Circula nas redes sociais a alegação de que a empresa de varejo Magazine Luiza estaria "apoiando a mudança de cor da bandeira brasileira". A afirmação é feita com base em um vídeo de um homem na Avenida Paulista, em São Paulo, que reclama de um painel com uma ilustração que lembra o símbolo nacional, adicionado da frase "Fome e retrocesso" e uma série de outros elementos.
Na verdade, a peça é uma obra da artista Criola para a exposição "Feminino Plural", organizada pela União Geral de Trabalhadores (UGT) e que ocupou cerca de um quilômetro de extensão na avenida, da Rua Augusta até a Alameda Campinas, entre os dias 3 e 30 de junho. O boato inventa que seria uma proposta de alteração da bandeira e uma tentativa de "difamação" do presidente Jair Bolsonaro, mas se trata somente de uma crítica da autora ao governo apresentada em um evento cultural.
A exposição na Avenida Paulista é organizada desde 2015, a céu aberto, com painéis suspensos sobre a ciclovia e abordando diferentes temas. Além de Criola, apelido da grafiteira e ativista Tainá Lima, outra artista que teve o trabalho retratado este ano foi a ilustradora Claudia Liz.
A 7ª edição da mostra teve o apoio cultural da Prefeitura Municipal de São Paulo e foi patrocinada pelas empresas Edenred/Ticket, Carrefour, Via Varejo, Renner e Magazine Luiza, por meio da Lei de Incentivo à Cultura, do Ministério do Turismo. As empresas citadas não escolhem as obras exibidas; a curadoria é da jornalista e editora de moda Lilian Pacce.
De acordo com a UGT, o tema da exposição deste ano teve como meta reforçar a necessidade de se combater todas as formas de violência e discriminação contra as mulheres e a população negra e de alertar para a necessidade de uma agenda de políticas públicas voltada para a garantia dos direitos humanos.
Não há nenhum registro que a artista, a organização do evento ou as empresas patrocinadoras apoiem alguma modificação na bandeira nacional com base na obra em questão.
O símbolo nacional, que foi instituído em 1889, quatro dias depois da Proclamação da República, está descrito na Constituição Federal e teve a apresentação e o uso regulamentado pela Lei Nº. 5.700, de 1971. Qualquer alteração, portanto, passa necessariamente pelo Congresso. Países democráticos também costumam discutir essa questão a partir de plebiscitos, a exemplo da Nova Zelândia, em 2016.
Em resposta ao Estadão Verifica, a assessoria de imprensa do Magazine Luiza confirmou que foi uma das empresas que patrocinou a exposição, mas disse que "jamais vinculou sua marca ou seu patrocínio a uma obra específica". A empresa afirmou em nota que a sua política interna "impede o uso da marca em qualquer tipo de manifestação política, ideológica ou partidária".
A reportagem também procurou a vereadora Sandra Santana (PSDB-SP), que também é criticada no vídeo por aparecer como "apoio cultural" no mesmo painel. Ela disse que apoiou o evento porque este "retrata a violência contra a mulher e outras agressões que precisam acabar" e que não houve nenhum pedido de mudanças de cor na bandeira. "A vereadora lamenta a disseminação desta fake news, que incita a polarização política e não contribui para a união da sociedade", comunicou em nota.
Vídeo também desinforma sobre economia brasileira
O autor do vídeo faz outras três afirmações falsas ou enganosas para elogiar o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e criticar o governador paulista, João Doria (PSDB). Ele diz que o Produto Interno Bruto (PIB) do País teria crescido 5% e que o dólar estaria em queda, ao mesmo tempo que "mais de 15 milhões" de bares e restaurantes fecharam na pandemia por conta das restrições impostas pelo Estado.
Em relação ao PIB, o dado mais recente do Instituto Brasileiro de Economia e Estatística (IBGE) aponta que a economia brasileira cresceu 1,2% no primeiro trimestre de 2021 em relação ao quarto trimestre de 2020 -- e 1% em comparação com o primeiro trimestre do ano passado. Em 12 meses, o PIB acumula queda de 3,8%.
Na realidade, o número alegado na gravação se aproxima de projeções para o final do ano e que, portanto, ainda não se concretizaram. Economistas acreditam em uma alta de 5,18% para o indicador em 2021, segundo relatório Focus, divulgado pelo Banco Central, por exemplo. O ministro da Economia, Paulo Guedes, também fala em crescimento de até 5,5%.
Essa perspectiva é apoiada principalmente pela alta no preço das commodities (produtos básicos, como alimentos, minério de ferro), exportados, em grande parte, pelo Brasil, e pelo avanço da vacinação contra a covid-19, que favorece a retomada econômica no mercado interno. Além disso, a base de comparação ajuda: o Brasil teve queda de 4,1% do PIB em 2020.
Quanto ao dólar, a moeda norte-americana operava a R$ 5,26 nesta quarta-feira, 7 de julho. A cotação realmente já esteve mais alta neste ano -- o pico foi de R$ 5,79, em 9 de março -- mas a taxa de câmbio permanece acima da média de 2020 (R$ 5,15, de acordo com o Ipeadata) e longe do patamar pré-pandemia, quando chegou a valer R$ 4,02 na primeira sessão do ano.
Já a terceira alegação, de que "15 milhões" de bares e restaurantes teriam sido fechados na pandemia, é completamente fora da realidade. De acordo com a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), existem cerca de 1 milhão de estabelecimentos do tipo em todo o Brasil.
A regional paulista da entidade divulgou um levantamento, em abril, apontando que cerca de 12 mil negócios deixaram de existir na capital e 50 mil no Estado. O governo, no entanto, rebateu dizendo que o número de baixas na junta comercial foi de 2.971 na capital e 9.676 em toda São Paulo. A mesma representação de comerciantes estima que 335 mil bares e restaurantes fecharam as portas em todo o País desde o início da pandemia.
O conteúdo checado teve mais de 200 mil compartilhamentos no Facebook desde o final de junho.
Este boato foi checado por aparecer entre os principais conteúdos suspeitos que circulam no Facebook. O Estadão Verifica tem acesso a uma lista de postagens potencialmente falsas e a dados sobre sua viralização em razão de uma parceria com a rede social. Quando nossas verificações constatam que uma informação é enganosa, o Facebook reduz o alcance de sua circulação. Usuários da rede social e administradores de páginas recebem notificações se tiverem publicado ou compartilhado postagens marcadas como falsas. Um aviso também é enviado a quem quiser postar um conteúdo que tiver sido sinalizado como inverídico anteriormente.
Um pré-requisito para participar da parceria com o Facebook é obter certificação da International Fact Checking Network (IFCN), o que, no caso do Estadão Verifica, ocorreu em janeiro de 2019. A associação internacional de verificadores de fatos exige das entidades certificadas que assinem um código de princípios e assumam compromissos em cinco áreas: apartidarismo e imparcialidade; transparência das fontes; transparência do financiamento e organização; transparência da metodologia; e política de correções aberta e honesta. O comprometimento com essas práticas promove mais equilíbrio e precisão no trabalho.
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