Uma montagem antiga que mostra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) chorando depois de receber uma ovada voltou a circular nas redes sociais. O rosto do petista foi inserido em uma foto do ex-prefeito de São Miguel do Oeste Nelson Foss da Silva -- ele sim foi atingido com ovos em março de 2018.
Neste momento, pesquisas de opinião mostram Lula à frente nas intenções de voto para presidente, superando o atual ocupante do cargo, Jair Bolsonaro (sem partido). Por isso, postagens nas redes ironizam a popularidade do político. Embora alguns perfis compartilhem a montagem como piada, leitores do Estadão Verifica questionaram a veracidade da imagem por WhatsApp (11-97683-7490).
Nas legendas, usuários do Facebook alegam que Lula "topou o desafio e testou sua popularidade em Santa Catarina". O Estadão Verifica pesquisou os principais termos e chegou a um incidente ocorrido há três anos, em 25 de março de 2018, na cidade de São Miguel do Oeste. Na ocasião, o petista realmente foi alvo de ovada enquanto discursava em uma praça no centro da cidade. Porém, ele não foi atingido e estava vestindo roupas diferentes.
Quem não teve a mesma sorte foi o ex-prefeito do município e colega de partido Nelson Foss da Silva: mais cedo naquele dia, ele foi vítima dos manifestantes em um trajeto da caravana petista pelo interior do Estado. A foto do político coberto de ovos serve de base para a montagem, como se pode constatar pela camiseta azul suja de amarelo e o plano de fundo recortado. O registro original é de autoria do fotógrafo Ivan Ansolin e foi publicado por um site de notícias local.
No lugar do rosto do ex-prefeito, o conteúdo falso usa uma foto de Lula chorando ao discursar para apoiadores na sede do Sindicato dos Bancários, em São Paulo, no dia 4 de março de 2016. Ela foi clicada pelo fotógrafo Victor Moriyama e está disponível para compra na plataforma Getty Images. Ele não foi alvo de ovadas no evento e usava uma camiseta vermelha.
O contexto da foto é que, naquele dia, o ex-presidente havia sido alvo de uma condução coercitiva em São Bernardo do Campo, na região do ABC Paulista. Ele foi levado para prestar depoimento à Polícia Federal no Aeroporto de Congonhas, na Zona Sul da Capital, na 24ª fase da Operação Lava Jato, como mostra reportagem do G1. Depois, fez um pronunciamento no diretório do partido em São Paulo e foi recebido à noite pela militância no sindicato.
As buscas pela montagem indicam que ela surgiu imediatamente após o incidente de São Miguel do Oeste e foi desmentida, ainda em março de 2018, pelo site Boatos.org. A montagem voltou a circular nas redes em novembro de 2019, depois que Lula deixou a prisão em Curitiba, no Paraná, onde ficou detido por 580 dias -- e então foi checada pela AFP e pela Lupa.
Em julho deste ano, a mesma foto editada viralizou novamente, assim como vídeos fora de contexto do ataque em São Miguel do Oeste, sem mencionar a data e dando a entender que seriam recentes. O Estadão Verifica encontrou postagens com mais de 1,2 mil compartilhamentos no Facebook e também recebeu conteúdos semelhantes de leitores pelo WhatsApp.
Lula é um dos alvos preferenciais da desinformação compartilhada por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro. Esses conteúdos se tornaram mais frequentes desde que o petista se tornou apto a disputar as eleições de 2022 e apareceu em vantagem nas intenções de voto para presidente em pesquisas recentes de institutos como Ipec, Datafolha e XP/Ipespe.
O conteúdo checado apresenta indícios de falsidade, como o fato de generalizar a origem da foto como um "teste de popularidade em Santa Catarina" e não apresentar uma fonte confiável de informação. O Estadão fez um compilado de dicas para ajudar a identificar boatos nas redes e também um passo a passo para fazer buscas reversas de imagens e descobrir a origem de fotos suspeitas.
Este boato foi checado por aparecer entre os principais conteúdos suspeitos que circulam no Facebook. O Estadão Verifica tem acesso a uma lista de postagens potencialmente falsas e a dados sobre sua viralização em razão de uma parceria com a rede social. Quando nossas verificações constatam que uma informação é enganosa, o Facebook reduz o alcance de sua circulação. Usuários da rede social e administradores de páginas recebem notificações se tiverem publicado ou compartilhado postagens marcadas como falsas. Um aviso também é enviado a quem quiser postar um conteúdo que tiver sido sinalizado como inverídico anteriormente.
Um pré-requisito para participar da parceria com o Facebook é obter certificação da International Fact Checking Network (IFCN), o que, no caso do Estadão Verifica, ocorreu em janeiro de 2019. A associação internacional de verificadores de fatos exige das entidades certificadas que assinem um código de princípios e assumam compromissos em cinco áreas: apartidarismo e imparcialidade; transparência das fontes; transparência do financiamento e organização; transparência da metodologia; e política de correções aberta e honesta. O comprometimento com essas práticas promove mais equilíbrio e precisão no trabalho.