Dois terços dos nova-iorquinos infectados estavam em casa, mas dado não comprova falhas no distanciamento social

Publicações nas redes sociais tiram de contexto dados sobre coronavírus divulgados pelo governador Andrew Cuomo

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Por Projeto Comprova

Esta checagem foi produzida pela coalizão do Comprova. Leia mais aqui.

É verdadeira a pesquisa que afirma que, de cada três novos pacientes de covid-19 no Estado de Nova Iorque, dois estavam em casa. Mas, ao contrário do que sugerem publicações divulgadas em redes sociais aqui no Brasil, é enganoso afirmar que o distanciamento social determinado pelo estado norte-americano tenha falhado.

 

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Os dados foram divulgados em uma entrevista coletiva do governador Andrew Cuomo, no dia 6 de maio. A pesquisa foi realizada pelas autoridades de saúde do Estado em 113 hospitais ao longo de três dias. O levantamento apontou que, entre as 600 novas internações por Covid-19, 66% dos doentes foram infectados em casa

Um vídeo com parte da coletiva do governador Cuomo foi editado e legendado em português e publicado no Jornal da Cidade Online e em perfis e páginas de Twitter e Facebook, acompanhado de textos que afirmam que os dados da pesquisa seriam uma prova de que o lockdown decretado pelo Estado de Nova Iorque falhou. Mas a edição omite a parte em que Cuomo fala da queda no número de novas infecções, sugerindo que as políticas de distanciamento social estão funcionando. "Tudo está fechado, o governo fez tudo o que podia, a sociedade fez tudo o que podia. Agora depende de você", afirmou.

Por que investigamos isso?

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro com o propósito de mudar o seu significado; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Como verificamos?

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A equipe do Comprova foi em busca da fala original de Andrew Cuomo, para conferir se as legendas em português estavam corretas e se a edição deixou alguma informação de fora. Também buscamos os dados da pesquisa. Por fim, entramos em contato com a assessoria de imprensa do governo do Estado de Nova Iorque para saber qual é a conclusão das autoridades de saúde sobre os dados divulgados. 

 

Verificação

Os Estados Unidos são o país mais atingido pela pandemia do novo coronavírus atualmente. Levantamento da Universidade Johns Hopkins mostra que 1.268.520 pessoas contraíram a covid-19 nos EUA e 76.101 haviam morrido até o dia 8 de maio. Só o Estado de Nova Iorque tem 327.000 casos e 20.828 mortes. 

No dia 6 de maio, o governador Andrew Cuomo deu uma entrevista coletiva para falar sobre os dados coletados pelo Departamento Estadual de Saúde. Foram mais de 1.300 pacientes internados em 113 hospitais de todo o Estado ao longo de três dias. O levantamento desenhou o perfil dos pacientes infectados nesse período: pessoas com mais de 51 anos (73%), negras (25%) ou latinas (20%) e que estavam isoladas em casa. "Essa é a surpresa: a grande maioria das pessoas estava em casa. Houve muita especulação sobre isso", disse Cuomo, "Essas pessoas estavam, literalmente, em casa. Estavam trabalhando? Não. Estavam aposentados ou desempregados".

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A entrevista de Cuomo foi editada e legendada pelo canal de YouTube brasileiro Legendando. O conteúdo da entrevista coletiva não foi adulterado, mas trechos importantes ficaram de fora, como a ressalva de que a amostragem da pesquisa foi relativamente pequena. Ou o trecho em que o governador afirma que o número de casos começou a cair no Estado depois das medidas de isolamento social, colocadas em vigor no dia 22 de março, e sugere que a população está relaxando com os cuidados: "Você está usando a máscara? Está lavando as mãos? Tem pessoas mais jovens visitando você?", questionou Cuomo. "É uma questão de comportamento".

Na tela em que os dados são divulgados aparece o slogan do governo no combate à pandemia, que reforça a importância do isolamento: "Fique em casa. Pare a contaminação. Salve vidas". Essa frase também aparece na versão legendada e editada divulgada nas redes sociais brasileiras. Mas em nenhum momento ela é traduzida. 

