É falso que pesquisa tenha descoberto que vacina da Pfizer pode causar Alzheimer e outras doenças degenerativas

Artigo é uma mera especulação publicada por uma plataforma suspeita de agir como editora predatória; boato surgiu nos Estados Unidos e foi desmentido por agências de checagem

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Foto do author Samuel Lima
Atualização:

Não é verdade que um relatório científico tenha mostrado que a vacina da Pfizer contra a covid-19 pode causar Alzheimer e outras doenças neurodegenerativas. Esse boato circula nos Estados Unidos desde o início do ano e foi desmentido por três agências de checagens e o jornal USA Today. Estudos clínicos rigorosos demonstraram a eficácia e a segurança do imunizante, e não há registro de que o produto cause qualquer efeito colateral do tipo.

Leitores do Estadão Verifica encaminharam essa sugestão de checagem pelo WhatsApp do blog: (11) 97683-7490. O conteúdo falso foi postado originalmente, em inglês, pela página de extrema-direita "National Life". O mesmo link é encaminhado pelo aplicativo de mensagens no Brasil, acompanhado pelo título traduzido.

Boato que surgiu nos Estados Unidos espalha tese falsa de que vacina da Pfizer causa Alzheimer. Foto: Reprodução Facebook / Arte: Estadão

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Na peça de desinformação, a página alega que um "novo e chocante relatório" descobriu que a vacina contra a covid-19 produzida pela Pfizer "pode apresentar efeitos de saúde desconhecidos antes, incluindo ALS (esclerose lateral amiotrófica), Alzheimer e outras doenças neurodegenerativas". O título da postagem vai além e afirma que um estudo "confirmou" a associação. Nada disso é verdade.

O estudo é, na verdade, uma tese falha e sem base científica compartilhada por um médico e ativista anti-vacina chamado John Barthelow Classen. O fato é apontado pelas agências de checagem norte-americanas Politifact,Snopes e Health Feedback e por uma reportagem do jornal USA Today.

Classen teve o seu artigo publicado na "Microbiology & Infectious Diseases" -- uma revista online de qualidade duvidosa, mantida por uma plataforma de acesso aberto (SciVision) que é suspeita de atuar como uma editora predatória nos Estados Unidos. O termo se refere a publicações oportunistas que têm como principal objetivo lucrar com os acadêmicos, oferecendo critérios frouxos de entrada e revisões pouco confiáveis ou mesmo inexistentes. Em troca, pedem o pagamento de taxas aos autores ou cobram pela impressão e pelo envio dos materiais.

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Artigo - John B. Classen

A cobrança de taxas ou de assinaturas também existe entre revistas renomadas. A diferença é que elas contam com conselhos editoriais formados por cientistas reconhecidos na área e estabelecem critérios rigorosos de acesso. Dessa forma, é a qualidade da revisão por pares -- e não a facilidade em ter a pesquisa publicada -- que confere prestígio ao veículo de divulgação científica e alimenta a procura de pesquisadores sérios e interessados em gerar impacto positivo com os seus trabalhos.

Pesquisa é 'mera especulação'

De acordo com as fontes americanas, o artigo de Classen é uma mera especulação, levantada a partir de uma análise das sequências de RNA mensageiro (uma espécie de molde com informações genéticas de uma parte do vírus) contidas na vacina da Pfizer. O Estadão Verifica observou que a pesquisa descreve as etapas de análise em apenas três parágrafos, sem informar sequer o programa utilizado. Não foram divulgados os dados brutos, nem comparações e ilustrações sobre a suposta descoberta.

Como explicou o blog em outras checagens, as vacinas da Pfizer e da Moderna utilizam uma tecnologia chamada de RNA mensageiro (mRNA). O material é uma espécie de receita para que as células do organismo produzam uma proteína do SARS-CoV-2, chamada spike ou proteína S. A mensagem é lida por estruturas que ficam localizadas fora do núcleo das células e se degrada rapidamente. Essas proteínas acabam treinando o sistema imunológico a combater o vírus depois. 

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É a primeira vez que esse tipo de vacina está sendo usada em larga escala no mundo, mas a tecnologia de mRNA é estudada há mais de duas décadas e também já foi usada, em caráter experimental, para combater câncer, zika e outras doenças. Os Estados Unidos foram um dos primeiros países do mundo a autorizar o uso emergencial da vacina da Pfizer, com a qual o governo brasileiro firmou contrato de 100 milhões de doses. O primeiro lote chegou no final de abril e já está sendo aplicado nas capitais. 

