Voltou a viralizar nas redes sociais um vídeo com trechos recortados de uma entrevista concedida por um dos advogados de Adélio Bispo, autor da facada contra Jair Bolsonaro durante a campanha presidencial de 2018. Os trechos da gravação foram selecionados de modo a parecer que emissoras de televisão teriam pagado os honorários da equipe de defesa de Adélio. Este vídeo recebeu ao menos 379,6 mil visualizações no TikTok.
O vídeo original, com a íntegra da entrevista, foi gravado por uma integrante de um grupo simpatizante a Bolsonaro em Juiz de Fora, Minas Gerais. A versão entrecortada que viralizou mostra a pessoa perguntando: "A quem interessa manter em segredo, esconder quem mandou matar Bolsonaro?". Ao que o advogado Zanone Júnior responde: "(Interessa) À pessoa que me pagou."
Em seguida, o vídeo editado mostra o advogado dizendo que "tirando aquele primeiro contato em que a pessoa me pagou, eu, Zanone, no interior do meu escritório, a partir daí todas as despesas foram bancadas por algumas emissoras de televisão, não vou citar o nome para você, nem para o Brasil". Ele acrescenta ainda que os próprios advogados da equipe pagaram alguns gastos.
Ao jornal Correio Braziliense, em 2019, o advogado disse que respondeu as coisas "em tom jocoso". Ao comentar sobre a menção a emissoras, falou que se referia a despesas relacionadas a reportagens, não aos honorários. "Fui convidado a ir a restaurantes, essas coisas (para dar entrevista), e a imprensa pagou. Também fiz viagens e quem pagou as passagens aéreas foi a imprensa."
Essa mesma justificativa de Zanone aparece no relatório final da Polícia Federal sobre o caso de Adélio. Ele afirmou ter respondido às perguntas em "tom de brincadeira", já que a mulher que o entrevistou trajava "vestimenta da seleção brasileira e faixa presidencial, com o aparelho celular em riste".
A responsável pelo vídeo enviou uma transcrição para a PF, que convocou Zanone Júnior para explicar as declarações. Ele disse que jamais recebeu pagamento de honorários por parte de veículos de imprensa. Segundo o advogado, ao mencionar emissoras de televisão estava se referindo a pagamento de refeições e viagens aéreas por veículos de comunicação para viabilizar entrevistas com Adélio Bispo.
Zanone informou que isso ocorreu com o programa do repórter Roberto Cabrini, do SBT. Eles viajaram a Campo Grande, onde ele estava preso, às custas da emissora. Essa alegação foi confirmada pela PF com informações coletadas junto ao canal de televisão.
No relatório final das investigações, o delegado Rodrigo Morais Fernandes descartou a participação de agremiações partidárias, facções criminosas, grupos terroristas ou mesmo paramilitares. "Até aqui, a investigação, marcada ininterruptamente pelo rigor técnico, demonstrou que Adélio Bispo de Oliveira atuou sozinho, por iniciativa própria, tendo sido o responsável pelo planejamento da ação criminosa e por sua execução, não contando, a qualquer tempo, com o apoio de terceiros", concluiu.
O delegado também afirmou que a única lacuna deixada pelas investigações foi quanto à "dúvida razoável acerca do real interesse dos advogados" de Adélio. Para isso, foram feitas buscas no escritório de advocacia de Zanone Júnior, mas uma decisão liminar de um desembargador do 1º Tribunal Regional Federal à época impediu a análise do material coletado.
Na última quarta-feira, 3, a Segunda Seção do TRF-1, em Brasília, derrubou a decisão liminar. Isso abre caminho para que a investigação seja reaberta, mas isso só ocorrerá por iniciativa do delegado responsável pelo caso.
De qualquer forma, a entrevista com Zanone não prova que emissoras de televisão estariam por trás do pagamento da equipe de defesa. Como a investigação da PF mostrou posteriormente, o canal SBT arcou com despesas de viagem e alimentação de advogados para tentar entrevistar Adélio, mas não pagou honorários.
A entrevista inteira está disponível no canal no YouTube da deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP). A transcrição do trecho em que Zanone fala sobre emissoras de televisão está no relatório da PF.
Veja abaixo o documento completo. O trecho relativo à entrevista começa na página 99.
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