É falso que vacina contra covid-19 cause danos irreversíveis ao DNA

As vacinas de mRNA são desenvolvidas para não interferir no DNA humano; não há qualquer evidência de que sejam capazes de causar danos genéticos

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Por Projeto Comprova
Atualização:

Feito em parceria com o Projeto Comprova. Leia mais aqui.

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  • Conteúdo verificado: Post do blog católico Mater Salutis alega que as vacinas contra a covid-19 podem provocar dano genético irreversível e são um crime contra a humanidade. O texto seria uma mensagem de Robert F. Kennedy Jr e foi publicado em 13 de agosto. No dia 26, o material foi excluído do site.

É falso que as vacinas em teste contra a covid-19 possam causar "danos irreversíveis" ao DNA das pessoas imunizadas. As alegações são de um post do blog católico Mater Salutis, publicado no dia 13 de agosto. Um texto atribuído a Robert F. Kennedy Jr. fala das vacinas de mRNA que estão sendo testadas contra o novo coronavírus. "Um sintoma de vacinac?a?o se desenvolver apo?s uma vacinac?a?o de mRNA, nem eu nem qualquer outro terapeuta podemos ajuda?-lo, porque os danos causados pela vacinac?a?o sera?o geneticamente irreversi?veis. Na minha opinia?o, essas novas vacinas representam um crime contra a humanidade que nunca foi cometido de maneira ta?o ampla na histo?ria", diz a publicação.

Essas declarações são falsas. As vacinas de mRNA são desenvolvidas para não interferir com o DNA humano e são incapazes de causar danos genéticos. "Biologicamente, não tem evidência nenhuma disso. No caso das vacinas de mRNA, tudo é transparente, tudo é publicado. Os dados estão aí para serem analisados. E um cara que faz uma alegação dessas basicamente não leu a literatura. É muito importante explicar para as pessoas que isso é impossível", alerta Cristina Bonorino, professora titular da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) e membro do comitê científico da Sociedade Brasileira de Imunologia (SBI).

As vacinas de mRNA são desenvolvidas para não interferir no DNA humano. Foto: Projeto Comprova/Reprodução

O texto seria assinado por Robert F. Kennedy Jr. e começa com a frase "Caros pacientes", dando a entender que se trata de um médico.

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Kennedy é uma pessoa real. É um advogado e ambientalista norte-americano, filho do senador Robert F. Kennedy e sobrinho do presidente John F. Kennedy, ambos já falecidos. É dele a foto que ilustrava a publicação e havia um link para sua página na Wikipedia em inglês.

Embora não seja um profissional da saúde, Kennedy é conhecido pelo ativismo contra as vacinas nos Estados Unidos. Em suas redes sociais, como Instagram e Twitter, há postagens criticando as vacinas em desenvolvimento contra o novo coronavírus. Sua postura é criticada dentro da própria família, umas das mais influentes na política norte-americana.

Mas nada do que ele postou se assemelha ao texto publicado pelo blog brasileiro. Entramos em contato com um dos responsáveis pela página, que assina como Tomás de Aquino. Ele admitiu que não tinha certeza da autoria e disse que tirou o texto de uma página da Wikipedia em português. "Não foi traduzido por nós. E parece que a fonte não é confiável e parece que Robert F. Kennedy Jr. não é o autor da matéria. Parece ser fake. Estamos procurando a fonte original e, caso consigamos identificar, comunicamos", disse Aquino por e-mail. Depois de conversar com a equipe do Comprova, o site excluiu a publicação.

Como verificamos?

A equipe do Comprova começou a verificação procurando o nome "Robert F. Kennedy Jr." no Google. Encontramos informações sobre sua vida, carreira como advogado e ambientalista e militância no movimento antivacinação. Uma busca reversa de imagens mostrou que a foto que ilustrava a publicação era mesmo de Kennedy. Também encontramos os perfis do advogado no Instagram e no Twitter, tentando identificar conteúdos semelhantes ao que foi publicado em português.

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Sem sucesso, fizemos uma busca no Google com os principais termos do texto verificado em inglês e em português. Mais uma vez, não foi possível identificar a origem do material. Por isso, entramos em contato com os responsáveis pelo blog católico Mater Saluti por e-mail. Tomás de Aquino contou que pegou o conteúdo em uma página da Wikipedia em português e admitiu que não tinha certeza da autoria. Então, pedimos que mandasse o link do original. "Parece que o texto em português também foi excluído da Wikipedia e, como não podemos identificar a fonte, tiramos o texto do ar", explicou.

Para saber como as vacinas funcionam e se trazem algum risco para os pacientes, buscamos informações no site da Organização Mundial da Saúde (OMS) e em veículos de imprensa. Também conversamos por telefone com a professora universitária e pesquisadora Cristina Bonorino, que explicou como funcionam as vacinas do tipo mRNA.