Procuramos o Departamento de Saúde do Estado de Nova Iorque para saber qual é a leitura que as autoridades sanitárias fazem dos dados. Por e-mail, a assessoria de imprensa declarou que os pacientes que pegaram o novo coronavírus em casa "claramente tiveram contato com pessoas infectadas". 

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A assessoria de imprensa do gabinete do governador respondeu que os dados divulgados não significam que a política de isolamento falhou. E destaca a entrevista de Andrew Cuomo para a rede americana CBS, no dia 7 de maio. "A taxa de infecção só está aumentando entre as pessoas que estão em casa, mostrando que o isolamento está funcionando. Estamos em um nível que depende apenas de comportamento pessoal. São pessoas que estão em casa, não estão trabalhando e nem usando o transporte público. É a única população em que os índices estão crescendo, e essa é uma boa notícia", disse ao apresentador Stephen Colbert.

Contexto

Críticas às políticas de isolamento adotadas para o combate à covid-19 têm sido um discurso comum entre influenciadores de direita. Ecoando declarações do presidente Jair Bolsonaro, muitas pedem a retomada de atividades econômicas. Essa visão contraria orientações da Organização Mundial da Saúde e do Ministério da Saúde, que recomendam políticas de distanciamento social para evitar a disseminação do novo coronavírus.

Num primeiro momento, tanto o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, quando o governador de Nova Iorque, Andrew Cuomo, também resistiram às restrições de circulação. Mas com o aumento no número de casos de covid-19, ambos precisaram voltar atrás. Um decreto entrou em vigor no Estado de Nova Iorque no dia 22 de março, determinando o fechamento de escolas e de toda a atividade não essencial, a proibição de reuniões, o distanciamento de um metro e meio entre pessoas em ambientes públicos e a medidas de higiene, como o uso de álcool gel. Quem tem mais de 70 anos ou doenças crônicas foi orientado a ficar em casa e evitar contato com pessoas de fora do círculo familiar.

No dia 7 de maio, Cuomo criticou quem coloca a saúde pública contra a economia, alegando que não existe essa oposição. O governador acredita que a redução no número de casos aponta que a política de isolamento social adotada pelo Estado está funcionando. "Você tira Nova Iorque (da estatística) e os números (de casos) do resto do país estão aumentando. Nós estamos reduzindo. Então o que estamos fazendo está funcionando. E quando está funcionando, mantenha em curso", sugeriu.

No dia seguinte, Cuomo destacou o grande número de casos entre comunidades negras e latinas, que tendem a ser mais pobres. E afirmou que só vai reabrir escolas e o comércio quando houver garantia de que o número de casos não vai aumentar. "Se abrirmos de maneira irresponsável, vamos ver esse número de novas infecções aumentar", disse. "Nós reduzimos a curva (de novos casos), mais ninguém. E nós vamos determinar como vai ser o ritmo de novas infecções daqui para frente". 

Alcance

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O vídeo editado ganhou grande repercussão entre os dias 6 e 8 de maio, geralmente acompanhado de textos que afirmavam que a quarentena falhou em Nova Iorque. Ele foi publicado na página de Facebook do Jornal da Cidade Online e somou mais de 54 mil interações até o dia 8. Outros usuários da rede também postaram o vídeo, com menos viralização. 

O Twitter também foi usado para disseminar o conteúdo. O usuário Rafael Glau teve 3,5 mil curtidas e mais de 32 mil visualizações em sua publicação na rede social. Uma arte com a arroba dele foi colocada sobre a imagem de Andrew Cuomo, junto com as legendas em português. Outra publicação que teve grande alcance no Twitter foi de Arthur Weintraub, assessor especial do presidente da República e irmão do ministro da Educação Abraham Weintraub. Foram 8,3 mil curtidas e 44,5 visualizações até o dia 8 de maio. No post, ele alega que "o isolamento, na prática e estatisticamente, não funcionou!", diferentemente do que afirma o governador de Nova Iorque.

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