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O autor do artigo enganoso alega que alguns trechos do RNA mensageiro contido na vacina da Pfizer poderiam induzir proteínas conhecidas pelas siglas TDP-43 e FUS a se deformarem, levando ao aparecimento de doenças neurológicas degenerativas. Ele também sustenta que proteínas codificadas e que geram a resposta imune após a vacinação teriam o potencial de liberar zinco, o que também supostamente poderia aumentar o risco do aparecimento de príons, um agente infeccioso que consiste em proteínas anormais que se espalham e provocam a morte de células do sistema nervoso central. A conclusão de Classen é que a vacina da Pfizer pode resultar em doenças como ALS, demência frontotemporal, Alzheimer, Creutzfeldt-Jakob e Kuru.

Especialistas, no entanto, apontam uma série de falhas no artigo e entendem que o médico e ativista anti-vacina promove uma relação insustentável com essas patologias. Jesús Requena, professor da Universidade de Santiago de Compostela, na Espanha, afirmou ao Health Feedback que o artigo é "uma especulação completamente enganosa e sem base científica, que não contém nenhuma evidência experimental". Requena aponta ainda que o artigo distorce uma de suas referências bibliográficas e apresenta insinuações ideológicas como a de que vacinas podem ser armas biológicas, tese que não traz uma única citação e jamais deveria fazer parte de um trabalho científico. 

Ao site Snopes, o virologista da Universidade Tulane, dos Estados Unidos, Robert Garry ressaltou que o artigo não oferece uma análise estatística que mostre que a formação de príons ocorre com mais frequência por conta da situação relatada com a vacina. "O corpo está cheio de RNA. O Dr. Classen não demonstrou, por nenhum esforço de imaginação, que as sequências da vacina da Pfizer são especiais ou inesperadas além de qualquer coisa que ocorra puramente por acaso."

O USA Today consultou a virologista da Universidade Georgetown Angela Rasmussen, que também criticou a metodologia e as conclusões do artigo. Para ela, a pesquisa "não tem peso científico nenhum". O jornal também reproduz comentários do professor da Escola de Medicina da Universidade do Estado de Wayne David Gorski, no blog Science-Based Medicine: "O que temos aqui é muita especulação, com a descoberta de uma conexão obscura baseada em uma metodologia não explicada e que não está nem perto do nível de rigor científico necessário para ser convincente."

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A prática também mostra que as preocupações do artigo não fazem sentido. No final de fevereiro, a agência Politifact, mantida pela The Poynter Institute, questionou o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC) a respeito de registros de efeitos colaterais relacionados à vacina da Pfizer. "O VAERS (sistema de comunicação de efeitos colaterais de vacinas do governo) não recebeu relatos de doenças de príons, Alzheimer ou esclerose lateral amiotrófica (ALS) após a vacinação de covid-19", respondeu a porta-voz Martha Sharan.

A página oficial do CDC permanece sem mencionar qualquer efeito colateral grave entre os possíveis sintomas da vacina da Pfizer até o momento. Nos Estados Unidos, 40% da população já está vacinada com pelo menos uma dose dos imunizantes autorizados: Pfizer, Moderna e Janssen.

Vacinas são eficazes e seguras

Antes de serem disponibilizadas para a população, todas as vacinas contra a covid-19 passam obrigatoriamente por uma série de testes até a aprovação pelos órgãos de vigilância sanitária dos respectivos países. O processo envolve estudos de laboratório, testes em animais e depois ensaios clínicos em seres humanos, geralmente em três etapas distintas, com milhares de voluntários. Os dados são conferidos pelas autoridades de saúde e precisam comprovar a sua eficácia e segurança.

No caso das vacinas de RNA aprovadas nos Estados Unidos, 15.210 voluntários receberam o produto da Moderna e 21.720 pessoas, a vacina da Pfizer, considerando apenas a etapa final de ensaios clínicos. Esses participantes foram monitorados, em média, por mais dois meses após a aplicação da segunda dose. As reações adversas mais comuns foram dores no braço, febre, cansaço, dores de cabeça e dores musculares, sintomas semelhantes aos causados por outras vacinas. Não foram registrados eventos inesperados. Os resultados foram publicados na revista científica The New England Journal of Medicine em dezembro.

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Mesmo depois de aprovadas, cientistas e autoridades de saúde continuam acompanhando a aplicação das vacinas em larga escala para detectar possíveis efeitos adversos. Essa etapa é chamada de fase quatro ou de farmacovigilância. As autoridades de saúde monitoram qualquer padrão de evento adverso grave nos grupos de vacinados e podem interromper a aplicação por precaução, totalmente ou em determinados grupos.

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