Por fim, monitoramos o desempenho do texto verificado nas redes sociais com as ferramentas CrowdTangle e TweetDeck.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 26 de agosto de 2020.

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A OMS informa que há 173 imunizantes em estudo no mundo; ao menos 20 usam tecnologia mRNA. Foto: Dado Ruvic/Reuters

Verificação

Vacinas mRNA

Há 173 vacinas para a covid-19 em estudo, de acordo com um levantamento da OMS. Pelo menos 20 delas usam tecnologia mRNA e duas já estão na fase 3 de testes em humanos: a da Moderna, em parceria com o Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos Estados Unidos (NIAID), e a da Pfizer em parceria com a BioNtech.

Normalmente, as vacinas usam o vírus desativado ou pedaços de proteínas do vírus para provocar uma resposta imune no organismo. As vacinas de mRNA têm pedaços do código genético do vírus, o RNA. Esse material é introduzido nas células do paciente dentro de lipossomos -- pequenas bolhas de gordura -- e faz com que o próprio corpo humano passe a produzir essas proteínas do vírus.

A pesquisadora Cristina Bonorino explica que a tecnologia está em estudo há mais de duas décadas, mas a pandemia acelerou o debate. "As de covid-19 vão ser as primeiras [vacinas produzidas com essa tecnologia]. Já fazia muito tempo que essa discussão estava em andamento para liberar essas vacinas porque tem evidência robusta de que ela funciona e ela não tem efeitos adversos graves", lembra.

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As vacinas mRNA têm um custo menor e podem ser produzidas mais rapidamente. Outra vantagem é que elas são sintéticas, ou seja, não manipulam vírus vivo, apenas parte do seu material genético.

Grupos antivacina

Em novembro do ano passado, antes do início da pandemia, uma reportagem mostrou que Robert F. Kennedy Jr. era um dos dois maiores patrocinadores de anúncios com desinformação sobre vacinas no Facebook. Em maio deste ano, já com o novo coronavírus circulando, a família do advogado falou abertamente que ele fazia uma campanha de desinformação em relação à vacina. Dois de seus irmãos e uma sobrinha publicaram um texto intitulado "Ele está tragicamente errado sobre vacinas".

O movimento antivacina é tão forte nos Estados Unidos, onde é chamado de anti vaxxer, que tem preocupado autoridades sanitárias. Segundo uma pesquisa da Associated Press em parceria com a Universidade de Chicago realizada em maio, 20% dos norte-americanos disseram que não tomariam a vacina contra o SARS-CoV-2 e 31% não tinham certeza. Para frear o vírus e acabar com a pandemia, estima-se que cerca de 70% da população deva estar imunizada.

Na Europa, esse movimento também é forte e bem organizado. Em maio, alemães contrários à imunização fizeram protestos na cidade de Colônia. No início de agosto, cerca de 17 mil pessoas se reuniram em Berlim contra as medidas de prevenção ao vírus.

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No Brasil, pesquisa Datafolha publicada em 15 de agosto mostrou que 9 em cada 10 brasileiros pretendem ser vacinados contra o novo coronavírus. Apesar do número alto de pessoas a favor da imunização, os grupos antivacina começam a se fortalecer por aqui. Dados do Programa Nacional de Imunizações (PNI) mostraram que pais e mães que se recusam a imunizar os filhos são vistos como uma das razões para o retorno de doenças que já estavam erradicadas no país, como o sarampo.

Um levantamento recente da União Pró-Vacina, da USP, mostrou que grupos antivacina brasileiros aumentaram em 383% a quantidade de notícias falsas espalhadas no Facebook de maio a julho.

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Projeto Comprova investiga conteúdos relacionados às políticas públicas do governo federal e à pandemia. Conteúdos que trazem desinformação relacionada à covid-19, como o verificado aqui, são ainda mais perigosos pois colocam a saúde da população em risco e podem custar vidas.

Uma vacina é a forma mais eficiente de imunizar a população e esforços estão sendo feitos em todo planeta para chegar a essa solução. A postagem em questão gera medo e desconfiança e pode levar pessoas a decidirem não se vacinar quando a proteção estiver disponível para os brasileiros.

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O texto atribuído a Robert F. Kennedy, Jr. teve mais de 40 mil interações até o dia 25 de agosto, antes de ser retirado do ar. No Twitter, alcançou 1.282 interações, entre repostagens e curtidas. No Facebook, foram 15 compartilhamentos até 26 de agosto.

O texto do blog católico também foi verificado pelo Boatos.org, que concluiu que as informações são falsas. A Agência Lupa e a Reuters checaram conteúdos semelhantes sobre as vacinas de mRNA.

Publicações que tentam desacreditar a importância da vacina já foram verificadas pelo Comprova, como o tuíte que afirmava que vacinas usam células de fetos abortados e uma teoria conspiratória segundo a qual a proteção teria um microchip para rastrear a população.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

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