durante as eleições de 2024, com picos entre 11 e 17 de setembro e 5 e 27 de outubro Foto: Reprodução/Relatório Meedan 2024

A redução significativa nos pedidos de verificação pode estar ligada a uma crescente apatia ou descrença no processo eleitoral e nas instituições democráticas, que foram alvos de uma insistente campanha questionando a integridade das urnas e das instituições. Ao mesmo tempo, o aumento das abstenções nas eleições municipais pode reforçar essa hipótese.

Principais temas dos pedidos de verificação Foto: Reprodução/Relatório Meedan 2024

Temas que dominaram os pedidos de verificação

A análise conjunta revelou alguns padrões preocupantes. O Brasil continua com uma produção e distribuição organizada de ataque às instituições democráticas. Isso valida-se ao observar que a maioria dos pedidos de verificação centrou-se em narrativas que reforçam a desconfiança no processo eleitoral. Entre elas, a alegada manipulação de urnas eletrônicas e a suposta interferência do Supremo Tribunal Federal no resultado da eleição, mostrando que velhas peças de desinformação ainda exercem impacto. O ciclo repetitivo dessas narrativas falsas aponta para uma estratégia deliberada de manter antigos discursos vivos, o que sugere que, mesmo em menor volume, a desinformação permanece perigosa por sua persistência.

De acordo com o relatório dos dados das agências de checagem, 44,6% de todos os envios de sugestões de verificação foram relacionadas à integridade do processo eleitoral, sendo que 49,4% desse conteúdo focava especificamente nas urnas eletrônicas. Isso demonstra a persistência de um cenário já observado nas eleições anteriores, com narrativas que questionam a segurança e o funcionamento das urnas dominando o cenário da desinformação. Além disso, 100 conteúdos enviados foram relacionados à desinformação sobre a legislação eleitoral vigente, o que sugere uma confusão persistente sobre as regras do processo eleitoral.

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Gráfico mostra temas sobre integridade do processo eleitoral Foto: Reprodução/Relatório Meedan 2024

Pautas de costumes como instrumento de polarização

Outro ponto de destaque é o uso crescente de temas morais para polarizar o debate público. 13% dos envios que tratavam de moralidade estavam diretamente relacionados à religião. Questões como a sexualização precoce de crianças (16%), aborto (11%) e Identidade de gênero (14%) somaram quase 40% das questões abordadas sobre moralidade, frequentemente vinculadas a narrativas religiosas para influenciar o eleitorado.

Esse uso da religião como instrumento político demonstra uma tentativa de engajar grupos específicos de eleitores, aprofundando a divisão ideológica e desviando a atenção de questões políticas mais amplas.

Gráfico mostra os temas relacionados a pautas de costume Foto: Reprodução/Relatório Meedan 2024

As narrativas que polarizam Bolsonaro vs. Lula persistem

Mesmo durante eleições municipais, a polarização entre apoiadores de Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva permaneceu forte. 48 peças de conteúdo partidário destacaram essa divisão, evidenciando como o debate político ainda é amplamente influenciado pelas dinâmicas das eleições federais anteriores.

Saúde e desinformação: o legado da pandemia

A pandemia de Covid-19 deixou um legado de desinformação sobre saúde pública. 24 peças de conteúdo enviadas às agências de checagem estavam relacionadas a questões de saúde, sendo que 70% delas focavam em vacinas. Isso mostra que, apesar da diminuição do impacto da pandemia, o tema das vacinas ainda polariza e gera desconfiança no público, o que pode ser reflexo de narrativas anticiência que inundaram o país nos anos anteriores.

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IA e deepfakes: muito menos do que o esperado

Com o avanço das tecnologias de inteligência artificial, era esperado um aumento massivo no uso de deepfakes e outros mecanismos de IA para espalhar desinformação. No entanto, o uso da inteligência artificial para este fim não foi como o imaginado. A maior parte das peças de desinformação não foi gerada por IA, e, quando ocorreu, ela teve foco majoritário em candidaturas de mulheres e representantes de grupos LGBTQIAP+. Não se pode afirmar se a regulamentação da Justiça Eleitoral foi um fator que inibiu a prática ou se o acesso às tecnologias de IA ainda é nichado.

Arte mostra concentração de pedidos de verificação na Região Sudeste Foto: Reprodução/Relatório Meedan 2024

Rumo à eleição presidencial de 2026

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Diante desse cenário, é fundamental destacar o papel do jornalismo e da checagem de fatos como pilares da democracia. Se as narrativas desinformantes continuam as mesmas há dois anos e se a participação dos eleitores está caindo nas grandes cidades brasileiras, o fortalecimento do acesso a conteúdos checados e de qualidade se mostra indispensável para recobrar a confiança da população nos processos democráticos e na política.

Nosso papel neste esforço coletivo, como agências de checagem, é identificar quais serão as narrativas que tentarão confundir a cidadania na eleição presidencial de 2026 e buscar novas maneiras de combater aquelas que, apesar de recicladas, ainda têm algum efeito.

Na preparação para 2026, também será fundamental buscar aliados sem interesses partidários que promovam a educação midiática. Essa aliança entre os principais meios de verificação brasileiros — AFP, Aos Fatos, Estadão Verifica, Lupa, Projeto Comprova e UOL Confere — se concretizou graças ao uso do Meedan como aliado tecnológico e conseguiu chegar exatamente onde os cidadãos estão conectados e comunicados: na mensageria instantânea.

O combate à desinformação, porém, não se resume apenas à verificação de fatos. É preciso fortalecer a confiança da população nas instituições democráticas e nos veículos de mídia de forma colaborativa e integrada para que a sociedade brasileira possa, em 2026, exercer seu direito ao voto de forma plena e informada.

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Este texto foi escrito em conjunto por Estadão Verifica, AFP, Aos Fatos, Lupa, Projeto Comprova, UOL Confere e Meedan.

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